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Edição das 20h20min de 11 de maio de 2021
Wilhelm Dilthey foi um filósofo alemão que viveu entre 1833-1911. Dilthey é mais conhecido pelo modo como distinguiu as ciências naturais das humanas. Definiu as ciências humanas de modo amplo, para incluir ambas humanidades e ciências sociais. Visto que a tarefa principal das ciências naturais, tal qual definido por Dilthey, era chegar em explicações causais baseadas em leis, propôs o fornecimento de uma compreensão das estruturas organizacionais e das forças dinâmicas da vida humana e histórica, como tarefa central das ciências humanas Será mostrado que essa distinção não é tão nítida a ponto de descartar explicações causais em ciências humanas particulares, como a psicologia, a teoria política e a economia; delimita, em sua maioria, o escopo das explicações nesses campos. O objetivo de Dilthey era expandir a Crítica da Razão Pura de Kant, orientada principalmente para a natureza, em uma Crítica da Razão Histórica que pudesse, também, fazer jus às dimensões sociais e culturais da experiência humana. Compreender o significado dos eventos históricos humanos requer ser capaz de organizá-los em seus contextos adequados e articular as uniformidades estruturais que podem ser encontradas dessa forma. As reflexões de Dilthey acerca das ciências humanas, da contextualização histórica, e da hermenêutica influenciaram muitos pensadores subseqüentes tais como Husserl, Heidegger, Cassirer, Gadamer e Ricoeur. Recentemente, tem-se dado certa atenção às maneiras pelas quais a abordagem empírica de Dilthey quanto a experiência influenciou Carnap em suas primeiras tentativas de superar a metafísica em favor de métodos mais analíticos.
Vida e pensamento de Dilthey
Breve Visão Geral do Desenvolvimento Filosófico de Dilthey
Wilhelm Dilthey nasceu em Biebrich, no Reno, em 1833, dois anos após a morte de Hegel. A atitude ambivalente de Dilthey em relação a Hegel pode fornecer algumas pistas iniciais sobre sua própria abordagem filosófica. Dilthey admirava o reconhecimento de Hegel da dimensão histórica do pensamento filosófico, mas rejeitava o modo especulativo e metafísico com o qual Hegel desenvolveu essa relação. Assim como os neo-Kantianos, Dilthey propôs o retorno ao ponto de vista mais focalizado de Kant, mas não sem também levar em conta as maiores aspirações emancipatórias e as perspectivas mais ampla de pensadores posteriores como Fichte, Herder, e Hegel.
Dilthey caracterizou sua própria visão abrangente da filosofia como aquela que estabelece relações integrais com todas as disciplinas teóricas e práticas históricas que tentam dar sentido ao mundo. Ao invés de demarcar as fronteiras que separam a filosofia de outros modos de engajamento na vida, Dilthey concebe sua tarefa crítica como a articulação das estruturas gerais que definem o espírito humano, em geral. Relativamente cedo em sua carreira, a filosofia é definida como “uma ciência experiencial dos fenômenos espirituais” que busca“conhecer as leis regendo os fenômenos sociais, intelectuais e morais ” (1867/GS.V, 27). A filosofia deve ter como objetivo preservar o escopo que idealistas tais quais Fichte, Schelling e Hegel lhe deram, mas deve fazê-lo recuperando o rigor Kantiano que se perdera e procedendo empiricamente.
Esses objetivos, conforme formulados na aula inaugural dada por Dilthey em 1867, ao assumir sua primeira cátedra em Basel, já estavam prefigurados em seus primeiros diários. Assim, em 1859, Dilthey escreveu que uma nova Crítica da Razão deve proceder com base nas leis e impulsos psicológicos dos quais a arte, a religião e a ciência derivam. Todos os sistemas intelectuais são meras cristalizações de esquemas mais genéricos enraizados na vida (JD, 80).
Em seus primórdios, Dilthey concebeu como seu objetivo, uma ampliação do projeto crítico que fundamentaria as ciências humanas tal como Kant havia fundamentado as ciências naturais. Sua esperança, então, era que as ciências humanas pudessem chegar a explicações legítimas, assim como as ciências naturais. Até, pelo menos 1887, quando publicou sua Poética, Dilthey estava confiante de que as explicações internas da criatividade humana pudessem ser obtidas. Formulou, ele mesmo, três leis da metamorfose imaginativa, para explicar o efeito edificante que os poetas podem ter sobre nós. Dilthey as resume como as leis de exclusão, intensificação e completude. Mesmo na experiência ordinária, as imagens são transformadas pela exclusão do que já não é mais interessante, e pela intensificação do que permanece como tal, baseado em nossos interesses atuais. Mas o que distingue as imagens poéticas, é que elas também são completadas pelas preocupações gerais da vida de uma psique poderosa.
Por meio de seus esforços para desenvolver um tipo de psicologia gestaltista que pudesse enquadrar essa terceira lei da completude imaginativa, Dilthey veio a modificar algumas de suas suposições básicas. Ele percebeu que o nexo psíquico geral de um indivíduo não era uma estrutura contextual suficiente para explicar a experiência humana. Nossa experiência só pode ser compreendida por sua descrição enquanto continuum que é gradualmente adquirido ao longo do tempo. O que chama “o nexo psíquico adquirido” está por si só historicamente inserido em um mundo social. Isso significa que nosso acesso à história é muito mais direto do que nosso acesso à natureza. Sentimo-nos como parte da história, ao passo que a natureza se distancia cada vez mais de nós. Embora Dilthey esteja ainda disposto a aceitar que os objetos da experiência externa são fenomenais, ele não mais aceita a tese Kantiana de que os conteúdos da experiência interna também são fenomenais. A experiência interna é re-concebida como experiência vivida (Erlebnis) que é real e, o tempo que nos relaciona com a história não é meramente o modelo ideal que Kant expôs para a natureza.
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Esta segunda fase do pensamento de Dilthey é caracterizada por uma ênfase na realidade da experiência vivida e na compreensão imediata da vida humana que essa experiência torna possível. É em“Idéias para uma psicologia descritiva e analítica” de 1894, que Dilthey elabora sua distinção entre explicação e compreensão. “Explicamos com os processos puramente intelectuais, mas compreendemos por meio da cooperação de todos os poderes da mente ativados pela apreensão” (1894/SW.II, 147). As ciências humanas serão doravante concebidas como preocupadas primeiramente com a compreensão do significado da ação e interação humana. Também central para esta segunda fase do pensamento de Dilthey é o ensaio “A Origem de Nossa Crença na Realidade do Mundo Externo e Sua Justificação” de 1890. Nosso acesso inicial ao mundo externo não é inferencial, mas é sentido como a resistência à vontade. O mundo da experiência vivida não é meramente uma representação teórica, mas está diretamente presente para nós como valores incorporados que são relevantes aos nossos propósitos. A ênfase no sentimento e no imediatismo nesta segunda fase equivale a uma rejeição da abordagem dialética de Hegel.
Se a primeira fase foi caracterizada pela busca de explicações internas e a segunda fase pela compreensão direta, a terceira fase pode ser caracterizada pela necessidade de interpretação. Pode-se dizer que essa fase final abrange a última década da vida de Dilthey, até sua morte em 1911. Ela começa com a compreensão, no ensaio, “ A Ascensão da Hermenêutica” de 1900, de que a inteligibilidade interna da experiência vivida ainda não constitui compreensão plena. A autocompreensão também deve ser mediada de fora. A maneira como nos expressamos, seja na comunicação ou na ação, é um intermediário crucial na definição de nós mesmos. A compreensão só pode ser confiável se proceder por meio da interpretação das objetivações humanas. Assim, entendemos a nós mesmos apropriadamente, não por meio da introspecção, mas por meio da contextualização histórica. É nessa última fase de seu pensamento que Dilthey, que agora ocupava a cátedra outrora ocupada por Hegel em Berlim, revive a teoria do espírito objetivo como o meio que nos relaciona com o passado de seu predecessor. Em 1906, Dilthey publicou uma obra seminal a respeito do jovem Hegel - A História da Juventude de Hegel- que fez uso de fragmentos teológicos e políticos recentemente descobertos. Esses fragmentos iniciais desconhecidos revelaram a genialidade histórica de Hegel antes que fosse restringida pela sistematização dialética à qual Dilthey sempre discordou. O aluno de Dilthey, Herman Nohl, foi útil na decifração de alguns desses fragmentos e continuou a publicá-los. Nohl também editou um volume de escritos de Dilthey sobre a história do Idealismo Alemão, remontando a Kant, Beck e a Fichte e levando a contemporâneos de Hegel como Schelling, Schleiermacher, Schopenhauer e Fries.
O Contexto Religioso da Filosofia de Dilthey
Dilthey seguiu a tradição familiar, iniciando seus estudos universitários em teologia, em Heidelberg. Lá, ele também foi apresentado aos sistemas filosóficos dos idealistas por Kuno Fischer. Como Fischer foi acusado de ser panteísta, seu direito de ensinar foi retirado em 1853. Dilthey então mudou-se para a Universidade de Berlim, onde foi influenciado por dois alunos de Friedrich Schleiermacher, Friedrich von Trendelenburg e August Boeckh. Cada vez mais, Schleiermacher se tornou o foco dos interesses de Dilthey. Em 1859, ele foi convidado a concluir a edição das cartas de Schleiermacher. Naquele ano, a Schleiermacher Society também organizou um concurso de redação. A submissão de Dilthey intitulada “Sistema Hermenêutico de Schleiermacher em Relação à Hermenêutica Protestante Inicial" (1860, SW.IV, 33-227), recebeu o primeiro prêmio e levou a uma segunda incumbência, isto é, escrever a biografia de Schleiermacher. O primeiro volume desta biografia foi publicado em 1870. Ela situa Schleiermacher não apenas em seu cenário teológico, mas também no contexto dos movimentos literários e filosóficos que surgiram em Berlim de 1796 a 1807. A obra indica os interesses de expansão do próprio Dilthey, em questões estéticas e filosóficas. Ele também escreveu sua dissertação sobre a ética de Schleiermacher.
"Como estudante de teologia, Dilthey havia começado um estudo de muitas das primeiras formulações da cosmovisão cristã, que embora nunca tenha sido concluída, continuou a influenciar seus escritos subsequentes. Em 1860, Dilthey escreveu que "é minha vocação apreender a natureza mais íntima da vida religiosa na história e trazê-la à atenção de nossos tempos, movidos exclusivamente por questões de Estado e de ciência." (JD, 140)
Isso significa buscar a religiosidade não tanto em suas práticas institucionais e em suas doutrinas teológicas, mas nos recessos da experiência humana. Na mesma linha, afirma que é necessário recuperar a “cosmovisão religiosa-filosófica que está sepultada sob as ruínas de nossa teologia e filosofia” (JD, 140).
Dilthey concebe a experiência religiosa como uma extensão do sentimento de dependência absoluta de Schleiermacher. É uma experiência total, que entrelaça um sentimento de dependência com a consciência de uma capacidade de elevarmo-nos. A experiência religiosa é considerada um pano de fundo duradouro e um acompanhamento da vida intelectual humana. A religião se manifestou em muitas formas, como representações míticas, idéias místicas de revelação e redenção humana, doutrinas teológicas e teorias metafísicas. Por causa de sua ênfase em eventos meteorológicos (1883 / SW I, 450), Dilthey via o mito como uma teoria científica primitiva que comprometia a religiosidade genuína dos sentimentos místicos.
Posteriormente ao refletir sobre a natureza das cosmovisões, Dilthey ocasionalmente retornaria ao problema da religião. O que distingue a cosmovisão religiosa das cosmovisões artísticas e filosóficas é que ela relaciona o visível com o que é invisível, a vida com a nossa consciência da morte. Em uma notável passagem tardia, Dilthey escreve que quando a vida é vivida religiosamente e "de acordo com sua verdadeira natureza -cheia de dificuldades e uma mistura singular de sofrimento e felicidade do início ao fim - <estamos> apontados para algo estranho e desconhecido, como se viesse de fontes invisíveis, algo <pressionando> a vida exterior, mas vindo de suas próprias profundezas." (ca. 1910/SW.III, 285)
A mesma perspectiva não transcendente sobre a religião pode ser encontrada no último ensaio de Dilthey, escrito durante os últimos dias de sua vida em 1911, enquanto ele estava de férias nas Dolomitas. Este ensaio sobre “O problema da religião” aponta para o fato de que o Iluminismo tornou cada vez mais difícil reconhecer os aspectos místicos da experiência religiosa. Os pensadores iluministas consideravam a experiência mística irracional. Mas de acordo com Dilthey, Schleiermacher foi capaz de evitar essa acusação de irracionalismo ao relacionar aspectos essenciais da experiência religiosa às intuições da filosofia transcendental. Ao invés de interpretar o sentimento místico da comunhão como uma união esotérica com um Deus transcendente, Schleiermacher o explica como uma consciência geral que está sintonizada com a coerência invisível das coisas aqui embaixo (1911/SW.VI, 304-05). Ele faz uma leitura transcendental do que é intuído e sentido no espírito religioso, transformando -o em um princípio de vida criativo. Enquanto o misticismo tradicional tendia a desvalorizar nossa vida neste mundo, o misticismo de Schleiermacher é visto como uma afirmação dele.
Principais Obras Filosóficas de Dilthey
Década de 1880: Ampliando a Estrutura Crítica
O primeiro grande trabalho teórico de Dilthey é a Introdução às Ciências Humanas de 1883. As ciências humanas (Geisteswissenschaften) abrangem as humanidades e ciências sociais. Elas variam de disciplinas como filologia, estudos literários e culturais, religião e psicologia, até, a ciência política e economia. Dilthey insiste que as ciências humanas estejam relacionadas, não por algum constructo lógico da ordem de August Comte ou J.S. Mill, mas por meio das considerações reflexivas que levam em conta sua gênese histórica. Dilthey escreve que "as ciências humanas conforme existem e conforme são praticadas de acordo com a razão das coisas que estavam ativas em sua história… contém três classes de afirmações." (1883 / SW.I, 78)
Estas são 1) declarações descritivas e históricas, 2) generalizações teóricas sobre conteúdos parciais e 3) julgamentos avaliativos e regras práticas. As ciências humanas são mais obviamente normativas por natureza do que as ciências naturais, para as quais bastam as normas formais relacionadas à investigação objetiva. O fato de as ciências humanas serem forçadas a confrontar questões normativas substantivas coloca um limite sobre o tipo de regularidades teóricas que podem ser estabelecidas nas ciências humanas. Dado o papel central que os seres humanos desempenham no mundo sócio-histórico, a compreensão da individualidade é tão importante nas ciências humanas quanto as explicações a serem encontradas por meio de generalizações. Porém, a ciência humana da psicologia, que lida com os seres humanos individuais, não pode examiná-los separadamente das interações com sociedade. “Homem como um fato anterior à história e da sociedade é uma ficção” (1883/SW.I, 83). Isso significa que a psicologia pode ser uma ciência humana fundamental apenas se for concebida como sendo basicamente descritiva. Explicações psicológicas ainda podem ser possíveis, mas apenas partindo de uma base não hipotética que descreva como nossa experiência assimila características sociais e culturais. Muitos traços humanos do caráter não são puramente psicológicos. Portanto, quando falamos de uma pessoa como frugal, estamos combinando características econômicas e psicológicas.
Os seres humanos individuais são importantes para a compreensão da história, mas ao invés de torná-los os blocos de construção monádicos da história, eles devem ser considerados pontos de intersecção de muitas forças. Somente uma aproximação multidisciplinar da história humana pode fazê-la justiça. Enquanto seres vivos conscientes, os indivíduos são portadores da história, mas também são produtos da história. Os indivíduos não são átomos autossuficientes. Mas também não devem ser considerados como englobados por comunidades abrangentes, como nações ou povos. Os conceitos que postulam a alma de um povo “não são mais utilizáveis na história do que o conceito de força vital na fisiologia” (1883 / SW.I, 92). A suspeita daqueles que postulam entidades auto-suficientes como nações e povos levou Dilthey a se distanciar do nacionalismo de seu contemporâneo Heinrich von Treitschke e, a se aliar a um reformismo político que lembra Kant e Wilhelm von Humboldt.
Dilthey concebe a maioria das ciências humanas como uma análise de interações humanas em um nível que pode mediar entre iniciativa individual e a tradição comunitária. Essas ciências tratam do que ele chama de “sistemas culturais” e “organizações externas da sociedade”. Os sistemas culturais são associações às quais os indivíduos aderem voluntariamente para determinados fins que só podem alcançar por meio da cooperação. Esses sistemas são culturais no sentido mais amplo possível e incluem todos os aspectos de nossa vida social. Eles podem ser de natureza política, econômica, artística, científica ou religiosa e não são normalmente limitados por interesses nacionais ou outros abrangentes. As organizações externas da sociedade, em contraste, são aquelas estruturas institucionais mais controladoras, como a família e o Estado em que nascemos. Aqui, “causas duradouras unem as vontades de muitos em um único todo” (1883 / SW.I, 94) dentro do qual relações de poder, dependência e propriedade podem ser estabelecidas. É importante fazer referência-cruzada entre sistemas culturais e organizações institucionais Os pensadores iluministas se concentraram em sistemas culturais, como academias científicas e seu alcance universal potencial, enquanto negligenciaram o modo como a maioria das instituições educacionais é controlada pelas autoridades locais. Embora Dilthey tenha recebido seu treinamento de membros da escola histórica, reconheceu que muitos deles foram igualmente unilaterais, ao enfatizar as organizações institucionais distintas que separam diferentes povos enquanto ignoravam o papel das generalizações possibilitadas pela análise dos sistemas culturais.
Dilthey pretende combinar essas duas abordagens para liberalizar a perspectiva historicista e dar-lhe um rigor metodológico. Para compreender o papel da lei na vida histórica, nós devemos considerá-la tanto como um sistema cultural, que enquadra as questões jurídicas em termos universais, quanto como uma organização externa da sociedade, que as examina em termos das leis positivas de instituições particulares. A Escola Histórica estava errada ao considerar indivíduos como completamente subordinados aos laços da família e Estado e pensar que as leis positivas das instituições definem a plena realidade da vida. A autoridade do Estado “abrange somente uma determinada parcela… do poder coletivo da população” e mesmo quando o poder do Estado exerce certa preponderância, pode fazê-lo apenas “por meio da cooperação de impulsos psicológicos” (1883/SW.I, 132).
No prefácio de Introdução às Ciências Humanas, Dilthey refere-se a seu projeto como uma Crítica da Razão Histórica. Podemos agora observar que esta é, antes de tudo, uma crítica à tese metafísica de que pode haver uma abrangente “estrutura explicativa universal para todos os fatos históricos” (1883 / SW.I, 141). Se as explicações universais devem ser possíveis tanto para a história quanto para a natureza, então devemos reconhecer que elas só são possíveis para correlacionar conteúdos parciais da realidade. A razão das ciências naturais terem sido tão bem sucedidas em descobrir as leis causais da natureza é que se abstraem do escopo total do mundo externo.
As condições buscadas pela explicação mecanicista da natureza explicam apenas parte dos conteúdos da realidade externa. Este mundo inteligível de átomos, éter, vibrações, é apenas uma abstração calculada e altamente artificial do que é dado na experiência exterior e vivida." (1883 / SW.I, 203).
As ciências humanas não podem construir, de forma semelhante, um mundo abstrato fenomênico que se concentre em processos físicos e químicos e apele a elementos hipotéticos atômicos ou mesmo subatômicos. Compete às ciências humanas lidar com as redes mais complexas do mundo histórico e com os dados reais dos seres humanos. As explicações adequadas ao mundo histórico exigirão uma análise dos múltiplos conteúdos parciais que são relevantes em um determinado contexto. De acordo com Dilthey, as ciências humanas devem substituir a metodologia abstrata das ciências naturais por uma contraparte analítica.
"A abstração se distingue da análise no sentido de que a primeira destaca um fato e desconsidera os outros, enquanto a última busca apreender a maioria dos fatos que constituem os fatores de um todo complexo." (ca. 1880-1893/SW.I, 433)
Quanto mais fatos as explicações procuram correlacionar, mais limitado deve ser seu escopo. Assim, as leis a serem descobertas nas ciências humanas não se aplicarão à história em geral, mas apenas a sistemas culturais específicos ou organizações institucionais. Pode ser possível chegar a leis causais de crescimento econômico, de progresso científico ou de desenvolvimento literário, mas não a leis históricas abrangentes do progresso humano.
Até agora, Dilthey defendeu uma relativa independência das ciências humanas vis-à-vis as ciências naturais mais bem estabelecidas. Entretanto, a partir da perspectiva transcendental que considera as condições que nossa consciência traz para a experiência, as ciências humanas devem reivindicar uma prioridade reflexiva. A constatação de que as ciências humanas não apenas averiguam o que é - como as ciências naturais - mas também fazem julgamentos de valor, estabelecem metas e prescrevem regras, revela que elas estão muito mais diretamente relacionadas com a realidade plena da experiência vivida. O eu-penso Kantiano, que é a base da cognição conceitual (Erkenntnis) das ciências naturais, realmente deriva de um conhecimento direto (Wissen) enraizado no pensamento-sentimento-desejo mais inclusivo de Dilthey (ver 1883 / SW.I, 228 ca. 1880-93 / SW.I, 263-68). As ciências naturais meramente constroem um mundo fenomenal ou ideal que se abstrai do nexo real da experiência vivida. O mundo que se forma pelas ciências humanas é a realidade histórico-social da qual o ser humano participa. É um mundo real que está diretamente possuído, ou presente, no que Dilthey chama de Innewerden. Este termo foi, às vezes, traduzido como “consciência interior”, mas é melhor traduzi-lo como “consciência reflexiva” para indicar como as coisas existem aí-para nós. A percepção reflexiva é um modo de consciência pré-reflexivo e indexical que “não coloca um conteúdo contra o sujeito da consciência (não o reapresenta)” (ca. 1880-93 / SW.I, 253). É o saber-como direto de que a realidade está presente-para-mim antes de qualquer uma das distinções reflexivas ato-conteúdo, interno-externo ou sujeito-objeto que caracterizam o mundo representacional da cognição conceitual.
As ciências humanas devem se agarrar à presença original dessa realidade diretamente conhecida, mesmo quando passam a usar as ferramentas intelectuais da cognição conceitual em sua análise de conteúdos parciais. A maneira como o mundo histórico é representado e analisado deve, de alguma forma, refletir ainda a maneira como a história foi vivenciada. O entendimento final (Verstehen) almejado pelas ciências humanas de Dilthey deve recorrer a todas as nossas capacidades e, deve ser distinguido do mero entendimento intelectual e abstrato (Verstand) das ciências naturais de Kant.
Na tentativa de transmitir a riqueza e a profundidade da experiência vivida, as ciências humanas também devem considerar a contribuição das artes. A estética constitui um sistema cultural importante, na medida em que pode fornecer uma noção de como as artes podem contribuir para a compreensão humana em geral. A Poética de Dilthey, de 1887, representa um esforço para desenvolver certos conceitos psicológicos, para explicar o funcionamento da imaginação poética. Mesmo na vida cotidiana, as imagens que extraímos da experiência estão sujeitas a metamorfose. Com o tempo, todas as nossas imagens são transformadas, pois “a mesma imagem não pode mais retornar do que a mesma folha pode crescer de volta em uma árvore na primavera seguinte” (1887 / SW.V, 102). A primeira lei da metamorfose envolve a exclusão dos constituintes das imagens que não são valiosos para nós. Nem todo constituinte apreendido vale a pena ser lembrado. De acordo com Dilthey, não simplesmente absorvemos passivamente todas as impressões que aparecem em nosso caminho. Nós filtramos o que não vale a pena perceber por um processo de apercepção. Essa apercepção é pautada no que se denomina “nexo adquirido da vida psíquica”. Como esse nexo gradualmente adquirido difere para cada sujeito, o processo de exclusão nunca tem o mesmo resultado.
Parte do que não foi excluído pela primeira lei da metamorfose imaginativa pode então se tornar o foco de atenção especial. De acordo com a segunda lei da metamorfose imaginativa de Dilthey, “as imagens se transformam quando se expandem ou contraem, quando a intensidade das sensações de que são compostas é aumentada ou diminuída” (1887 / SW.V, 102). Tal mudança de intensidade pode se aplicar tanto à imaginação reprodutiva da memória comum quanto à imaginação produtiva de poetas ou romancistas. No primeiro caso da memória, um aumento de intensidade tende a ser função tanto de um interesse prático presente quanto da experiência adquirida. No último caso, da imaginação dos poetas, é mais provável que um aumento de intensidade seja regulado principalmente por seu nexo psíquico adquirido em geral. O que distingue a imaginação dos grandes poetas de acordo com Dilthey é sua capacidade de ignorar as distrações constantes e os interesses mundanos da vida diária. Só eles podem revelar imagens de uma forma que reflita nossos valores humanos gerais.
A terceira lei da metamorfose imaginativa envolve sua completude, a qual Dilthey se refere como um processo “pelo qual algo externo é animado por algo interno ou algo interno se torna visível e intuitivo por algo externo” (1887 / SW.V, 104). Na completude, há uma interpenetração entre o sentimento interno e a percepção externa, de modo que o próprio núcleo de uma imagem pode simbolizar o nexo psíquico geral adquirido. Dilthey escreve,
"Somente quando todo o nexo psíquico adquirido torna-se ativo é que as imagens podem ser transformadas a partir dele: mudanças inumeráveis, incomensuráveis, quase imperceptíveis ocorrem em seu núcleo. E, assim, a completude do particular origina-se da plenitude da vida psíquica." (1887 / SW.V, 104)
Esta última lei da completude imaginativa aplica-se apenas aos artistas e permite-lhes articular o significado essencial das situações de vida - por meio delas passamos a ver o que é típico da vida. Essas leis da metamorfose são concebidas como explicativas na medida em que apelam a um nexo psíquico adquirido geral como seu contexto final. Mas um relato descritivo mais abrangente demonstra que essas leis são bastante esquemáticas e incapazes de capturar todas as mudanças qualitativas que resultam em nossa compreensão do mundo de maneira mais geral. E por essa razão Dilthey se afasta das explicações puramente psicológicas após 1887. No ensaio “Três Épocas da Estética Moderna” de 1892, ele re-descreve, mais estruturalmente, a metamorfose imaginativa. É dito que um pintor de retratos ordena a estrutura do que é percebido objetivamente "em torno de um ponto especialmente notável, que chamarei de ponto estético da impressão. Cada rosto cuidadosamente observado é compreendido com base nessa impressão dominante…. Com base nessa impressão e memória repetida, os traços indiferentes são excluídos, enquanto os traços reveladores são enfatizados e os refratários desestimulados. O todo restante é unificado de forma cada vez mais decisiva." (1892 / SW.V, 217)
Agora, exclusão, intensificação e completude unificadora são entendidas como parte de um processo de articulação da estrutura de nossa experiência da realidade.
Década de 1890: Entendimento como Articulação Estrutural
Esta nova abordagem estrutural, mais descritiva, é inaugurada no ensaio “A Origem de Nossa Crença na Realidade do Mundo Externo e Sua Justificativa” de 1890. Aqui, Dilthey escreve que a estrutura de toda vida psíquica consiste em impressões “que evocam reações intencionais no sistema de nossos impulsos e os sentimentos a eles relacionados” (1890a / SW.II, 14). Ao invés de basear nosso senso inicial de um mundo externo em inferências teóricas dos efeitos às causas, ele o enraíza em uma resistência sentida à vontade. Mas a resistência deve ser internalizada como uma restrição de uma intenção volitiva para que expresse a existência de algo independente. Assim, Dilthey não está simplesmente substituindo um fenomenalismo representacional por um realismo perceptivo direto. Cada processo perceptivo tem “um lado interno” que envolve “uma energia e um tom afetivo derivados de esforços internos que o conectam à nossa própria vida” (1890a / SW.II, 14). Todos os aspectos de nossa própria vida são colocados em jogo quando respondemos ao mundo.
Em 1894, Dilthey publicou suas “Ideias para uma Psicologia Descritiva e Analítica" e estabeleceu como se diferem das psicologias explicativas tradicionais. Ele admite que mesmo uma psicologia descritiva buscará explicar as relações causais da vida, mas que deve diferir da psicologia explicativa por não tentar "derivar uma cognição abrangente e transparente dos fenômenos psicológicos de um número limitado de elementos univocamente determinados" (1894 /SW.II, 116). Ao contrário dos associacionistas, Dilthey não postulará impressões simples e estáveis que são então combinadas em ideias mais complexas. Elas introduzem elementos hipotéticos desnecessários na fundação da psicologia.
"Em psicologia, é precisamente a conectividade que é originalmente e continuamente dada na experiência vivida: a vida se apresenta por toda parte apenas como um continuum ou nexo." (1894 / SW.II, 119-20)
É tarefa de uma psicologia descritiva e analítica explicar como diferentes processos convergem no nexo da consciência. Esse nexo é vivido e deve ser distinguido do nexo psíquico adquirido geral, discutido anteriormente. O nexo vivido está disponível para a consciência reflexiva e pode ser descrito como um processo contínuo. A análise mostra então que este processo tem uma estrutura transversal bem uniforme. Quase todo estado momentâneo de consciência pode ser visto “como contendo simultaneamente algum tipo de representação, sentimento e desejo”. (1894 / SW.II, 173)
Se fôssemos seres meramente representacionais, as condições da vida psíquica seriam meramente causais. Mas, ao mesmo tempo, estimamos o valor do que representamos por meio do sentimento.
"Uma vez que as condições externas evocam uma sensação de pressão ou intensificação na esfera do sentimento, surge um esforço para manter ou modificar um determinado estado." (1894 / SW.II, 177)
O interesse de sentir que se vincula a aspectos do que é vivido nos permite avaliá-los como favoráveis ou desfavoráveis à nossa existência e, prepara o terreno para que a vontade atue possivelmente com base neles.
"Na medida em que as partes [do nexo experiencial] estão estruturalmente conectadas de modo a vincular a satisfação das pulsões e da felicidade e rejeitar o sofrimento, chamamos esse nexo de intencional. É unicamente na estrutura psíquica que o caráter de intencionalidade é originalmente dado, e quando atribuímos isso a um organismo ou ao mundo, esse conceito só é transferido da experiência vivida interior. Cada relação das partes com um todo atinge o caráter de intencionalidade a partir do valor que é nela realizado. Este valor é experimentado somente na vida de sentimentos e impulsos." (1894 / SW.II, 178)
A vida psíquica não se constrói sinteticamente a partir de elementos discretos, mas já é sempre um continuum que se diferencia constantemente a partir de dentro. Ao descrever e analisar esse continuum, Dilthey revela a amplitude e a profundidade de seu escopo e o articula como um nexo estrutural. E, ao considerar o desenvolvimento temporal desse nexo, ele define ainda mais sua finalidade. Embora os subsistemas cognitivos e volitivos da vida mental possam postular fins externos, o nexo psíquico afetivo e geral exibe o que Kant chamou de intencionalidade sem um propósito determinante. O nexo psíquico adquirido globalmente exibe uma teleologia que não postula nenhum telos final ao qual todos os estágios anteriores devem ser incluídos. O propósito da vida mental é imanente e adaptativo, em vez de externo e predeterminado. Cada estágio de nossa vida pode ser compreendido como um período com seu valor distintivo.
"Nada pode ser mais errôneo do que enxergar a maturidade como meta do desenvolvimento que constitui a vida e, assim, transformar os primeiros anos em meros meios. Como esses anos poderiam servir de meio para uma meta que em cada caso é tão incerta? Ao invés disso, faz parte da natureza da vida se esforçar para preencher cada momento com uma riqueza de valor." (1894 / SW.II, 189)
Outra tarefa da psicologia descritiva e analítica de Dilthey é mostrar como o desenvolvimento do nexo psíquico produz a individuação da vida humana. A individualidade não é concebida em termos das qualidades únicas de que somos dotados, mas como algo que cada um de nós adquire historicamente. Está incorporada naquilo que foi anteriormente referido como o nexo psíquico adquirido do sujeito e é articulado apenas gradualmente. Mesmo quando as pessoas compartilham as mesmas qualidades, sua intensidade relativa será diferente. Às vezes, as qualidades estão presentes em uma extensão tão pequena que, na verdade, são imperceptíveis. As qualidades proeminentes, entretanto, tendem a reforçar determinadas qualidades relacionadas e a suprimir outras. Cada indivíduo pode, portanto, ser entendido como uma configuração estrutural de um conjunto de qualidades dominantes em tensão com algumas qualidades subordinadas. Essa tensão pode permanecer sem solução por um longo tempo até que finalmente alguma articulação, ou Gestalt, que defina o caráter de uma pessoa seja alcançada. Dilthey dá o exemplo da forte ambição que leva alguém a superar gradualmente a timidez em público. Uma vez que uma pessoa reconhece que sua baixa auto-confiança ao falar em público impede que uma meta importante seja alcançada, essa pessoa pode começar a cultivar as qualidades necessárias.
A resposta inicial à psicologia descritiva de Dilthey foi mista. Hermann Ebbinghaus escreveu uma revisão extensa, a qual afirmava que Dilthey ainda baseava-se em hipóteses e que as diferenças entre as psicologias explicativa e descritiva são mínimas. Dilthey defendeu sua posição mostrando que nunca pretendeu banir totalmente as hipóteses explicativas da psicologia, apenas de seus fundamentos descritivos. Husserl mais tarde expressou seu pesar de que a crítica de Ebbinghaus o tenha desviado de ler essa antecipação “genial” da fenomenologia até muito mais tarde.
Um outro tipo de crítica veio dos neo-Kantianos, muitos dos quais desejavam separar completamente a filosofia da psicologia. Em 1894, o neo-Kantiano da Escola de Baden, Wilhelm Windelband, proferiu uma palestra na qual afirmou que a psicologia não tinha relevância real para as ciências históricas e deveria ser considerada uma ciência natural, ao invés de uma ciência humana. Windelband vê a psicologia como em busca de leis, tal como fazem as ciências naturais, e os estudos históricos como interessados em padrões únicos. Assim, propôs que as ciências naturais são nomotéticas e, as ciências históricas ou culturais ideográficas. Dilthey, por sua vez, rejeitou a distinção de Windelband, mostrando que muitas ciências naturais têm elementos ideográficos e muitas ciências humanas, como linguística e economia, têm objetivos nomotéticos. Além disso, Dilthey argumentou que a descrição de dados históricos singulares só se torna significativa se for entendida no âmbito das regularidades: “O que é mais característico das ciências humanas sistemáticas é a conexão do geral e do individual” (1895- 6 / SW.II, 227). Não apenas as considerações universais são tão importantes quanto a especificidade ideográfica, mas também a compreensão da individualidade não é possível sem referência a algum contexto mais amplo.
1900-1911: Compreensão Histórica e Hermenêutica
Interpretando de Fora para Dentro
Pode-se dizer que a fase final da filosofia de Dilthey começou na virada do século XX, com seu ensaio “A Ascensão da Hermenêutica”. Enquanto o primeiro ensaio premiado sobre a hermenêutica de Schleiermacher tinha sido mais focado na interpretação textual e teológica, o novo ensaio torna a hermenêutica um elo de conexão entre filosofia e história. Dilthey argumenta que o estudo da história só pode ser confiável se for possível elevar a compreensão do que é singular ao nível de validade universal. Aqui ele também chega à conclusão de que "a experiência interna por meio da qual obtenho a percepção reflexiva de minha própria condição nunca pode, por si mesma, levar-me à consciência de minha própria individualidade. Eu experimento a última apenas através de uma comparação de mim mesmo com os outros." (1900/SW.IV, 236)
Outros não podem ser considerados meras extensões de mim mesmo. São acessíveis a mim apenas pelo lado de fora. É tarefa da compreensão conferir “um interior” ao que é primeiramente dado como “um complexo de signos sensoriais externos” (1900 / SW.IV, 236).
Enquanto, até então, supunha-se que a inteligibilidade da experiência vivida nos proporcionava uma compreensão de nós mesmos, agora Dilthey afirma que só podemos nos compreender por meio de nossas objetivações. A compreensão de mim mesmo exige que eu me aproxime de mim como os outros o fazem, ou seja, de fora para dentro.
"O processo de compreensão, na medida em que é determinado por condições e meios epistemológicos comuns, deve ter em todos os lugares as mesmas características." (1900/SW.IV, 237)
Na medida em que as regras podem guiar a compreensão das objetivações da vida, elas tornam possível uma teoria da interpretação. Hermenêutica é a teoria da interpretação que se relaciona com todas as objetivações humanas - isto é, não apenas a fala e a escrita, mas também as expressões artísticas visuais, gestos físicos mais casuais, bem como ações ou feitos observáveis.
Essa nova perspectiva hermenêutica que aborda o interior a partir do exterior também altera a concepção de Dilthey sobre a estrutura psíquica. No primeiro dos três “Estudos para a Fundação das Ciências Humanas”, datado de 1904-19, Dilthey considera o que as expressões linguísticas podem nos ensinar sobre a intencionalidade da consciência. Não mais apenas explicando a amplitude da vida psíquica por meio dos entrelaçamentos de atos de cognição, sentimento e vontade, Dilthey usa expressões como “estou preocupado com alguma coisa” para revelar a estrutura referencial de uma experiência vivida. Os atos psíquicos têm conteúdos que se relacionam com os objetos do mundo por meio do que Dilthey chama de posturas atitudinais. Essas atitudes de julgamento em relação ao mundo são "indefinidas em número. Pedir, acreditar, presumir, reivindicar, ter prazer, aprovar, gostar e seu oposto, desejar, desejar e desejar são essas modificações da atitude psíquica." (1904-9/SW.III, 43)
Essas posturas atitudinais e de julgamento não são apenas cognitivas, mas pré-delineiam algo mais abrangente, que pode ser chamado de “conhecimento reflexivo”, para distingui-lo do conhecimento direto da experiência vivida e da consciência reflexiva. Este conhecimento reflexivo de julgamento (Wissen) adiciona à cognição conceitual (Erkenntnis) da realidade uma "postura de valores" e "a determinação de propósitos e o estabelecimento de regras". (1904-9/SW.III, 25)
Enquanto o tipo de epistemologia (Erkenntnistheorie) estabelecida por Kant e outros é suficiente para as ciências naturais, as ciências humanas requerem uma teoria do conhecimento mais vigorosa (Theorie des Wissens). O conhecimento deve ser “distinguido de uma mera representação, presunção, questão ou suposição pelo fato de que um conteúdo aparece aqui com um senso de necessidade objetiva” (1904-9 / SW.III, 27-28). Essa necessidade objetiva deve localizar-se na evidência que acompanha o pensamento que é executado corretamente e atinge seu objetivo, seja por meio da realidade auto-dada da experiência vivida ou da “doação que nos liga a uma percepção externa” (1904-9 / SW. III, 28).
Para as ciências humanas, as coisas no mundo não são meramente apreendidas cognitivamente como objetos fenomenais, mas conhecidas como reais para as nossas preocupações de vida (Lebensbezüge). Pensando nos manuscritos inacabados em seu escritório, Dilthey escreve no Segundo Estudo para a Fundação das Ciências Humanas:
"Estou cansado de trabalhar demais; tendo revisto meus arquivos, me preocupo com seus conteúdos inacabados, cuja finalização exige incalculavelmente mais trabalho de mim. Todo esse “sobre”, “de” e “para”, todas essas referências do que é lembrado ao vivido, enfim, todas essas relações interiores estruturais, devem ser apreendidas por mim, pois agora quero apreender a plenitude da experiência vivida exaustivamente. E, precisamente a fim de esgotá-la, devo regredir ainda mais na rede estrutural às memórias de outras experiências vividas." (1904-9/SW.III, 50)
Cada tentativa de caracterizar uma experiência vivida leva além dela, a outras experiências estruturalmente relacionadas que a fundamentam. Isso envolve não apenas um processo observacional de atenção voluntária, mas também um involuntário “ser puxado pelo próprio estado de coisas” (1904-9 / SW.III, 51) para outras partes constituintes do nexo do conhecimento humano.
Alguns desses refinamentos incorporados ao programa descritivo de Dilthey foram inspirados na leitura das Investigações Lógicas (1900– 01) de Husserl . Dilthey segue Husserl especificamente em seu relato de como a linguagem contribui para a “apreensão significativa” (1904–9 / SW.III, 60). Ao ler palavras, não as representamos como meros conjuntos de letras, mas cumprimos seu significado ao representar seus objetos. Há uma relação estrutural triádica entre o conteúdo intuitivo de uma expressão linguística, um ato que lhe dá sentido, e o objeto que incorpora esse sentido como aquilo que é expresso. Mas enquanto a fenomenologia de Husserl se concentrava nas estruturas conceituais da apreensão objetiva, Dilthey dá igual atenção às estruturas sentidas do que ele chama de “ter objetivo” (1904-9 / SW.III, 66). Na apreensão objetiva, progredimos da atitude para os objetos; no objetivo, regredimos dos objetos para a atitude. Essa virada regressiva de fora para dentro influencia a maneira como os sentimentos devem ser interpretados. “Quer sintamos nosso próprio estado ou algum objeto, isso envolve apenas um estado de ser como uma espécie de atitude…. O modo como esse estado de ser depende de objetos externos ou do estado do sujeito é obscurecido por uma atitude inversa que se perde na profundidade do sujeito ”(1904–9 / SW.III, 69). Ao invés de considerar os sentimentos meramente como estados subjetivos, tais quais prazer ou desprazer, eles podem ser interpretados como atitudes que avaliam o que é dado na consciência, como algo que favorece ou diminui o estado de ser de alguém no mundo. Os sentimentos podem ser adicionados à nossa lista anterior de atitudes.
Os sentimentos como atitudes nos permitem avaliar o mundo. Nossos valores expressam atitudes adjucativas baseadas em sentimento. Embora o estabelecimento de propósitos esteja alicerçado na experiência vivida de valores, a vida dos sentimentos possui uma teleologia imanente que não exige que se transforme no desejo de agir. O nexo estrutural do querer é, portanto, diferente daquele do sentimento. Existem muitos sentimentos que evocam mais sentimentos do que o impulso de fazer algo em resposta a eles. Um sentimento de sofrimento pode, por exemplo, suscitar uma espécie de autopiedade que espalha o sofrimento e provoca um estado de espírito “distintamente suave” (1904-9 / SW.III, 76) que imobiliza.
A atitude geral final relevante para o nexo estrutural do conhecimento é a de querer. Nas experiências vividas de querer “possuímos uma consciência reflexiva de uma intenção de realizar um estado de coisas” (1904–9 / SW.III, 82). Se nós chamarmos este estado de coisas para ser realizadas de “propósito”, então o que se espera deste propósito é uma satisfação de algum tipo.
Reinterpretando Objetivos e Distinguindo Entendimento Elementar e Entendimento Superior
O trabalho mais importante de Dilthey é A Formação (Aufbau) do Mundo Histórico nas Ciências Humanas, de 1910. Aqui, Dilthey aplica o mesmo tipo de análise estrutural que o vimos desenvolver para a experiência vivida, para a compreensão da história. As ciências humanas dão forma ao mundo histórico ao analisar os sistemas estruturais em termos dos quais os seres humanos participam da história. Na Introdução às Ciências Humanas, Dilthey concebeu o nexo psíquico, os sistemas culturais e as organizações externas da sociedade como sistemas propositais. Agora, um conceito abrangente mais neutro é usado para capturar todas as maneiras pelas quais as forças da vida podem convergir. Este é o conceito de “nexo produtivo ou sistema” (Wirkungszusammenhang). Agora, a eficácia da vida e do mundo histórico deve ser entendida em termos de produtividade antes que qualquer análise causal ou teleológica seja aplicada. Os portadores da história, sejam eles indivíduos, culturas, instituições ou comunidades, são sistemas produtivos capazes de produzir valor, significado e, em alguns casos, realizar propósitos.
Cada um deve ser considerado estruturalmente centrado em si mesmo. Os indivíduos podem ser estudados como sistemas produtivos psíquicos inerentemente relacionados uns com os outros, tal qual como sistemas produtivos mais inclusivos, que também estão em ação na história. Esses sistemas produtivos mais abrangentes surgem devido à necessidade de comunicação, interação e cooperação entre os indivíduos. Mas, eles também podem ter vida própria e sobreviver aos indivíduos que os formaram e moldaram. A categoria de Wirkung, ou produtividade, de Dilthey está na raiz da teoria de história produtiva das obras de arte de Gadamer (Wirkungsgeschichte), que lhes concede novos significados ao longo do tempo, excedentes àqueles pretendidos por seus criadores. Na Introdução às Ciências Humanas, Dilthey esteve relutante em considerar os sistemas sociais propositais como sujeitos ou portadores da história. Em A Formação do Mundo Histórico nas Ciências Humanas, ele qualifica sua oposição à ideia de um sujeito transpessoal como a alma de um povo, ao de-reificá-la como o espírito de um povo que deve ser considerado mais lógico do que um sujeito real. É possível considerar os sistemas produtivos cooperativos como sujeitos lógicos que transcendem os indivíduos, sem colocá-los como sujeitos reais super-empíricos.
Apesar dessa importância crescente concedida a sistemas culturais e organizações da sociedade mais abrangentes, Dilthey continua a insistir que os indivíduos que deles participam nunca são completamente submersos por eles. Isto acontece porque um sistema produtivo acopla somente alguns aspectos de um indivíduo. Ademais, os indivíduos ativos em um sistema cultural frequentemente põem sua marca em seu modo de produtividade, de modo que não apenas a função racionalmente acordada do sistema seja alcançada. Resumindo esses dois pontos, Dilthey percebe uma dificuldade em conceituar as ciências desses sistemas culturais apenas em termos da noção de propósitos:
Os indivíduos que cooperam em tal função pertencem ao sistema cultural somente por meio dos processos pelos quais contribuem para a realização da função. Não obstante, participam desses processos com todo o seu ser, o que significa que um domínio baseado puramente na finalidade funcional do sistema nunca poderá ser construído. Em vez disso, outros aspectos da natureza humana também estão constantemente trabalhando neste domínio, suplementando as energias dedicadas às funções do sistema. (1910 / SW.III, 208)
Os indivíduos dão apenas parte de si mesmos a esses sistemas mais inclusivos, mas podem expressar todo o seu ser por meio dessa parte. Nenhum sistema cultural irá incorporar apenas os propósitos que foi criado para cumprir. É por isso que é crucial re-conceber os sistemas propositais como sistemas produtivos. Um nexo ou sistema produtivo pode ser proposital em um sentido geral, sem cumprir um propósito determinado. Deve ser entendido de maneira mais geral, como a produção de objetivações que expressam tanto valores humanos quanto propósitos - deixando em aberto até que ponto objetivos específicos são alcançados. O importante é como os valores e propósitos humanos são expressos nos sistemas produtivos e como seu significado deve ser compreendido.
Como no ensaio “A Ascensão da Hermenêutica”, foi dito que a compreensão envolve um processo de referência de fenômenos sensoriais externos a uma realidade que envolve processos internos. Mas agora, em A Formação do Mundo Histórico nas Ciências Humanas, Dilthey reconhece que essa realidade interna não precisa ser de natureza psicológica. Ele usa o exemplo de como os estatutos de um estado expressam a vontade comum de uma comunidade. O conteúdo interno das leis nos livros é uma formação de significado legal. As expressões que nós lemos em livros jurídicos articulam uma relação interna entre imperativos legais. O que é expresso nessas leis não são os estados mentais de legisladores individuais, mas uma maneira geral de regular as relações humanas. Dilthey faz a mesma reivindicação para criações poéticas individuais. O que é expresso em um drama é "não os processos internos do poeta; é antes um nexo criado neles, mas separável deles. O nexo de um drama consiste em uma relação distinta de material, humor poético, motivo, enredo e meios de apresentação." (1910 / SW.III, 107)
A interpretação da história deve lidar com todas as manifestações da vida, não apenas expressões que têm como objetivo comunicar um estado de espírito. Na seção intitulada “A Compreensão das Outras Pessoas e Suas Manifestações de Vida”, Dilthey distingue três classes de manifestações de vida. A primeira classe consiste em conceitos, julgamentos e formações de pensamento mais amplos. Destinam-se a comunicar estados de coisas, não estados de espírito. Assim, a proposição “dois mais dois é igual a quatro” significa o mesmo em todos os contextos e nada diz sobre a pessoa que a enuncia. As ações dão forma a uma segunda classe de manifestações da vida. As ações, como tais, não têm o objetivo de comunicar nada, mas frequentemente revelam algo sobre as intenções do ator. Assim, se alguém pegar um martelo próximo a alguns pregos e tábuas de madeira, é legítimo presumir que ele ou ela deseja montar as tábuas em algum artefato. Se isso ocorrer em uma grande oficina, também é plausível pensar que a pessoa é um carpinteiro. Isso também pode nos dizer algo sobre o sustento da pessoa, mas não muito mais. Há uma terceira classe de manifestações de vida que Dilthey chama de “expressões de experiência vivida” e que revelam mais sobre o indivíduo que as enuncia. As expressões da experiência vivida podem variar de exclamações e gestos emocionais a auto-descrições pessoais e reflexões a obras de arte. Muitas vezes, essas expressões são mais reveladoras do que o pretendido:
"Uma expressão de experiência vivida pode conter mais do nexo da vida psíquica do que qualquer introspecção pode ter em vista. Ele vem de profundezas não iluminadas pela consciência. Mas, ao mesmo tempo, é característico de uma expressão de experiência vivida que sua relação com o conteúdo espiritual ou humano nela expresso só possa ser posta à disposição para compreensão dentro de certos limites. Tais expressões não devem ser julgadas como verdadeiras ou falsas, mas como verdadeiras ou mentirosas." (ca. 1910 / SW.III, 227)
Uma obra de arte costuma revelar mais da vida humana em geral do que da vida específica do artista. Pode revelar algo sobre o estado de espírito ou a atitude do artista, mas uma obra de arte só será grande se seu “conteúdo espiritual for libertado de seu criador” (ca. 1910 / SW.III, 228).
Depois de ter analisado esses três tipos de manifestações da vida, que podem ser chamados de teóricas, práticas e reveladoras, respectivamente, Dilthey passa a distinguir vários modos de compreendê-las. A compreensão elementar remonta à relação associativa que normalmente existe entre uma expressão e o que é nela expresso. Assimila os significados comumente atribuídos às expressões na comunidade em que crescemos. Dilthey adapta a ideia de Hegel de “espírito objetivo” para dar conta dessa comunalidade de significado. Agora, o espírito objetivo engloba logicamente "as múltiplas formas em que uma semelhança existente entre os indivíduos se objetivou no mundo dos sentidos", permitindo que o passado se torne "um presente continuamente duradouro para nós" (ca. 1910 / SW.III, 229 ). Enquanto Hegel restringia o espírito objetivo aos aspectos jurídicos, econômicos e políticos da vida histórica, Dilthey expande o conceito para incluir não apenas as ciências, mas também a tríade arte, religião e filosofia que Hegel atribuiu ao espírito absoluto. Mas, acima de tudo, o espírito objetivo incorpora os aspectos cotidianos e mundanos da vida com os quais crescemos.
"Desde a mais tenra infância, o self é nutrido por este mundo de espírito objetivo. É também o meio em que ocorre a compreensão de outras pessoas e suas manifestações de vida. Pois tudo em que o espírito se objetivou contém algo que é comum ao Eu e ao Tu. Cada canto plantado com árvores, cada cômodo com cadeiras dispostas, é compreensível para nós desde a infância, porque as tendências humanas de estabelecer metas, produzir ordem e definir valores em comum atribuíram um lugar a cada canto e a cada objeto na sala."(ca. 1910 / SW.III, 229)
Esse pano de fundo comum é suficiente para a compreensão elementar da vida cotidiana. Mas sempre que o significado comum das manifestações de vida é questionado por alguma razão, uma compreensão superior se torna necessária. Isso pode ocorrer por causa de uma inconsistência aparente entre as várias reivindicações que estão sendo feitas, ou devido a uma ambigüidade que precisa ser resolvida.. Em cada caso, discernimos uma complexidade inesperada que exige que mudemos nosso quadro de referência. A compreensão superior não pode continuar a depender dos significados comuns de uma expressão que derivam de uma experiência local compartilhada entre falante e ouvinte, escritor e leitor. A compreensão superior deve substituir a esfera da comunalidade, onde a inferência por analogia é suficiente, pela da universalidade, onde a inferência indutiva deve prevalecer. Aqui, as ciências humanas tornam-se relevantes ao oferecer os contextos disciplinares universais apropriados que podem ajudar a lidar com as incertezas de interpretação. Esses contextos sistemáticos universais podem ser sociais ou políticos, econômicos ou culturais, seculares ou religiosos. Quando as expressões podem ser determinadas como funcionando em um contexto disciplinar específico, as ambigüidades tendem a desaparecer. Os estudiosos da literatura podem ser capazes de esclarecer uma passagem poética intrigante mostrando que ela contém uma alusão literária a uma obra clássica com um vocabulário estrangeiro. Ou talvez possam esclarecê-la vendo-a como uma forma de acomodar certas demandas técnicas do gênero como tal. Esses casos de compreensão superior estabelecem um contexto de referência mais amplo.
No entanto, uma compreensão mais elevada também pode focalizar contextos mais específicos relacionados a uma obra ou a seu autor. A consideração de tais contextos deve vir apenas na conclusão do processo interpretativo e representa uma mudança da exploração da relação “da expressão com o que é expresso” para a relação “entre o que foi produzido e a produtividade” (ca. 1910 / SW. III, 233). Aqui, passamos de relações de significado para algo como uma relação produtiva, para a qual o conhecimento sobre os autores se torna relevante. Mas, o primeiro recurso aqui é consultar mais das produções do autor. Como uma frase se encaixa em um parágrafo, um capítulo, uma obra inteira ou um corpus como um todo? Somente se esses contextos não resolverem o problema, podemos considerar afirmações psicológicas sobre o autor. A compreensão da individualidade de um autor só deve trazer fatores psicológicos como último recurso. Dilthey escreve "nós compreendemos os indivíduos por meio de suas afinidades, de suas semelhanças. Esse processo pressupõe a conexão entre o universalmente humano e a individuação. Com base no que é universal, podemos ver a individuação estendida à multiplicidade da existência humana." (ca. 1910 / SW.III, 233)
Contudo, a forma mais elevada de compreensão não é a reconstrução da individualidade do autor. Envolve algo que foi confundido com reconstrução, mas é distinto. O que Dilthey aponta é um processo de recriação ou revivência, que contrasta com a compreensão como tal:
"Compreender como tal é uma operação que funciona no sentido inverso ao curso da produção. Mas um reviver totalmente solidário requer que a compreensão avance com a linha dos próprios eventos." (ca. 1910 / SW.III, 235)
A revivência desenvolve a compreensão ao completar o círculo hermenêutico. Se a compreensão “volta” ao contexto geral, a revivência segue “para a frente” seguindo as partes que dão foco ao todo. Uma revivência não é uma reconstrução real, mas produz um melhor entendimento que refina o original. Isso fica claro pelo seguinte exemplo:
"Um poema lírico possibilita, por meio da sequência de seus versos, a revivência de um nexo de experiência vivida - não o real que estimulou o poeta, mas aquele que, a partir dele, o poeta coloca na boca de um pessoa ideal." (ca. 1910 / SW.III, 235)
Enquanto as artes podem expandir o horizonte de nossa experiência vivida por meio dos meios ideais e imaginários da ficção, a história deve fazê-lo por um processo de articulação estrutural. A tarefa das ciências humanas é analisar o nexo produtivo da história conforme ela se exibe em formações estáveis ou estruturas sistemáticas. O nexo produtivo da história difere do nexo causal da natureza na produção de valores e na obtenção de objetivos.
Os portadores dessa criação constante de valores e bens no mundo do espírito humano são os indivíduos, as comunidades e os sistemas culturais nos quais os indivíduos cooperam. Essa cooperação é determinada pelo fato de que, a fim de realizar valores, os indivíduos se submetem a regras e se propõem objetivos. Todos esses modos de cooperação manifestam uma preocupação com a vida conectada à essência humana que liga os indivíduos uns aos outros - um núcleo, por assim dizer, que não pode ser compreendido psicologicamente, mas é revelado em todos os sistemas de relações entre os seres humanos.(1910 / SW.III, 175-76)
Cada um desses sistemas socioculturais pode ser considerado centrado em si mesmo com base em alguma função, seja ela econômica, científica, política, artística ou religiosa. As estruturas a serem analisadas aqui fornecem vários recortes transversais do que acontece na história. Mas também existem contextos sócio-históricos mais complexos e duradouros que podemos delinear, como estados-nação e períodos históricos.
Um estado-nação é uma organização institucional complexa que contém e molda muitos sistemas produtivos socioculturais que, então, geram certas semelhanças. Quando sistemas socioculturais que transcendem o escopo de uma nação entram em contato com os sistemas produtivos locais, eles também começam a assumir características comuns distintas daquela nação. Nos membros individuais de um estado-nação, essas características comuns podem produzir um senso de solidariedade. Porém, Dilthey também alerta para excessos a esse respeito quando observa que muitos alemães estão "colocando o valor mais alto ... não na visão de mundo serena dos gregos, não na consideração intelectualmente delimitada do propósito dos romanos, mas na esforço bruto de poder sem qualquer limite ”(1910 / SW.III, 196).
Os Estados-nação são conjuntos históricos definidos regionalmente, mas também podemos delinear conjuntos temporalmente complexos, como as fases históricas. O que caracteriza uma geração, segundo Dilthey, é a cristalização de um movimento desencadeado pelo amadurecimento de um determinado grupo etário. Uma época é mais impessoal em grande escala. Isto marca uma "tendência penetrante" generalizada (1910/SW.III, 198). Cada época define um horizonte de vida pelo qual cada povo orienta sua vida. “Tais horizontes colocam a vida, as preocupações com a vida, a experiência de vida, e a formação de pensamento em determinada proporção” (1910/SW.III, 198), o que tende a restringir a maneira como os indivíduos podem modificar suas perspectivas. Mas uma época é apenas uma tendência geral que abrange forças opostas. Na verdade, uma nova época muitas vezes será desencadeada pelas insatisfações produzidas por qualquer força que se torne expressivamente dominante e complacente.
A análise estrutural da história, em termos de sistemas culturais e nas organizações externas da sociedade, pode ser guiada pelas várias ciências humanas. Porém, um modo reflexivo de julgamento é necessário quando os historiadores tentam dar sentido às estruturas mais complexas de estados- nação e épocas. A história é tanto uma arte de julgamento preocupada com o significado, quanto uma ciência preocupada com a verdade objetiva. Somente a reflexão histórica pode criar o equilíbrio certo que transformará a cognição conceitual das ciências humanas em conhecimento histórico adequado.
As categorias de Conhecimento Histórico
Essa mudança para o conhecimento histórico é o tema principal das notas (ca. 1910) de um segundo volume de A formação do Mundo Histórico nas Ciências Humanas (1910), que foram publicadas postumamente em 1927 como Esboços para uma Crítica da Razão Histórica. Aqui, Dilthey analisa as categorias de vida que são relevantes para o conhecimento histórico. Ele distingue entre categorias formais e reais. As categorias formais derivam de operações lógicas elementares que atuam em toda apreensão: elas incluem os processos de comparação, observação da semelhança, diferenciação e relacionamento, Embora tais operações elementares sejam pré-discursivas, elas fornecem a base para o pensamento discursivo. A observação pré-discursiva da semelhança prepara o caminho para os conceitos unificadores do pensamento discursivo e, o processo de relacionamento fornece a base para procedimentos sintéticos. Essas modalidades pré-discursivas e discursivas do pensamento esclarecem as categorias formais de unidade, pluralidade, identidade, diferença, grau e relação que são compartilhadas pelas ciências naturais e humanas.
Mas as categorias reais não são as mesmas nas ciências naturais e humanas. Enquanto o tempo é uma forma abstrata ideal para as ciências naturais, para as ciências humanas ele tem um conteúdo qualitativo. É experimentado como um avanço para o futuro e “contém sempre a memória do que acaba de ser presente” (ca. 1910 / SW.III, 216). A relação entre o passado e o presente torna-se a fonte da categoria de significado, que é a principal categoria histórica de Dilthey. O presente nunca é meramente no sentido de ser observável, e só pode ser entendido de forma significativa na medida em que o passado afirma nele sua presença. Quando o presente é vivido, “os valores positivos ou negativos das realidades que o preenchem são experimentados por meio do sentimento. E quando enfrentamos o futuro, a categoria do propósito surge por meio de uma atitude projetiva ”(ca. 1910 / SW.III, 222). Significado, valor e propósito são as três categorias centrais das ciências humanas, e cada uma se relaciona com o tempo à sua maneira. O que é valorizado pelo sentimento centra-se no presente momentâneo, mas para a vontade, tudo no presente tende a estar subordinado a algum propósito futuro. Somente a categoria de significado pode expandir o presente para uma presença que inclui o passado e supera a mera justaposição ou subordinação dos vários aspectos da vida para cada um. A compreensão do significado envolve o sentido abrangente do conhecimento reflexivo que tenta relacionar a cognição à avaliação e ao estabelecimento de metas.
A distinção de Dilthey entre as ciências naturais e humanas não é uma distinção metafísica. Por essa razão, ele não cria um dualismo entre a natureza como domínio da causalidade e a história como domínio da liberdade. Existem muitas forças determinantes em ação na história, porque ela não pode ser dissociada das condições naturais. Mas, para entender como os indivíduos participam da história, devemos substituir a relação puramente externa de causa e efeito pela relação integral de “agência e sofrimento, de ação e reação” (ca. 1910 / SW.III, 219).
O fazer e o sofrer que caracterizam o envolvimento humano na história podem ser trazidos para casa com mais força na autobiografia.
"Aqui, um curso de vida se apresenta como um fenômeno externo a partir do qual a compreensão busca descobrir o que o produziu em um ambiente particular. A pessoa que o compreende é a mesma que o criou. Isso resulta em uma intimidade especial de compreensão." (ca. 1910 / SW.III, 221)
A autobiografia começa com o que a memória selecionou como momentos significativos da vida, cuja reflexão, então, dá uma certa coerência. Desse modo, as tarefas iniciais de “explicar um nexo histórico já estão meio resolvidas pela própria vida” (ca. 1910 / SW.III, 221).
Mas o fato de que a história obtém uma intimidade especial por meio da capacidade de autobiografia não significa que devemos nos contentar em entender a história apenas por meio de indivíduos. Isso também se torna evidente em relação ao próprio trabalho de Dilthey como biógrafo de Schleiermacher. Tornou-se ainda mais claro para Dilthey que sua biografia não poderia solucionar a tarefa de compreender a vida de Schleiermacher sem considerar a vida intelectual de Berlim da qual ele participou. É provável que uma biografia ponha mais fatores contextuais determinantes em jogo do que uma autobiografia, mas o biógrafo deve permanecer aberto à interação dessas influências e da iniciativa individual. Dilthey escreve que um indivíduo "não enfrenta um jogo ilimitado no mundo histórico: ele reside na esfera do estado, religião ou ciência - em resumo, em um sistema de vida distinto ou em uma constelação deles. A estrutura interna de tal constelação extrai o indivíduo nela, dá-lhe forma, e determina o sentido de sua produtividade. As conquistas históricas decorrem das possibilidades inerentes à estrutura interna de um momento histórico." (ca. 1910 / SW.III, 266-67)
Indivíduos dignos de uma biografia são aqueles que aproveitaram essas possibilidades momentâneas. Ao nos voltarmos para o nexo da história universal, vamos além dos cursos de vida individuais enfocados pela autobiografia e pela biografia. Embora a compreensão histórica universal não possa ignorar os resultados da autobiografia e da biografia, ela se concentrará mais na história das nações, nos sistemas culturais e nas organizações externas da sociedade.
"Cada uma dessas histórias tem seu próprio centro ao qual se relacionam os processos e, consequentemente, os valores, propósitos e significados que resultam dessa relação." (ca. 1910 / SW.III, 291)
A reflexão antropológica espera que a história ensine o que é a vida e, no entanto, a história depende da vida vivida. Há uma circularidade hermenêutica aqui que poderia ser evitada “se normas, propósitos ou valores não condicionados [pudessem] estabelecer o padrão para contemplar uma história de apreensão” (ca. 1910 / SW.III, 281). Ao contrário de seus contemporâneos neo-Kantianos, como Hermann Cohen e Heinrich Rickert, Dilthey não está disposto a aceitar valores incondicionais que transcendem a vida. O nexo espiritual da história “é o da própria vida, na medida em que a vida produz conexão nas condições de seu ambiente natural” (ca. 1910 / SW.III, 280). A vida é o contexto final, atrás do qual não podemos ir. É o horizonte da produtividade que abrange o orgânico e o mental, mas não pode ser definido por qualquer um deles. Visto que “a vida está intimamente relacionada à realização temporal” (ca. 1910 / SW.III, 249), a historicidade faz parte de sua essência. Consequentemente, a validade objetiva que deve ser atribuída a qualquer valor não pode ser separada de nosso compromisso temporal com a vida. Os valores não são simplesmente dados ou impostos de cima, mas são produzidos como parte do processo humano de explicar o significado da história. À luz do ceticismo de Dilthey sobre os valores transcendentes e incondicionais, pode parecer surpreendente que ele tenha apresentado um sistema ético que espera que os seres humanos assumam compromissos incondicionais que são auto-vinculantes.
Reflexões de Dilthey sobre Ética e Cosmovisões e Suas Dúvidas sobre a Metafísica
Em 1890, Dilthey ofereceu um curso de aulas na Universidade de Berlim, que foi publicado postumamente com o título Sistema de Ética (1890b). Aqui, Dilthey se propõe a desenvolver uma abordagem “psicoética” que está enraizada na “análise antropológico-histórica” (1890b / SW.VI, 104). Enquanto a psicologia tradicional analisa os sentimentos, principalmente como resposta às impressões sensoriais que vêm de fora, uma compreensão psico-ética dos sentimentos que podem nos motivar a agir deve estar enraizada na análise antropológica de nossos impulsos internos, instintos e desejos. Ao invés de focalizar nos processos intelectuais por meio dos quais os seres humanos se adaptam ao ambiente, Dilthey argumenta que a maioria de nossas respostas são basicamente emotivas e volitivas. Os sentimentos que medem o efeito que o mundo tem sobre nós não são apenas o aspecto subjetivo de nossas representações do mundo. Esses sentimentos estão enraizados em certos impulsos, entre os quais um senso de solidariedade de grupo é central (1890b / SW.VI, 104).
Essa solidariedade abrange um sentimento sentimento-amigável (Mitgefühl) (1890b / SW.VI, 104-05) que vai mais fundo do que a simpatia dos moralistas britânicos. Dilthey considera a simpatia como um sentimento “transferido de um ser vivo para outro” (1890b / SW.VI, 89). Simpatia, compaixão e piedade são modos de “sofrer com” (Mitleid) que são derivados, porque nos afetam de fora. Envolvem um “movimento conjunto” externo (Mitbewegung)com outros (1890b / SW.VI, 89). Dilthey considera essas formas psicológicas de simpatia ou empatia (Mitempfindung), superficiais em comparação com o sentimento antropológico mais básico de solidariedade que produz um “relacionamento interno” (1890b / SW.VI, 104) - com os outros.
A extensão até a qual somos motivados por um senso de solidariedade é uma função da esfera de comunhão de espírito objetivo em que crescemos. Nosso senso antropológico de solidariedade e seu sentimento de sentimento-amigável , fornecem um incentivo mais positivo para a sociabilidade do que a simpatia de Hume e a compaixão de Schopenhauer. Mas mesmo a comunhão de solidariedade é um mero incentivo natural, que não se torna ético até que se transforme em um incentivo de benevolência mais ativo ou participativo (1890b / GS.X, 70).
À medida que desenvolve sua abordagem da ética com base antropológica, Dilthey leva a três incentivos éticos principais. Um deles é a benevolência (Wohlwollen), que acabamos de relacionar à solidariedade humana. Os outros dois incentivos são lutar pelo que é certo (Rechtschaffenheit) e se aperfeiçoar de uma maneira socialmente legítima (Vollkommenheit). Esses três incentivos éticos já haviam sido pré-delineados como princípios morais na tese de habilitação (Habilitationsschrift) de Dilthey, datada de 1864, intitulada “Uma Tentativa de Análise da Consciência Moral ” (ver 1864 / GS.VI, 26-27). Na verdade, a seção conclusiva TRÊS 12 do Sistema de Ética é tirada quase exclusivamente deste trabalho anterior, onde os incentivos éticos foram formulados como três deveres morais. Isso levanta a questão de como é possível passar de incentivos éticos derivados da antropologia, que são a posteriori, para em última instância, chegar a obrigações morais que são a priori. Há uma subseção TRÊS 9.3 crucial que nos prepara para essa transição. É intitulada “O Sentimento de Dever e Justiça, a Consciência do Compromisso Inerente ao Dever de Fazer o que é Certo ou Justo”. Aqui, Dilthey é bastante explícito de que o compromisso de fazer o que é certo exige uma consciência que não pode ser concebida como um mero vínculo interno instintivo com os outros, enraizado em nosso senso de solidariedade. O compromisso de fazer o que é certo agora deve vir de dentro com base no “respeito pelos outros como fins em si mesmos” (1890b / SW.VI, 128). O mero valor vital da solidariedade de grupo é elevado ao valor espiritual, de respeito por todos os outros como fins individuais em si mesmos. Tendo substituído a simpatia Humeana pela benevolência, Dilthey agora acopla o dever Kantiano como parte de sua análise da autorreflexão moral. Porém, ao invés de apelar ao respeito pela lei para justificar fazer o que é certo, Dilthey deriva o dever moral de um compromisso que se baseia tanto na "fidelidade a si mesmo quanto no respeito pela autoestima de outras pessoas" (1890b / SW.VI , 128). O senso de obrigação (Verbindlichkeit) que vem com esse compromisso (Bindung) envolve o reconhecimento de uma conexão humana recíproca, em contrapartida a uma dependência unilateral em uma lei superior.
Formalmente, Dilthey se aproxima ainda mais de Kant no final das aulas, reconhecendo que, em última análise, devemos fazer “julgamentos morais” que são “incondicionais” e “sintéticos a priori” (1890b / GS.X, 108). Embora Dilthey tenha rejeitado a possibilidade de julgamentos teóricos sintéticos a priori para a experiência externa, ele agora encontra-se disposto a falar de julgamentos práticos sintéticos a priori para a experiência interna. Se Dilthey tivesse publicado ele mesmo suas aulas de 1890, provavelmente teria moderado a linguagem importada de seu ensaio anterior. Todavia, claramente ele ainda pensa que a moralidade requer assentimento de julgamento para obrigações que são incondicionalmente auto-obrigatórias.
As implicações normativas da reflexão antropológica sobre a vida e a história também levaram Dilthey a abordar o valor das cosmovisões. Assim como a natureza da história universal nos força a conceber a história como mais do que uma ciência humana, as cosmovisões são tentativas de base mais ampla de adquirir uma perspectiva unificada da vida. As ciências são parciais por natureza e não podem fornecer uma visão de mundo abrangente. Uma cosmovisão tenta fornecer não apenas uma imagem cognitiva do mundo, mas também uma estimativa do que é valioso e digno de ser preservado na vida e, finalmente, como podemos nos esforçar para melhorar a realidade. As cosmovisões foram desenvolvidas em obras literárias, religiosas e filosóficas. Os filósofos produziram formulações metafísicas de visões de mundo que tentam dar-lhes uma determinação conceitual universal. Dilthey analisa três tipos recorrentes de tais formulações metafísicas: o naturalismo, o idealismo da liberdade e o idealismo objetivo. O naturalismo de Demócrito, Hobbes e outros deriva tudo do que pode ser conhecido e é pluralista na estrutura; o idealismo da liberdade, conforme encontrado em Platão, Kant e outros, insiste na soberania da vontade e é dualista; o idealismo objetivo, tal qual encontrado em Heráclito, Leibniz e Hegel, afirma a realidade como a incorporação de um conjunto harmonioso de valores e pode ser considerado monista. Os três tipos de cosmovisões metafísicas são incomensuráveis, pois cada uma define suas prioridades de maneira diferente. Dilthey considera o naturalismo muito redutor; suas visões éticas o inclinam para o idealismo da liberdade; esteticamente, ele se sentiu atraído pelo idealismo objetivo. Nenhuma formulação metafísica pode ter mais do que validade relativa, pois tenta chegar a uma totalização que transcende a experiência. Expressões literárias e poéticas de cosmovisões tendem a ser mais bem sucedidas porque não reivindicam ser totalizantes. Tudo que é humanamente possível é sondar a realidade na base da experiência de vida e se contentar com percepções filosóficas mais limitadas, informadas pela compreensão histórica. Em última análise, nossa compreensão reflexiva da vida e da história deve permanecer determinada-indeterminada.
Podemos enxergar certos paralelos com a tentativa de Dilthey de substituir os sistemas metafísicos por uma “reflexão metafísica” mais informal baseada na vida ou visões de mundo, no jovem Rudolf Carnap, que estudou em Jena com o aluno de Dilthey, Herman Nohl, antes de se mudar para Viena. O artigo de Carnap “A Eliminação da Metafísica através da Análise Lógica da Linguagem” refere-se a Dilthey e seus alunos como contra-exemplos positivos para variedades de sistemas metafísicos sem sentido, tais quais encontrados em Fichte, Hegel e Heidegger. Outro ensaio de Carnap intitulado “Metafísica como Expressão de uma Atitude para com a vida” reconhece a importância da noção de Dilthey de “Lebensgefuehl”. O análogo de Carnap para "Weltanschauung" de Dilthey é "Weltauffassung". Carnap incorporou também uma concepção mais ou menos Diltheyana das ciências humanas em seu A Estrutura Lógica do Mundo, de 1928. Carnap se refere à Introdução às Ciências Humanas de Dilthey, mas substitui sua linguagem de "fatos da consciência" por "experiências elementares". Ele não faz referência à última obra principal de Dilthey, A Formação do Mundo Histórico nas Ciências Humanas, mas leu Teoria da Mente Objetiva de Hans Freyer, uma obra fortemente influenciada por A Formação de Dilthey e sua reinterpretação do espírito objetivo como meio de comunicação intersubjetiva. Carnap escreve em sua A Estrutura Lógica do Mundo "somente a história mais recente da filosofia (desde Dilthey) chamou atenção para a distinção metodológica e teórica do objeto do domínio das ciências humanas (Geisteswissenschaften)." (Carnap 1928: 23)
Carnap reconhece a natureza independente de objetos espirituais (geistigen) ou, intersubjetivos, como estados políticos e costumes sociais. Eles diferem dos objetos psíquicos e físicos porque podem “sobreviver” mesmo quando os sujeitos originais que os geraram “perecem e outros sujeitos tomam seu lugar” (Carnap 1928: 23). Não está claro por que a análise reflexiva de Dilthey dos métodos distintos das várias ciências e sua abordagem empírica da experiência vivida, não lhe renderam uma consideração mais séria pelo Círculo de Viena como um todo e, por outros filósofos analiticamente orientados. Contudo, o que é evidente é que sua teoria da compreensão (Verstehen) veio a ser amplamente mal interpretada como uma espécie de empatia. Embora Dilthey tenha diferenciado nitidamente entre compreensão, como um processo de julgamento e, empatia como um mero sentimento, Carnap sugeriu que a compreensão dos outros é um ato intuitivo que envolve uma medida de empatia, mas que pode ser examinado cognitivamente em parte por meio da análise de manifestações objetivas, variando de gestos, expressões linguísticas a ações práticas (Carnap 1928: 55, 143). Essa sugestão de Carnap pode ter influenciado negativamente as discussões subsequentes da teoria da Verstehen de Dilthey por filósofos analíticos, levando Theodor Abel, Ernest Nagel e Arthur Danto a ir ainda mais longe, reduzindo-a à "identificação empática". Mais tarde, Danto admitiu que este não é o caso e, reconheceu que “Verstehen é uma noção extremamente brilhante, totalmente mal concebida até o momento por crassos críticos filosóficos, inclusive eu” (Danto 1970: 215). Verstehen não é uma projeção imediata de nós mesmos nos outros, mas representa um processo deliberado que encontra o contexto apropriado para relacionar os outros e suas objetivações com o que já nos é familiar. É um modo reflexivo de investigação que fornece a estrutura para explicações mais específicas, sejam causais ou racionais.
Bibliografia
Literatura Primária
Obras Originais Citadas
Um asterisco (*) em uma data indica que a obra foi publicada postumamente.
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Sobre este verbete
Este verbete é tradução do verbete “Wilhelm Dilthey” da Stanford Encyclopedia of Philosophy - publicado pela primeira vez na quarta-feira, 16 de janeiro de 2008 e revisado substancialmente na terça-feira, 29 de setembro de 2020.. A tradução foi autorizada pela instituição detentora dos direitos. A tradução foi feita por Isabel Freitas Lima como exigência parcial para a disciplina de Psicologia do Desenvolvimento Cognitivo da UFF de Rio das Ostras em 2021.1. Por se tratar de uma tradução de verbete de outra enciclopédia, este verbete ficará fechado para edições por um período de 1 ano, até o dia 11/05/2022. A versão atual do verbete original pode ser encontrada aqui