(Criação do verbete)
(Sem diferença)

Edição das 17h00min de 9 de julho de 2022

Jacques-Marie Émile Lacan, filho mais velho do casal Alfred Lacan e Émilie Baudry, nasceu em Paris no dia 13 de abril de 1901. Formou-se em medicina e concluiu sua especialização em psiquiatria no ano de 1931, atuando posteriormente como psiquiatra e psicanalista na capital francesa. Lacan dedicou seu trabalho a fazer uma releitura da obra de Freud, sendo responsável por uma reinterpretação de suas ideias, o que o tornou um dos nomes mais importantes da psicanálise. Faleceu em 9 de setembro de 1981, em Paris, vítima de um câncer no cólon.

Biografia

1901 – 1932: Infância, Juventude e publicação da primeira tese

Infância e Adolescência

No dia 14 de abril de 1901, Jacques Marie Émile Lacan nasceu em uma família da alta burguesia de comerciantes de vinagre, sendo seus pais Alfred Lacan e Émilie Braudy. Além de Lacan, o casal também teve outros três filhos: Madeleine, Raymond e Marc-François. Sendo sua família muito religiosa, Jacques foi criado segundo a tradição cristã, tendo inclusive o prenome ‘’Marie’’ em homenagem à virgem Maria do catolicismo, prenome esse retirado por ele posteriormente.  (ROUDINESCO e PLON, 1997)

A infância de Lacan foi marcada por uma necessidade de reconhecimento de sua posição como filho mais velho, expressa pela exigência de presentes e vantagens e por uma relação pouco amistosa com os avós paternos, em especial com seu avô Émile Lacan, visto que haviam conflitos entre este e seu pai, Alfred. Além disso, possuía uma relação muito paternal com Marc-François, seu irmão mais novo, apelidado de Marco. (ROUDINESCO, 1993)

Tendo estudado em uma instituição católica privada, o colégio Stanislas, Lacan teve uma formação extremamente clássica, centrada no cartesianismo cristão. A imagem atribuída a ele durante seus anos escolares, por seus professores e colegas, era de um aluno nutrido de certa arrogância, sem muito interesse pelas brincadeiras infantis. Quanto ao desempenho escolar, não era considerado um aluno excepcional na maioria das disciplinas, exceto em instrução religiosa em versões latinas, na qual tinha grande facilidade. (ROUDINESCO, 1993)

Em sua adolescência, Jacques inicia um rompimento com a tradição católica na qual foi criado, já que, nesse período, se interessa por obras de autores como Espinosa e Nietzsche, o que o abre a perspectiva para além da ortodoxia religiosa que permeava sua família. Ainda nesse período, sua presença no colégio era marcada por ausências frequentes nas aulas, acompanhadas de uma posição de pouco interesse que parecia partir do jovem Jacques.

Juventude: início na Medicina até a primeira tese

Após concluir seus estudos secundários no Stanislas, começa o curso de Medicina em 1919, iniciando-se na neurologia e posteriormente passando para a psiquiatria. A juventude de Lacan é marcada, para além de sua presença na medicina, pelo prosseguimento de seus interesses intelectuais da adolescência, como pelas vanguardas literárias e artísticas, em especial o surrealismo, com o qual teve o primeiro contato por meio da revista ‘’Litterature’’, nos anos 1920. Além disso, com seus 22 anos, ele conhece as teorias de Freud e Charles Maurras. Ainda nesse período, ele começa a visitar uma célebre livraria de Paris, a de Adrienne Monnier, a qual se tornou um polo de leituras públicas com participação de célebres escritores.

Em relação à sua formação na medicina, de 1927 a 1931, Lacan estudou a clínica das doenças mentais e do encéfalo no hospital Sainte-Anne, considerado um centro do universo manicomial, além de ter estagiado na enfermaria especial da Chefatura de Polícia, onde atendia indivíduos considerados ‘’perigosos’’. (ROUDINESCO, 1993)

Em 1928, houve um caso de histeria, com o qual trabalhou em sua formação psiquiátrica, o ‘’abasia em uma traumatizada de guerra’’. O caso tratava de uma mulher que teve sua casa destruída durante a Primeira Guerra, e após tal acontecimento, apresentou sintomas de histeria como resultado do trauma. Posteriormente, Lacan comenta esse caso como o que teria marcado sua transição da neurologia para a psiquiatria, já que era um caso que segundo ele, “não apresentava nenhum sinal neurológico de organicidade’’. (ROUDINESCO, 1993).

Em 1930, Lacan toma conhecimento do texto “O asno podre” (original “L’âne pouri’”)  de Salvador Dalí, publicado na revista “Surrealisme ao service de la Révolucion” e, interessado pela tese do surrealista, chega a se encontrar com ele para discussão sobre a tal. Nesse texto, Dalí sustenta uma tese original sobre a paranoia, o que possibilitará a Lacan, envolvido também nesse período com a leitura de Freud, a efetuar uma síntese sobre a paranoia, unindo o conhecimento da clínica psiquiátrica com a doutrina freudiana e o segundo surrealismo, o que dará origem a sua tese de doutorado “Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade”, publicada em 1932. (ROUDINESCO, 1993)

Em 1931, Jacques tem contato com quem chamará de ‘’Aimée’’, cujo nome real era Marguerite Pantaine, uma mulher de 38 anos que tentou assassinar a atriz Huguette Duflos em abril do mesmo ano. Lacan se interessou pelo caso de Marguerite e a encontrou pela primeira vez em junho desse mesmo ano, chegando a fazer um primeiro relatório sobre ela, no qual afirmava que seu caso era de psicose paranoica, com um delírio recente que teria culminado na tentativa de homicídio, com interpretações agrupadas em torno de uma ideia de ameaça a seu filho. Após esse primeiro contato, ‘’Aimée’’ se tornou paciente de Lacan por um ano, e ele se apropria da história dela para a construção de um caso, o ‘’caso Aimée’’, que se tornará o tema de uma monografia produzida por ele, além de ter sido o caso utilizado para a construção de sua tese de doutorado de 1932. É com esse caso que Lacan cria o conceito de ‘’paranóia de autopunição’’, criando a teoria de que ao atacar a atriz, na verdade, Marguerite desejava atacar a si mesma, o seu ‘’ideal do Eu’’.

Em 1932, é publicada sua tese de doutorado da faculdade de medicina “Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade’’, na qual Lacan apresenta sua síntese sobre a paranoia, relacionando o conhecimento de sua experiência clínica psiquiátrica com a doutrina freudiana e o segundo surrealismo, utilizando-se do “caso Aimée” como objeto de estudo. Essa tese representa, ainda, um marco da passagem de Lacan da psiquiatria para a psicanálise, considerando as bases psicanalíticas utilizadas por ele na construção da tese. Esse trabalho não foi bem recebido na área da psiquiatria, entretanto, foi muito elogiado pelos intelectuais e pelos artistas surrealistas. Ainda nesse ano, Lacan começa a fazer análise com Rudolph Loewenstein, o que perdura por seis anos e meio, de junho de 1932 até dezembro de 1938, terminando devido a desavenças entre os dois.

1933 – 1953: Caso irmãs Papin, primeiro seminário oficial até ruptura com a sociedade psicanalítica de Paris

Apesar das desavenças com Loewenstein, a intervenção de Èdouard Pichon permitiu que Lacan entrasse, em 1934, para a Sociedade Psicanalítica de Paris, que até então ignorava seus trabalhos. Além disso, dois anos após o início de sua análise, ele casa-se com Marie-Louise Blondin (1906 – 1983), conhecida como Malou, e durante sua viagem de núpcias na Itália, apaixona-se pela cidade de Roma, assim como Freud. Logo no começo, o casamento foi insatisfatório, apesar disso, tiveram três filhos, Caroline (1937 – 1973), Thibault (1939) e Sibylle (1940 – 2013).

O ano de 1933 foi marcante para Jacques Lacan. Foi nesse contexto que realizou uma importante publicação, abordando o delírio paranoico em seu artigo para a revista Le Minotaure sobre o caso das irmãs Papin. O crime, que ganhou destaque na França, ocorreu na cidade de Le Mans, onde duas domésticas assassinaram suas patroas. É nesse texto que Lacan reconheceu, em meio à selvageria, um caso de folie à deux, ou seja, delírio a dois, permeado por uma homossexualidade latente. Logo, Cristine e Lea Papin seriam culpadas de um crime paranoico.

Em 1936, ao frequentar seminários de Alexandre Kojève, o psicanalista entra em contato com a filosofia de Hegel. É assim que ele se envolve com a revista Recherches Philisophiques e participa das reuniões do Collège de Sociologie. Nesse mesmo ano, vai à Marienbad para o Congresso da Associação Internacional de Psicanálise (IPA) e apresenta uma exposição sobre o estádio do espelho, no entanto, é cortado por Ernest Jones em apenas dez minutos de apresentação.

No ano seguinte, Lacan apaixona-se pela judia Sylvia Maklès-Bataille (1908 – 1993), esposa de Georges Bataille e, com o início da Segunda Guerra, realiza visitas a cada quinze dias na zona livre, ao passo que interrompe sua atividade pública mantendo apenas consultas com seus clientes particulares. Mesmo não aderindo a nenhum movimento de resistência, o psicanalista se mostra hostil a qualquer forma de anti-semitismo e ao regime de Vichy.

O divórcio com Malou chega em meio a gestação do terceiro filho do casal, Sibylle, após Lacan anunciar que Sylvia também esperava uma criança, Judith, que só pode usar o nome do pai em 1964, influenciando na elaboração do conceito de Nome-do-Pai. No mesmo ano do divórcio, 1941, ele se instala na rue de Lille número 5, onde permanece até sua morte e em 1946 casa-se com Sylvia, escondendo por muitos anos sua segunda família, pedido feito por Malou para preservar os filhos do casal.

Apenas no ano de 1950, Lacan inicia uma retomada às produções de Freud. Aliado às noções heideggerianas questionou a concepção sobre a verdade e o ser, pensando em Lévi-Strauss apreende o simbólico  e reinterpreta o complexo de Édipo, e com a linguística de Saussure explora o inconsciente e o significante. É baseado nesses estudos que dá início aos seus seminários, produzindo vinte e sete deles, e simultaneamente atua na SPP, atraindo o interesse de muitos alunos e sendo reconhecido como didata e clínico. O primeiro seminário oficial, dedicado aos escritos técnicos de Freud, foi realizado em 1952.

No ano seguinte, compra a Prévoté, uma casa de campo em Guitrancourt, onde além de realizar recepções ligadas à arte e ao teatro para seus amigos, também recebia pacientes aos domingos.

Após a Segunda Guerra Mundial, ocorre a primeira cisão francesa, resultado de tensões na SPP entre Sacha Nacht, aliado à ordem médica, e Daniel Lagache, com os universitários liberais. Criticado pela duração de suas sessões, que contradiziam o tempo padrão imposto pela IPA, Lacan se posiciona ao lado de Lagache e rompe com a SPP. Assim, Lacan e Lagache, junto de Dolto e Juliette Favez-Boutonier, fundam a Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP) em 1953.

Foi em Roma que Lacan realizou seu primeiro congresso sobre “Função e campo da fala e da linguagem na psicanálise”, também conhecido como “Discurso de Roma” apresentando suas ideias sobre a linguagem, o sujeito e o imaginário. Por 10 anos realizou no Hospital Sainte-Anne, a convite de Jean Delay, o seminário que daria origem à sua linha de pensamento: o lacanismo. Assim, o “Discurso de Roma” é escolhido para ser publicado na primeira edição da revista da SFP,  a La Psychanalyse.

Ainda nessa época, como resultado da ruptura com a SPP, que fez com que Lacan e os outros fundadores da SFP deixassem de ser filiados à IPA, tem início negociações com o comitê executivo. Por fim, Lacan tem o direito de se formar didata negado, justificado em razão de sua transgressão às regras, ou seja, o tempo de suas sessões.

1957 – 1966: Da conferência na Sorbonne até a publicação dos “Escritos”

Em 1957 Lacan realizou a conferência “Instância da letra no inconsciente ou a razão depois de Freud”. Considerada um marco, essa foi responsável por introduzir ideias sobre língua, linguagem e fala na faculdade de Sorbonne. Em maio de 1958 realizou mais uma conferência, desta vez no Instituto Max-Planck de Munique, sobre a ‘’Significação do Falo’’. Ainda no mesmo ano, fez uma comunicação no Colóquio de Royaumont tratando de “A direção do tratamento e os princípios do seu poder”.

O ano de 1963 foi marcado pela segunda cisão no movimento psicanalítico da França, após Lacan e Françoise Dolto serem impedidos pelo comitê da Associação Internacional de Psicanálise (IPA) de exercerem suas funções de psicanalistas didatas. Lacan chamou essa atitude da IPA de excomunhão. Vale ressaltar que essa foi a segunda ruptura no movimento, já que 10 anos antes, em 1953, aconteceu a primeira cisão supracitada, tendo como líderes Sacha Nacht e Daniel Lagache; seguida da criação da Sociedade Francesa de Psicanálise por Lagache.

Seguindo este padrão, em junho de 1964, após se retirar da Sociedade, Lacan fundou a Escola Freudiana de Paris, a qual é considerada a primeira instituição a estudar Freud conforme os princípios da academia tradicional. Ademais, no mesmo ano realizou o seminário sobre os “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”, na École Pratique des Hautes Étudés.

O livro “Escritos” (‘’Écrits’’), que consiste em um compilado dos seus textos e conferências desde 1936, foi publicado em 1966. A obra, de suma importância para a divulgação de suas ideias, apresenta 34 textos relacionados à Teoria do estádio do espelho, à Carta Roubada, à Função e ao campo da fala e da linguagem, dentre outros que contribuíram para a psicanálise contemporânea. Dessa forma, a primeira edição do exemplar foi vendida rapidamente na França. O livro de 937 páginas foi traduzido para o Brasil em 1988 por Vera Ribeiro.

1967 – 1981: Lacan na Itália até sua morte

Em 1967, Lacan participa de Conferências na Universidade de Roma e no Instituto Francês, e em outubro do mesmo ano, apresenta e propõe um novo dispositivo, a “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola” em que dizia: “O analista se autoriza por si mesmo. Isso não exclui que um psicanalista dependa de sua formação”. Essa proposição visava a substituição da análise didática, adotada pela IPA, para fornecer uma visão analógica de organização do universo profissional psicanalítico.

Lacan funda a revista Scilicet dentro da coleção do Champ Freudien em março de 1968, introduzindo-a como revista da Escola Freudiana de Paris, visando publicar textos de sua autoria e dos membros de sua escola, além de diferenciar quatro modalidades teóricas de articulação entre o sujeito, seu desejo e a relação com a verdade (o discurso do senhor, do universitário e o analítico, relacionados às tarefas de governar, educar e psicanalisar e o da histérica, correspondente a amar e se fazer amar, todos sendo tarefas impossíveis).

No ano de 1969, houve a aplicação do passe, que seria tanto o momento em que o psicanalista, em sua análise, vira analista quando desejar, quanto o mecanismo institucional e corporativo inventado para aferir essa passagem. No entanto, nem todos os membros da escola aceitaram a proposta, ocasionando a terceira cisão no movimento psicanalítico da França, feita por um grupo de dissidentes que fundaram o “Quarto Grupo”. No mês de março, Lacan recebe uma carta do diretor da ENS comunicando que a sala Dussane não o seria mais fornecida para a realização dos seus seminários. A partir de 26 de novembro, passa a realizá-los quinzenalmente em um anfiteatro da faculdade de direito, em frente ao Pantheon, que a partir daí, começa a integrar as atividades da Escola Prática de Estudos Superiores.

Lacan retorna à Itália em 1974, por ocasião do Congresso da Escola Freudiana, em Roma. Há a inauguração do ensino do Campo Freudiano no departamento de psicanálise criado por Serge Leclaire, e Jacques-Alain Miller é escolhido por Lacan como coordenador desse ensino. A partir desse ano, o ensino de Lacan apoia-se principalmente em sua própria teoria, para defini-la melhor.

Em 1975 participa do simpósio sobre estruturalismo na Universidade de Baltimore, EUA, dizendo ser psicótico, acrescentando ainda, ser um fato de vigor. Retorna ao país no ano seguinte para realizar uma série de conferências nas universidades da Costa Leste, onde é questionado por psicanalistas norte-americanos sobre querer matematizar  tudo, e sua resposta é negativa, pois se defende dizendo que apenas quer “começar a isolar na psicanálise um mínimo passível de ser matematizado”, ou seja, introduzir algumas fórmulas seguras para o trabalho dos psicanalistas e para a troca teórica entre eles.

Em janeiro de 1980, período que se destaca pela ênfase dada ao registro do Real e pelo fim dos esforços de Lacan sobre a EFP (Escola Freudiana de Paris), houve a dissolução da instituição e a fundação da Escola da Causa Freudiana (ECF). Em julho, Lacan vai a Caracas, na Venezuela, para participar do Congresso da Fundação do Campo Freudiano, do qual é presidente. Em 13 de novembro, escreve seu testamento, pondo Judith como herdeira e tornando Jacques-Alain Miller (seu genro) o responsável legal por sua obra publicada e inédita.

Assim, pouco antes de morrer, Lacan sugere aos analistas que se mantenham fiéis a princípios e não a pessoas, que se juntem e se separem periodicamente, colocando os supostos políticos sempre em questão, de forma a evitar que as hierarquias se eternizem em seus cargos.

No dia 12 de agosto de 1981, Lacan é internado na Clínica Hartmann de Neuilly, em Paris, e em estado preocupante de retirada de um tumor maligno, é  submetido a uma operação que resulta numa infecção generalizada que agrava o seu caso. Através de uma dose letal de morfina e pelo câncer de cólon, Jacques Lacan morre com 80 anos nesta mesma clínica que fora internado, tendo como sua última frase em seu leito de morte os seguintes dizeres: “Sou obstinado. Eu desapareço”.

Contribuições

O trabalho de Jacques Lacan representou para a psicanálise um grande marco. Ao retirar o estudo de Freud das fundamentações biológicas, estruturando-o em torno de bases filosóficas que dialogavam com o campo da linguagem, ele permite uma retomada ao autor austríaco. Assim, Lacan retorna à Freud e se consagra como o principal mestre da psicanálise francesa. É nesse ínterim que o psicanalista reinterpreta os conceitos freudianos, fundamentando o inconsciente na linguagem, e acrescenta conceitos próprios, como o simbólico, o imaginário e o real.

Mais do que realizar o diálogo entre a psicanálise e outras disciplinas contemporâneas, Lacan contribui para a fundação da Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP), e futuramente, após sua dissolução, funda a École Freudienne de Paris (EFP). Foi na EFP que o psicanalista introduziu o passe, um procedimento adotado na análise didática. O dispositivo garantiria ao analisado um poder de decisão, ou seja, ele poderia recorrer à autoavaliação.

Além das influências da filosofia e da linguística, Lacan também se utilizou da matemática, com a construção de matemas, os quais transmitem conceitos da psicanálise se utilizando de uma lógica matemática. É assim que se desenvolve a álgebra lacaniana, com símbolos como: $, a, S1e S2, que se articulam em fórmulas dos quatro discursos, do sintoma e da fantasia.

Apesar de não ser diretamente responsável por isso, Jacques Lacan influenciou o desenvolvimento do lacanismo. O lacanismo foi uma corrente criada pelos seguidores de Lacan, surgindo entre 1953 e 1963 na França com a institucionalização de sua obra na EFP. Foi assim que os estudos do psicanalista sobre Freud contribuíram para o desenvolvimento de um novo sistema de pensamento, que em 1970 é incorporado como método clínico, sendo exportado para outros países como a Argentina e o Brasil.

Críticas

Uma das principais críticas à teoria lacaniana está presente nas ideias de Gilles Deleuze e Félix Guattari em sua obra ‘’O Anti-Édipo’’, já que ela se apresenta como uma espécie de resposta à psicanálise. Embora não a negue, as concepções de Deleuze e Guattari questionam suas limitações, especialmente no que se refere aos conceitos de inconsciente e desejo.

Nesse sentido, as respostas de Deleuze e Guattari aos simpatizantes de Lacan não podem ser resumidas em apenas oposição, pois, em sua obra, há lacanianos avaliados positivamente a depender do contexto, sendo a principal oposição no que se refere à teoria do desejo e do inconsciente. (DUTRA e COUTO, 2018)

Além disso, há críticas de outras áreas, como das ciências matemáticas, tais quais as estabelecidas por Alan Sokal e Jean Bricmont na obra ‘’Imposturas Intelectuais’’, na qual afirmam que Lacan teria usado equivocadamente o conceito de número irracional, tendo confundido-o com imaginário na topologia utilizada em sua teoria.(DA SILVA, 2004). A essa crítica matemática, muitos simpatizantes do lacanismo rebatem com a concepção de que ‘’...o desconhecimento de conceitos psicanalíticos faz com que tais críticas não atinjam seu alvo’’. (GLYNOS e STAVRAKAKISS, 2006, p.01).

Por fim, constata-se que a relação de corpo e linguagem proposta pela psicanálise lacaniana é amplamente criticada. Vários autores, como Joel Birman, atentam para o fato de que o destaque dado à linguagem apaga as particularidades do sujeito, prevalecendo um formalismo lógico. Segundo esse autor, por mais que Lacan não tivesse como objetivo excluir o corpo de seu esquema, fica evidente que em determinado momento de sua elaboração o simbólico foi priorizado. Como resposta às críticas relacionadas a essa questão, o psicanalista Jacques Miller elucida que em um primeiro momento o corpóreo e a libido são colocados como imaginários, contudo, no decorrer da teoria lacaniana, tal colocação torna-se insustentável, já que é necessária uma satisfação que vise o indivíduo. Dessa forma, o corpo é gradualmente integrado.

Cronologia biográfica

  • 1901: nascimento de Jacques Lacan no dia 13 de abril, em Paris, França.
  • 1919: começa a estudar medicina.
  • 1920: início do seu interesse pelas vanguardas artísticas e literárias, principalmente o Surrealismo.
  • 1927: entrou na residência do hospital Sainte-Anne, dando início aos seus estudos na clínica das doenças mentais e do encéfalo.
  • 1931: Caso Aimée.
  • 1932: publicação da sua tese de doutorado da faculdade de medicina, ‘’Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade’’.
  • 1933: publicação  do seu artigo sobre o caso das irmãs Papin para a Revista Le Minotaure.
  • 1934: ingresso na Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP)
  • 1936: participa do Congresso da Associação Internacional de Psicanálise (IPA) e discursa sobre o estádio do espelho.
  • 1950: início do projeto de retorno aos textos freudianos
  • 1952: Primeiro seminário oficial, dedicado aos escritos técnicos de Freud
  • 1953: ruptura com a SPP e fundação da Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP) por Lagache e Lacan, com Françoise Dolto e Juliette Favez-Boutonier
  • 1957: conferência na Sorbonne, intitulada “‘’Instância da letra no inconsciente ou a razão depois de Freud”
  • 1964: inauguração da Escola Freudiana de Paris.
  • 1966: lançamento do livro  ‘’Escritos’’.
  • 1968: criação da revista ‘’Scilicet’’.
  • 1980: dissolução da Escola Freudiana de Paris
  • 1981: 9 de setembro Lacan falece devido a um câncer.

Discípulos, seguidores e quem influenciou

Desde sua época como membro da SPP, Jacques Lacan atraia muitos seguidores, alunos que desejavam se desvincular do freudismo acadêmico e movidos por sua originalidade. Um exemplo da grande proporção tomada pela idolatria de seus seguidores, foi o surgimento de uma hagiografia, ou seja, surge em torno de sua figura um dogmatismo ligado não apenas a sua teoria, como também a sua vida. Esse processo se deu como uma consequência do lacanismo ao se reconhecer como escola de pensamento.

De fato, a influência de Lacan possibilitou o desenvolvimento de uma nova corrente da psicanálise, pois apesar de se reconhecer como parte da doutrina de Freud, ela se distingue na reinterpretação dessas ideias e desenvolvimento de novos conceitos. Além disso, é a partir do lacanismo que surgem diversos grupos, tendências e escolas. Mesmo que o destaque se dê na França, onde na década de 1990, surgem cinquenta grupos e escolas ligados ao lacanismo, a corrente teve influência direta na produção psicológica da Argentina e do Brasil.

Ademais, destaca-se o papel de Jacques-Alain Miller como disseminador do lacanismo e seu principal discípulo. Miller, que se casa com Judith Lacan em 1966, foi seu executor testamentário, redator de seus seminários e responsável por iniciar uma corrente neolacaniana no EFP em 1975. O genro de Lacan é também o detentor dos direitos de publicação e transcrição dos seminários do psicanalista, tornando-se em 1974 responsável pelo ensino do “Campo Freudiano” na Universidade de Paris-VII, no departamento de psicanálise.

Por fim, além dos inúmeros filósofos que leram e comentaram a obra lacaniana, destaca-se entre eles Michel Foucault (1926 – 1984) e Gilles Deleuze (1925 – 1995). Apesar da relação controversa que Foucault mantinha com a psicanálise, estabeleceu com Lacan um objetivo de pesquisa em comum. Foi no trabalho do psicanalista que ele se inspirou para a compreensão da relação entre o sujeito e o saber, relação que ambos consideravam não natural. Assim, além da busca pelo sujeito do conhecimento, foi influenciado por Lacan que o filósofo iniciou seus estudos sobre o inconsciente.

Enquanto para Deleuze, seu pensamento se articula com o de Lacan ao apontar a relação entre linguagem, corpo e o acontecimento. A concepção do filósofo de corpo sem órgãos se relaciona diretamente com o “corpo saco” lacaniano, no qual a linguagem constitui o corpo, sendo através disso que ambos se opõem à instrumentalização do corpo. Além disso, a clínica de Lacan contribui para o desenvolvimento do conceito de Évènement de Deleuze.

Obras e Seminários

1926

“Fixidez do olhar por hipertonia predominante no sentido vertical, com conservação dos movimentos automático-reflexivos; aspecto especial da síndrome de Parinaud por hipertonia associada a uma síndrome extrapiramidal com perturbações pseudobulbäres” (“Fixité du regard par hypertonie predominant dans le sens vertical, avec conservation des mouvements automatico-réflexes; aspect spécial du syndrome de Parinaud par hipertonie associé a un syndrome extra-pyramidal avec troubles pseudo-bourbaires”.) Sessão da Sociedade de Neurologia de 4 de novembro de 1926. Revue Neurologique. 1926, II. Lacan, M.M. Alajouanine e Delafontaine.

1928

“Abasia numa traumatizada de guerra” (“Abasie chez une traumatisée de guerre”) - Soc. Neur. Paris, 2-X1-1928 - Rev. Neurol, 1928, 1; Lacan e Trénel.

1929

“Síndrome comício — parkinsoniana encefalitica” ( “Syndrome comitio — parkinsonien encéphalitique”) Soc. Clin. Medment, 17-VI-1929, Rev. Neurol, 1929, II. Lacan, L. Marchand e A. Courtois

1930

“Psicose alucinatória encefalítica” (“Psychose hallucinatoire encéphalitique”) Soc. Clin. méd. ment., 17-XI-1930, An. méd. psychol, 1930,1. Lacan e A. Courtois

1931

“Estruturas das psicoses paranóicas”. (“Structures des psychoses paranoiaque”). Semaine des Hôpitaux de Paris.

“Loucuras simultâneas” (“Folies simultanées”) - Soc. méd. psychol. 21-V- -1931, resumido por Couboum em L ’Encéphale, 1931, 7. Lacan, H. Claude e P. Migault.

1932

Tradução de Freud, S. “Sobre alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranoia e na homossexualidade” (“De quelques mécanismes néurotiques dans la jalousie, la paranoia et l’homosexualité”), 1922, Rev. Franç. psychanal, 1932, 3.

“Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade” (“De la psychose paranoiaque dans ses rapports avec la personnalité”) - Tese para, o doutorado em medicina na Faculdade de Medicina de Paris Le François.

1933

“Hiato irracional” (“Hiatus irrationalis”). Le Phare de Neullty.

1936

XIV Congresso Psicanalítico Internacional em Marienbad, “O estágio do espelho” (“Le stade du miroir, theorie de un moment structurant et génetique de la constitution de la réalité conçu en relation avec l ’expérience et la doctrine psychanalytique”)

“Além do princípio da realidade” (“Au-delà du principe de réalité”) redigido em Mariembad e Noirmoutier, agosto-outubro. Evolut. Psychiat., 3.

1938

“A família: o complexo, fator concreto de patologia familiar. Os complexos familiares em patologia” (“La famille: le complexe, facteur concret de la pathologie familiale. Les complexes familiales en pathologie” - Encyclopédie Française) 1938 - Larousse, Paris, t. 8, sobre “A vida mental”, dirigida por Wallon.

1945

“O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada. Um novo sofisma” (“Le temps logique et l ’assertion de certitude antecipée. Un nouveau sophisme”) - Cahiers d ’art, 1940-1944.

1946

“O número treze e a forma lógica da suspeita” (“Le nombre treize et la forme logique de la souspicion”) - Cahiers d ’art, 1945-1946.

1947

“A psiquiatria inglesa e a guerra” (“La psychiatrie ang laise et la guerre”) - Evol. Psychiat., 1947,1.

1948

“A agressividade na psicanálise” (“L ’agressivité en psychanalyse”) - Informe apresentado ao XI Congresso de Psicanálise de Língua Francesa em Bruxelas, maio de 1948. Rev. Franç. Psychanal. 1948, 3

1949

“O estádio do espelho como formador da função do Eu, tal como nos é revelada na experiência psicanalítica” (“Le stade du miroir comme formateur de la fonction du Je, telle qu’ elle nous est révéllée dans Vexperience psychanalitique”) - comunicação feita ao XIV Congresso Internacional de Psicanálise de Zurique, 17-VIII-1949, Rev. Franç. Psychanal, 1949, 4

1950

“Introdução teórica das funções da psicanálise na criminologia” (“Introduction théorique aux fonctions de la psychanalyse en criminologie”) - Comunicação para a XII Conferência de Psicanalistas de Língua Francesa, 29-V-1950. Rev. Franç. Psychanal., 1951, I. Lacan e M. Cénac

“Algumas reflexões sobre o eu” (“Some reflections on the Ego”) - Comunicação à British-Psycho-Analytical Society em 2-V-1951. Int. J. Psycho-Anal., 1953, XXXIV

1951 - 1952

Seminário sobre o “Homem dos ratos”.

1952

Seminário sobre o “Homem dos lobos” e o caso “Dora”

1953

“Proposta de estatutos para o Instituto de Psicanálise” (“Statutes proposés pour l ’institut de Psychanalyse”) - Apresentado na assembleia da Sociedade, janeiro de 1953. La scission de 1953

O Seminário, livro 1, Os escritos técnicos de Freud, 1979

1954

Seminário II - “O eu na teoria de Freud e na técnica psicanalítica”

1955

Resumo da Intervenção de Lacan da exposição de J. Hyppolite, “Fenomenologia de Hegel e psicanálise” (“Phénonénologie de Hegel et psychanalyse”) - Soc. Franç. Psychanal., 11-1-1955.

“A coisa freudiana ou o sentido do retomo a Freud na psicanálise” (“La chose freudienne ou sens du retour a Freud en psychanalyse”) - Ampliação de uma conferência pronunciada na clínica neuropsiquiátrica de Viena em 7-XI-1955. Evolut. Psychiat., 1956,1.

Seminário III - “As psicoses”

1956

Seminário IV - “A relação de objeto e as estruturas freudianas”

“Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956” (“Situation de la psychanalyse et formation du psychanalyste en 1956”)

1958

“A direção do tratamento e seus princípios de poder”

1957

“A psicanálise e seu ensinamento” (“La psychanalyse et son enseignement”) - Comunicação apresentada na Soc. Franç. Philos., 23-11-1957. Bull Soc. Franç. Philos., 1957, 2.

Seminário V - “As formações do inconsciente”

1958

“A psicanálise verdadeira e a falsa”. (“La psychanalyse vraie et la fausse”) - Junho de 1958. Freudiana, n. 4/5.

Seminário VI - “O desejo e sua interpretação”

1959

“Em memória de Ernest Jones: sobre sua teoria do simbolismo” (“A la mémoire d ’Ernest Jones: sur sa théorie du symbolisme”) - La Psychanalyse, 5

Seminário VII - “A ética da psicanálise”.

1960

Seminário VIII - “A transferência”

1961

Seminário IX - “A identificação”.

1962

“Aquilo que eu ensino” (“De ce que j’enseigne”) - Conferência na Evolution Psiquiatrique, em 23-1-1962.

Seminário X - “A angústia”.

1963

Seminário XI- “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”

1964

Seminário XII - “Problemas cruciais da psicanálise”.

Seminário XIV, “A lógica da fantasia”

1965

Seminário XIII - “O objeto da psicanálise”.

1966

“Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola” (“Proposition du 9-X-1967 sur le psychanalyste de l ’Ecole”) - Scilicet, 1968, 1.

Escritos, Paris: Seuil, 1966. Compilação de artigos já publicados, incluindo notas e trabalhos daquele ano: “Abertura desta compilação” (“Ouverture de ce recueil”);  “Parênteses dos parênteses” (“Parenthèse des parenthèses”);

“Sartre contra Lacan”. Entrevista com Gilles Lapouge, em 29-XII-1966. Le Figaro Littéraire

Seminário XIV - “A lógica do fantasma”.

1967

“O desprezo do sujeito suposto saber” (“La méprise du sujet supposé savoir”) - Comunicação de 14-XII-1967, no Instituto Francês de Nápoles. Scilicet, 1968,1.

Seminário XV - “O ato analítico”.

1968

“Introdução de Scilicet como revista da Escola Freudiana de Paris” (“Introduction de Scilicet au titre de la revue de l’École Freudienne de Paris”) - Scilicet, 1968,1

Seminário XVI - “De um outro ao Outro”.

1969

“A psicanálise no seu tempo”. (“La psychanalyse en ce temps”) - Texto introdutório à conferência na Loja do Grande Oriente de França, organizada pela R.L. “Action” em 25-IV-1969. Bulletin de l' Association Freudienne n. 4/5, Paris, 1983.

Seminário XVII, “O avesso da psicanálise”

1970

"Limiar" (“Liminaire”), Scilicet, 1970, 2-3.

Seminário XVIII - “De um discurso que não seria do semblante”.

1971

“Lituraterre” (“Littérature”) 1971, n. 3, sobre Literatura e Psicanálise.

Seminário XIX - “ ... ou pior”.

1972

“O atordoado” (“L’étourdit”) - Datado em Beloil em 14-VI-1972. Scilicet, 4.

Seminário XX, “Mais, ainda”

1973

Seminário XXI - “Os não incautos erram” (“Les non-dupes errent”).

1974

“A terceira” (“La troisième”) - Alocução em l-XI-1974. Lettres de l'E.F.P., 15.

Seminário XXII - “R-S-I”.

1975

Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade, seguido de Primeiros escritos sobre a paranoia” (“De la psychose paranoiaque dans ses rapports avec la personalité, suivi de Premiers écrits sur la paranoia”). Le Seuil, coll. Le champ freudien.

Seminário XXIII, “O Sintoma”

1976

Seminário XXIV - “L’insu que sait de l’une-bevue s’allie a mourre”.

1977

“Resposta de Jacques Lacan sobre os nós e o inconsciente”. Lettres de l ’E.F.P., 1977, 21.

Seminário XXV - “Momento de concluir”.

1978

Seminário XXVI - “A topologia e o tempo”.

1980

“Um Outro falta” - 15-1-1980. Annuaire de l’Ecole de la Cause Freudienne, Paris, 1982.

Relação com outros personagens e teorias

Baruch Espinosa

A partir das leituras da Ética de Espinosa, Lacan irá propor para a personalidade uma totalidade entre corpo, alma e o social, como justificativa para sua nova proposta metodológica. Dentre os temas do filósofo, Lacan teve maior interesse pelo da mente e da razão, concluindo que mente e corpo não se distinguem, e fazem parte da alma que se relaciona com outras almas. A filosofia de Espinosa, para ele, era a única doutrina suscetível de justificar uma ciência da personalidade. A noção espinosana servia-lhe para combater uma outra concepção do paralelismo imposta na França sobre a inteligência, ao longo da grande saga da hereditariedade-degenerescência. Espinosa propunha a ideia de que só há realmente paralelismo se houver, não correspondência entre corpos e processos somáticos, mas união entre o mental e o físico, numa relação de tradução.

Salvador Dalí e o surrealismo

Outra de suas referências intelectuais foi Salvador Dalí, do qual foi amigo até seus últimos anos de vida. Para Lacan, o mundo mental dos humanos se constrói segundo um conhecimento paranóico, o qual, para Dali, resultava no mecanismo paranóico como a força e o poder ativo que dá sustentação à personalidade. O artigo “O asno podre’’ de Dalí, no qual este aborda sua concepção de paranoia, foi uma das inspirações para que Lacan efetuasse sua própria síntese sobre a paranoia em sua tese de 1932, “Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade”.

No entanto, Lacan também teve contato com vários outros surrealistas, como é citado nos Escritos, sendo eles: Bréton, Crevel, Leiris, Queneau e  Prévert, aproximando-se de suas ideias sobre sonhos, loucura e inconsciente.

A princípio, foram registradas duas citações sobre o surrealismo por Lacan, uma delas quando mencionou a “psicastenia lendária” de Roger Caillois, que eleva o mimetismo morfológico. Em resumo, ao invés do mimetismo ser uma defesa adaptativa do indivíduo, ele é uma forma do indivíduo transformar-se no próprio ambiente, se relacionando assim, com o conceito do eu com a realidade Lacaniano, que a insatisfação surrealista – também citada por ele – denuncia no processo de maturação do sujeito. Sua proposta era a elaboração da linguagem, a caracterizando como uma base ao caminho teórico linguístico, expondo a relação de afastamento e de aproximação, além da importância para a sua lógica psicanalítica.

Sigmund Freud

Lacan foi o principal responsável pelo retorno da psicanálise pelas fontes deixadas por Freud após o Congresso de Roma, realizando a reformulação de suas ideias, ao apontar a influência no ambiente contemporâneo da psicanálise, e pela não aceitação da deturpação do legado freudiano, redescobrindo a “verdadeira psicanálise”. Lacan teoriza sobre as questões epistemológicas de sua teoria sobre o inconsciente, que se revela como indissociável da linguagem e que tem uma sintaxe verbológica, que também é estruturada pela linguagem (elemento fundamental que constitui e organiza os sujeitos) sobre o analista, que deve direcionar o tratamento, o desejo (que dá a oportunidade ao analisado de reconhecê-lo e dá-lo um sentido e destino) e por último, a ideia sobre a sobredeterminação psíquica (hipótese de que os efeitos sempre têm causas) que é mostrada em atuação pela análise.

Gaetan Gatian de Clérambault

Antecessor e único mestre de Lacan em psiquiatria, Clérambault, com seu automatismo mental e sua ideologia mecanicista de metáfora, apresenta a construção de uma análise estrutural bem elaborada com relação à clínica psiquiátrica francesa, que, dessa forma, influenciou Lacan a seguir a teoria Freudiana, propondo uma metodologia específica e diferente de seu mestre, baseada na metodologia monista de Espinosa com a missão de analisar a personalidade, compreender as afecções e fixar o descentramento do eu em detrimento do domínio da alma.

Clérambault introduz duas características que marcam a psicose: a síndrome do automatismo mental (caracterizada por distúrbios psíquicos e sensoriais que se impõem à mente de modo abrupto e automático) e o postulado passional (introduz uma concepção lógica de erotomania, rompendo com a terminologia psicológica da crença psicótica).

Melanie Klein

Lacan foi um dos promotores dos ideais kleinianos na França, com o caso do pequeno Dick, chamava Klein de “Tripeira genial”, embora ela nunca o tenha mencionado. Para ele, a análise de crianças levou Melanie a uma teorização empirista, sendo sua formalização baseada na atribuição de um valor absoluto de verdade à vivência concreta, e na interpretação exaustiva da transferência como objetivo da análise.

Diferindo na maneira de entender a clínica, Lacan e Klein, que são sempre correlacionados conjuntamente com Freud, tiveram perspectivas, elaborações e conclusões próprias a respeito do inconsciente freudiano, porém, pelo fato dela não ter se dedicado a ação e ao campo da palavra, não há uma reflexão acerca da eficácia da linguagem, o que para Lacan, era questão fundamental na definição da clínica analítica.

Jean-Paul Sartre e o existencialismo

Lacan e Sartre se encontraram pela primeira vez na primavera de 1944, no apartamento de Michel Leiris, para uma leitura pública de uma peça de Picasso e se tornaram amigos pessoais.

Pela recusa de Sartre à psicanálise "empírica" de Freud em detrimento de uma psicanálise existencial, Lacan tinha opiniões e críticas sobre o existencialismo de Sartre, pois tentava integrar uma filosofia não subjetiva do sujeito, ou, como ele dizia, uma “indeterminação existencial do ‘je’ ". Para ele, somente o pertencimento funda a relação do sujeito com os seus semelhantes e também somente a virtude lógica leva o homem à verdade, pela aceitação do outro através do processo de reconhecimento e do desconhecimento. Dizia também que a corrente filosófica adotada por Sartre encontrava-se em impasses subjetivos, sendo uma versão atualizada do cartesianismo, como um racionalismo trágico.

Henri Wallon e o estádio do espelho

A noção de “estádio do espelho’’ apresentada por Lacan tem sua origem em Henri Wallon, que já havia formulado a ideia de “prova do espelho”.  Porém, como para Wallon a “prova do espelho” é um momento de dialética natural vinda de uma concepção genética do desenvolvimento do psiquismo, esse estádio demonstra o crítico e revelador no sujeito, da travessia da constituição do outro como outro e, por conseguinte, da diferenciação entre o eu e o outro. Já na concepção lacaniana, na matriz do ideal da estrutura do eu, o eu seria um “outro”.

Jacques-Alain Miller

Jacques-Alain Miller casou-se com Judith Lacan (filha de Lacan) e tornou-se o herdeiro dos direitos de transcrição e de publicação dos seminários de Lacan após a sua morte. Em 1974, ele passa a Miller a coordenação do “Campo Freudiano” no departamento de psicanálise, na Universidade de Paris VIII.

Tratando-se da interpretação milleriana da obra de Lacan, Miller foi o único a ir mais a fundo na representação "estruturalista" lacaniana, e a considerava de fato lacaniana, e não mais freudiana. Os conceitos deixados por Lacan, eram a partir desse momento classificados, rotulados, ordenados e livres de sua multiplicidade de significação. Através da teorização de Miller que foi possível a disseminação da obra de Lacan como uma obra coerente e rigorosa.

Fenomenologia

A fenomenologia foi um caminho interessante para se debater frente ao racionalismo científico instaurado da época, e Lacan descobriu a fenomenologia hegeliana por meio dos artigos de Koyré, além de outras fontes, sendo possível notar tal influência no artigo dedicado às irmãs Papin. Para Lacan, a fenomenologia, no caso da psicanálise, mostra que o fenômeno já está estruturado pelas relações que constituem o registro simbólico, e inclui o sujeito no fenômeno, mas não unificado, nem objetivo, ele é dividido e determinado pela linguagem.

Ver também

Associação Internacional de Psicanálise (IPA)

Associação Mundial de Psicanálise (AMP)

Escola da Causa Freudiana (ECF)

Escola Freudiana de Paris (EFP)

Estruturalismo

Fenomenologia

Françoise Dolto

Henri Wallon

Jacques Alain-Miller

Jean-Paul Sartre

Melanie Klein

Sigmund Freud

Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP)

Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP)

Referências

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GLYNOS, Jason; STAVRAKAKIS, Yannis. Posturas e imposturas: o estilo de Lacan e sua utilização da matemática. Ágora, Rio de Janeiro, v. 4, n.2, p.111-130, dez.2001.

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JORGE, Marco Antonio Coutinho; FERREIRA; Nadiá Paulo. Lacan, o grande freudiano. Rio de Janeiro: Zahar, 2005

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NAPOLI, Lucas. As diferenças entre o pequeno outro e o grande outro em Lacan. Dr. Lucas Napoli, 2022. Disponível em: https://lucasnapoli.com/2022/01/04/as-diferencas-entre-o-pequeno-outro-e-o-grande-outro-em-lacan/. Acesso em: 29 jun. 2022.

NAPOLI, Lucas. Os 3 tempos do Édipo em Lacan. Dr. Lucas Napoli, 2021. Disponível em: https://lucasnapoli.com/2021/05/07/os-3-tempos-do-edipo-em-lacan/. Acesso em: 29 jun. 2022.

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