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Isto posto, deveria ser notado que quando desanexada da tese idiossincrática que a mente não existe antes da atualização do pensar, a análise hilemórfica aristotélica do pensamento continua plausível e tem certa independência. A sugestão que o pensamento tem que ser compreendido ao menos parcialmente em termos isomórficos entre nossas capacidades representacionais e os objetos de nossa cognição teve, por uma boa razão, um apelo duradouro. Até o ponto em que hilemorfismo é defensável de maneira geral, sua aplicação neste domínio nos provém uma rica estrutura teórica para a investigação da natureza do pensamento. | Isto posto, deveria ser notado que quando desanexada da tese idiossincrática que a mente não existe antes da atualização do pensar, a análise hilemórfica aristotélica do pensamento continua plausível e tem certa independência. A sugestão que o pensamento tem que ser compreendido ao menos parcialmente em termos isomórficos entre nossas capacidades representacionais e os objetos de nossa cognição teve, por uma boa razão, um apelo duradouro. Até o ponto em que hilemorfismo é defensável de maneira geral, sua aplicação neste domínio nos provém uma rica estrutura teórica para a investigação da natureza do pensamento. | ||
= Desejo = | =Desejo= | ||
Tanto na percepção quanto no pensamento, as almas animais são em certa medidas ativas e passivas. Contudo, a mente e as faculdades sensíveis recebem suas respectivas formas quando pensam e percebem, atividades primordiais que não são integralmente passívas. Percepção envolve discriminação, enquanto pensamento envolve atendimento seletivo e abstração, ambas atividades que requisitam mais que uma mera passividade. Ainda, estas atividades que requerem da cognição e da percepção não explicam de maneira óbvia outra questão fundamental dos seres humanos e outros animais: animais propulsionam a si mesmos pelo espaço para possuírem coisas que desejam. Mesmo nas primeiras caracterizações da alma em De Anima, Aristóteles está atento à vasta noção de que a alma implica a moção (''De Anima'' i 2, 405b11; i 5 409b19–24). Obviamente esta é uma conexão natural que ele faz, dado que todo ser animado, isso é, todo ser com alma, tem entre seus princípios a moção e o repouso. Então, é intrínseco aos seres vivos que eles sejam capazes de mobilizarem a si mesmos de maneiras a garantir sua sobrevivência e florescimento. Animais mobilizam a si mesmos, porém, de maneira distinta: eles desejam coisas, com a resultante de que o desejo é a implicação central de todas as maneiras de ação dos animais. Por que um avestruz corre de um tigre? Porque, responderão facilmente, ela deseja sobreviver então engaja-se num comportamento de fuga. Por que um humano se dirige a uma ópera e lá senta-se em silêncio? Porque, ao que parece, ele deseja ouvir música e observar o espetáculo. | Tanto na percepção quanto no pensamento, as almas animais são em certa medidas ativas e passivas. Contudo, a mente e as faculdades sensíveis recebem suas respectivas formas quando pensam e percebem, atividades primordiais que não são integralmente passívas. Percepção envolve discriminação, enquanto pensamento envolve atendimento seletivo e abstração, ambas atividades que requisitam mais que uma mera passividade. Ainda, estas atividades que requerem da cognição e da percepção não explicam de maneira óbvia outra questão fundamental dos seres humanos e outros animais: animais propulsionam a si mesmos pelo espaço para possuírem coisas que desejam. Mesmo nas primeiras caracterizações da alma em De Anima, Aristóteles está atento à vasta noção de que a alma implica a moção (''De Anima'' i 2, 405b11; i 5 409b19–24). Obviamente esta é uma conexão natural que ele faz, dado que todo ser animado, isso é, todo ser com alma, tem entre seus princípios a moção e o repouso. Então, é intrínseco aos seres vivos que eles sejam capazes de mobilizarem a si mesmos de maneiras a garantir sua sobrevivência e florescimento. Animais mobilizam a si mesmos, porém, de maneira distinta: eles desejam coisas, com a resultante de que o desejo é a implicação central de todas as maneiras de ação dos animais. Por que um avestruz corre de um tigre? Porque, responderão facilmente, ela deseja sobreviver então engaja-se num comportamento de fuga. Por que um humano se dirige a uma ópera e lá senta-se em silêncio? Porque, ao que parece, ele deseja ouvir música e observar o espetáculo. | ||
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Aristóteles apresenta certa hesitação ao discutir sobre o desejo e sua relação com a razão prática na etiologia das ações animais. Alguns, em consequência disto, concluíram que sua abordagem pode ser considerada no melhor dos casos rudimentar, ou pior, aturdida. Parece não haver base para críticas tão duras. Provavelmente Aristóteles é simplesmente sensível às nuances que envolvem a abordagem das questões relacionadas à filosofia da ação. Diferentemente de muitos seguidores de Hume, ele evidentemente reconhece o fato deste domínio ser instável e oscilante enquanto abordagem de uma teoria taxonómica. Os antecedentes da ação, ele conclui, envolvem algum tipo de faculdade do desejo; mas ele é relutante em concluir que o desejo em si é suficiente para implicar uma explicação do comportamento intencional. De alguma maneira, ele também conclui que a razão prática e a imaginação conjuntamente desempenham um papel indispensável. | Aristóteles apresenta certa hesitação ao discutir sobre o desejo e sua relação com a razão prática na etiologia das ações animais. Alguns, em consequência disto, concluíram que sua abordagem pode ser considerada no melhor dos casos rudimentar, ou pior, aturdida. Parece não haver base para críticas tão duras. Provavelmente Aristóteles é simplesmente sensível às nuances que envolvem a abordagem das questões relacionadas à filosofia da ação. Diferentemente de muitos seguidores de Hume, ele evidentemente reconhece o fato deste domínio ser instável e oscilante enquanto abordagem de uma teoria taxonómica. Os antecedentes da ação, ele conclui, envolvem algum tipo de faculdade do desejo; mas ele é relutante em concluir que o desejo em si é suficiente para implicar uma explicação do comportamento intencional. De alguma maneira, ele também conclui que a razão prática e a imaginação conjuntamente desempenham um papel indispensável. | ||
= Notas = | =Notas= | ||
1 Todos os nomes de obras de Aristóteles foram mantidos conforme o manuscrito original. | 1 Todos os nomes de obras de Aristóteles foram mantidos conforme o manuscrito original. | ||
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4 Não incluído nesta versão. | 4 Não incluído nesta versão. | ||
= Bibliografia = | =Bibliografia= | ||
== Textos, traduções e comentário == | ==Textos, traduções e comentário== | ||
Aquinas, Thomas, 1999. A Commentary in Aristotle's De Anima, translated by | Aquinas, Thomas, 1999. A Commentary in Aristotle's De Anima, translated by Robert Pasnau. New Haven: Yale University Press. | ||
Robert Pasnau. New Haven: Yale University Press. | |||
Apohastle, Hippocrates, 1981. Aristotle's On the Soul, Grinell, Iowa: Peripatetic | Apohastle, Hippocrates, 1981. Aristotle's On the Soul, Grinell, Iowa: Peripatetic Press. | ||
Press. | |||
Beare, J. I. and Ross, G.R.T., 1908. The Parva Naturalia, Oxford: Clarendon | Beare, J. I. and Ross, G.R.T., 1908. The Parva Naturalia, Oxford: Clarendon Press. | ||
Press. | |||
Hamlyn, D.W. [1968] 1993. Aristotle De Anima, Books II and III (with | Hamlyn, D.W. [1968] 1993. Aristotle De Anima, Books II and III (with passages from Book I), translated with Introduction and Notes by D.W. Hamlyn, with a Report on Recent Work and a Revised Bibliography by Christopher Shields, Oxford: Clarendon Press. (First edition, 1968.). | ||
passages from Book I), translated with Introduction and Notes by D.W. Hamlyn, | |||
with a Report on Recent Work and a Revised Bibliography by Christopher | Hicks, Robert Drew, 1907. Aristotle, De Anima, with translation, introduction and notes, Cambridge: Cambridge University Press. | ||
Shields, Oxford: Clarendon Press. (First edition, 1968.). | |||
Hicks, Robert Drew, 1907. Aristotle, De Anima, with translation, introduction | |||
and notes, Cambridge: Cambridge University Press. | |||
Lawson-Tancred, H., 1986 Aristotle: De Anima, Harmondsworth: Penguin. | Lawson-Tancred, H., 1986 Aristotle: De Anima, Harmondsworth: Penguin. | ||
Rodier, G., 1900. Aristote: Traité de l’âme, Paris: Leux. | Rodier, G., 1900. Aristote: Traité de l’âme, Paris: Leux. | ||
Ross, G.R.T., 1906. Aristotle, De Sensu and De Memoria, text and translation, | |||
with introduction and commentary, Cambridge: Cambridge University Press. | Ross, G.R.T., 1906. Aristotle, De Sensu and De Memoria, text and translation, with introduction and commentary, Cambridge: Cambridge University Press. | ||
Ross, W.D., 1955. Aristotle: Parva Naturalia, Oxford: Clarendon Press. | Ross, W.D., 1955. Aristotle: Parva Naturalia, Oxford: Clarendon Press. | ||
Ross, W.D., 1961. Aristotle, De Anima, edited, with introduction and | |||
commentary, Oxford: Clarendon Press. | Ross, W.D., 1961. Aristotle, De Anima, edited, with introduction and commentary, Oxford: Clarendon Press. | ||
Sorabji, R., 1972. Aristotle on Memory, London: Duckworth. | Sorabji, R., 1972. Aristotle on Memory, London: Duckworth. | ||
Theiler, W., 1979. Aristoteles: Über die Seele, Berlin: Akademie Verlag. | Theiler, W., 1979. Aristoteles: Über die Seele, Berlin: Akademie Verlag. | ||
==Artigos e capítulos de livro== | |||
Ackrill, J.L, 1972/73. ‘Aristotle's Definitions of psuchê,’ Proceedings of the Aristotelian Society 73: 1991–33. Reprinted in Barnes, Schofield, and Sorabji 1979, 65–75. | |||
Annas, Julia, 1986. ‘Aristotle on Memory and the Self,’ Oxford Studies in Ancient Philosophy, 4: 99–117. Reprinted in Nussbaum and Rorty [1992] 1995, 297–311. | |||
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Ackrill, J.L, 1972/73. ‘Aristotle's Definitions of psuchê,’ Proceedings of the | |||
Aristotelian Society 73: 1991–33. Reprinted in Barnes, Schofield, and Sorabji | |||
1979, 65–75. | |||
Annas, Julia, 1986. ‘Aristotle on Memory and the Self,’ Oxford Studies in | |||
Ancient Philosophy, 4: 99–117. Reprinted in Nussbaum and Rorty [1992] 1995, | |||
297–311. | |||
Barker, A, 1981. ‘Aristotle on Perception and Ratios,’ Phronesis, 26: 248–66. | Barker, A, 1981. ‘Aristotle on Perception and Ratios,’ Phronesis, 26: 248–66. | ||
Barnes, Jonathon, [1971/72] 1979. ‘Aristotle's Concept of Mind,’ Proceedings | |||
of the Aristotelian Society, 72 (1971/72): 101–14. Reprinted in Barnes, | Barnes, Jonathon, [1971/72] 1979. ‘Aristotle's Concept of Mind,’ Proceedings of the Aristotelian Society, 72 (1971/72): 101–14. Reprinted in Barnes, Schofield, and Sorabji 1979, 32–41. | ||
Schofield, and Sorabji 1979, 32–41. | |||
Berti, Enrico, 1978. ‘The Intellection of Indivisibles according to Aristotle,’ in | Berti, Enrico, 1978. ‘The Intellection of Indivisibles according to Aristotle,’ in Lloyd and Owen 1978, 141–64. | ||
Lloyd and Owen 1978, 141–64. | |||
Birondo, Noell, 2001. ‘Aristotle on Illusory Perception,’ Ancient Philosophy, | Birondo, Noell, 2001. ‘Aristotle on Illusory Perception,’ Ancient Philosophy, 21: 57–71. | ||
21: 57–71. | |||
Block, Irving, 1960. ‘Aristotle and the Physical Object,’ Philosophy and | Block, Irving, 1960. ‘Aristotle and the Physical Object,’ Philosophy and Phenomenological Research, 21: 93–101. | ||
Phenomenological Research, 21: 93–101. | |||
–––, 1961. ‘Truth and Error in Aristotle's Theory of Sense Perception,’ | –––, 1961. ‘Truth and Error in Aristotle's Theory of Sense Perception,’ Philosophical Quarterly, 11: 1–9. | ||
Philosophical Quarterly, 11: 1–9. | |||
–––, 1965. ‘On the Commonness of the Common Sensibles,’ Australasian | –––, 1965. ‘On the Commonness of the Common Sensibles,’ Australasian Journal of Philosophy, 43: 189–95. | ||
Journal of Philosophy, 43: 189–95. | |||
–––, 1988. ‘Aristotle on Common Sense: A Reply to Kahn and Others,’ Ancient | –––, 1988. ‘Aristotle on Common Sense: A Reply to Kahn and Others,’ Ancient Philosophy, 8: 235–49. | ||
Philosophy, 8: 235–49. | |||
Bolton, R, 1978. ‘Aristotle's Definitions of the Soul: De Anima, II, 1–3,’ | Bolton, R, 1978. ‘Aristotle's Definitions of the Soul: De Anima, II, 1–3,’ Phronesis, 23: 258–78. | ||
Phronesis, 23: 258–78. | |||
Bradshaw, D, 1997. ‘Aristotle on Perception: The Dual-Logos Theory,’ | Bradshaw, D, 1997. ‘Aristotle on Perception: The Dual-Logos Theory,’ Apeiron, 30: 143–61. | ||
Apeiron, 30: 143–61. | |||
Broackes, Justin, 1999. ‘Aristotle, Objectivity and Perception,’ Oxford Studies | Broackes, Justin, 1999. ‘Aristotle, Objectivity and Perception,’ Oxford Studies in Ancient Philosophy17: 57–113. | ||
in Ancient Philosophy17: 57–113. | |||
Broadie, Sarah, 1992. ‘Aristotle's Perceptual Realism,’ in Ellis 1992, 137–59. | Broadie, Sarah, 1992. ‘Aristotle's Perceptual Realism,’ in Ellis 1992, 137–59. | ||
–––, 1996. ‘Nous, and Nature in Aristotle's De Anima, III,’ Proceedings of the | |||
Boston Area Colloquium in Ancient Philosophy, 12: 163–76. | –––, 1996. ‘Nous, and Nature in Aristotle's De Anima, III,’ Proceedings of the Boston Area Colloquium in Ancient Philosophy, 12: 163–76. | ||
Burnyeat, Myles. [1992] 1995. ‘Is an Aristotelian Philosophy of Mind Still | |||
Credible? (A Draft),’ in Nussbaum and Rorty [1992] 1995, 15–26. | Burnyeat, Myles. [1992] 1995. ‘Is an Aristotelian Philosophy of Mind Still Credible? (A Draft),’ in Nussbaum and Rorty [1992] 1995, 15–26. | ||
–––, 1995. ‘How Much Happens When Aristotle Sees Red and Hears Middle | |||
C? Remarks on De Anima, 2. 7–8,’ in Nussbaum and Rorty 1995, 421–34. | –––, 1995. ‘How Much Happens When Aristotle Sees Red and Hears Middle C? Remarks on De Anima, 2. 7–8,’ in Nussbaum and Rorty 1995, 421–34. | ||
–––, 2002. ‘De Anima, II, 5,’ Phronesis, 47, 28-90. | –––, 2002. ‘De Anima, II, 5,’ Phronesis, 47, 28-90. | ||
Bynum, T.W, 1987. ‘A New Look at Aristotle's Theory of Perception,’ The | |||
History of Philosophy Quarterly, 4: 163–78. | Bynum, T.W, 1987. ‘A New Look at Aristotle's Theory of Perception,’ The History of Philosophy Quarterly, 4: 163–78. | ||
Cashdollar, S, 1973. ‘Aristotle's Account of Incidental Perception,’ Phronesis, | |||
18: 156–75. | Cashdollar, S, 1973. ‘Aristotle's Account of Incidental Perception,’ Phronesis, 18: 156–75. | ||
Caston, Victor, 1992. ‘Aristotle and Supervenience,’ in Ellis 1993, 107–35. | Caston, Victor, 1992. ‘Aristotle and Supervenience,’ in Ellis 1993, 107–35. | ||
–––, 1997.‘Epiphenomenalisms, Ancient and Modern,’ The Philosophical | |||
Review, 106: 309–63. | –––, 1997.‘Epiphenomenalisms, Ancient and Modern,’ The Philosophical Review, 106: 309–63. | ||
–––, 1996. ‘Why Aristotle Needs Imagination,’ Phronesis, 41: 20–55. | –––, 1996. ‘Why Aristotle Needs Imagination,’ Phronesis, 41: 20–55. | ||
–––, 1998. ‘Aristotle and the Problem of Intentionality,’ Philosophy and | |||
Phenomenological Research, 58: 249–98. | –––, 1998. ‘Aristotle and the Problem of Intentionality,’ Philosophy and Phenomenological Research, 58: 249–98. | ||
–––, 1999. ‘Aristotle's Two Intellects: A Modest Proposal,’ Phronesis, 44: | |||
199–227. | –––, 1999. ‘Aristotle's Two Intellects: A Modest Proposal,’ Phronesis, 44: 199–227. | ||
–––, 2000. ‘Aristotle's Argument for Why the Understanding is not Compounded | |||
with the Body,’ Proceedings of the Boston Area Colloquium in Ancient | –––, 2000. ‘Aristotle's Argument for Why the Understanding is not Compounded with the Body,’ Proceedings of the Boston Area Colloquium in Ancient Philosophy, 16: 135–75. | ||
Philosophy, 16: 135–75. | |||
–––, 2002. ‘Aristotle on Consciousness,’ Mind, 111: 751-815. | –––, 2002. ‘Aristotle on Consciousness,’ Mind, 111: 751-815. | ||
–––, 2005. ‘The Spirit and the Letter: Aristotle on Perception,’ in R. Salles (ed.), | |||
Metaphysics, Soul, and Ethics in Ancient Thought: Themes from the Work of | –––, 2005. ‘The Spirit and the Letter: Aristotle on Perception,’ in R. Salles (ed.), Metaphysics, Soul, and Ethics in Ancient Thought: Themes from the Work of Richard Sorabji, 245-320. Oxford: Clarendon Press. | ||
Richard Sorabji, 245-320. Oxford: Clarendon Press. | |||
Charlton, William, 1985. ‘Aristotle and the harmonia Theory,’ in Allan Gotthelf | Charlton, William, 1985. ‘Aristotle and the harmonia Theory,’ in Allan Gotthelf (ed.), Aristotle on Nature and Living Things, 131–50. Pittsburgh: Mathesis Publications, Inc. | ||
(ed.), Aristotle on Nature and Living Things, 131–50. Pittsburgh: Mathesis | |||
Publications, Inc. | –––, 1987. ‘Aristotle on the Place of the Mind in Nature,’ in A. Gotthelf and J.G. Lennox (eds.), Philosophical Issues in Aristotle's Biology, 408–23. Cambridge: Cambridge University Press. | ||
–––, 1987. ‘Aristotle on the Place of the Mind in Nature,’ in A. Gotthelf and | |||
J.G. Lennox (eds.), Philosophical Issues in Aristotle's Biology, 408–23. | Code, Alan, 1987. ‘Soul as Efficient Cause in Aristotle's Embryology,’ Philosophical Topics, 15: 51–9. | ||
Cambridge: Cambridge University Press. | |||
Code, Alan, 1987. ‘Soul as Efficient Cause in Aristotle's Embryology,’ | –––, 1991. ‘Aristotle, Searle, and the Mind-Body Problem,’ in Ernest Lepore and Robert van Gulick (eds.), John Searle and his Critics, 105–13. Oxford: Basil Blackwell. | ||
Philosophical Topics, 15: 51–9. | |||
–––, 1991. ‘Aristotle, Searle, and the Mind-Body Problem,’ in Ernest Lepore | Code, Alan and Julius Moravcsik. [1992] 1995. ‘Explaining Various Forms of Living,’ in Nussbaum and Rorty [1992] 1995, 129–45. | ||
and Robert van Gulick (eds.), John Searle and his Critics, 105–13. Oxford: | |||
Basil Blackwell. | Cohen, S. Marc. [1992] 1995. ‘Hylomorphism and Functionalism,’ in Nussbaum and Rorty [1992] 1995, 57–73. | ||
Code, Alan and Julius Moravcsik. [1992] 1995. ‘Explaining Various Forms of | |||
Living,’ in Nussbaum and Rorty [1992] 1995, 129–45. | Cooper, John M, 1996. ‘An Aristotelian Theory of the Emotions,’ in Rorty 1996, 238–57. | ||
Cohen, S. Marc. [1992] 1995. ‘Hylomorphism and Functionalism,’ in | |||
Nussbaum and Rorty [1992] 1995, 57–73. | |||
Cooper, John M, 1996. ‘An Aristotelian Theory of the Emotions,’ in Rorty | |||
1996, 238–57. | |||
Easterling, H.J, 1966. ‘A Note on De Anima 414a4–14,’ Phronesis, 11: 159–62. | Easterling, H.J, 1966. ‘A Note on De Anima 414a4–14,’ Phronesis, 11: 159–62. | ||
Ebert, T, 1983. ‘Aristotle on What is Done in Perceiving,’ Zeitschrift für | |||
philosophische Forschung, 37: 181–98. | Ebert, T, 1983. ‘Aristotle on What is Done in Perceiving,’ Zeitschrift für philosophische Forschung, 37: 181–98. | ||
Engmann, Joyce, 1976. ‘Imagination and Truth in Aristotle,’ Journal of the | |||
History of Philosophy, 14: 259–65. | Engmann, Joyce, 1976. ‘Imagination and Truth in Aristotle,’ Journal of the History of Philosophy, 14: 259–65. | ||
Fine, Gail, 1993. ‘The Object of Thought Argument: Forms and Thoughts,’ | |||
Chapter 9 of On Ideas: Aristotle's Criticism of Plato's Theory of Forms, | Fine, Gail, 1993. ‘The Object of Thought Argument: Forms and Thoughts,’ Chapter 9 of On Ideas: Aristotle's Criticism of Plato's Theory of Forms, 120–41. Oxford: Clarendon Press. | ||
120–41. Oxford: Clarendon Press. | |||
Frede, Dorothea, 1992. ‘The Cognitive Role of Phantasia, in Aristotle,’ in | Frede, Dorothea, 1992. ‘The Cognitive Role of Phantasia, in Aristotle,’ in Nussbaum and Rorty [1992] 1995, 279–95. | ||
Nussbaum and Rorty [1992] 1995, 279–95. | |||
Frede, Michael. [1992] 1995. ‘On Aristotle's Conception of Soul,’ in Nussbaum | Frede, Michael. [1992] 1995. ‘On Aristotle's Conception of Soul,’ in Nussbaum and Rorty [1992] 1995, 93–107. | ||
and Rorty [1992] 1995, 93–107. | |||
Freeland, Cynthia. [1992] 1995. ‘Aristotle on the Sense of Touch,’ in Nussbaum | Freeland, Cynthia. [1992] 1995. ‘Aristotle on the Sense of Touch,’ in Nussbaum and Rorty [1992] 1995, 226–48. | ||
and Rorty [1992] 1995, 226–48. | |||
–––, 1994. ‘Aristotle on Perception, Appetition, and Self-Motion,’ in Gill and | –––, 1994. ‘Aristotle on Perception, Appetition, and Self-Motion,’ in Gill and Lennox 1994, 35-63. | ||
Lennox 1994, 35-63. | |||
Gallop, David, 1988. ‘Aristotle on Sleep, Dreams, and Final Causes,’ | Gallop, David, 1988. ‘Aristotle on Sleep, Dreams, and Final Causes,’ Proceedings of the Boston Area Colloquium in Ancient Philosophy, 4: 257–90. | ||
Proceedings of the Boston Area Colloquium in Ancient Philosophy, 4: 257–90. | |||
Ganson, Todd, 1997. ‘What's Wrong with the Aristotelian Theory of Sensible | Ganson, Todd, 1997. ‘What's Wrong with the Aristotelian Theory of Sensible Qualities?’ Phronesis, 42: 263–82. | ||
Qualities?’ Phronesis, 42: 263–82. | |||
Gerson, Lloyd,2004. ‘The Unity of Intellect in Aristotle's De Anima,’ Phronesis, | Gerson, Lloyd,2004. ‘The Unity of Intellect in Aristotle's De Anima,’ Phronesis, 49: 348–73. | ||
49: 348–73. | |||
Granger, Herbert, 1990. ‘Aristotle and the Functionalist Debate,’ Apeiron, 23: | Granger, Herbert, 1990. ‘Aristotle and the Functionalist Debate,’ Apeiron, 23: 27–49. | ||
27–49. | |||
–––, 1993. ‘Aristotle and the Concept of Supervenience,’ The Southern Journal | –––, 1993. ‘Aristotle and the Concept of Supervenience,’ The Southern Journal of Philosophy, 31: 161–77. | ||
of Philosophy, 31: 161–77. | |||
–––, 1994. ‘Supervenient Dualism,’ Ratio, 7: 1–13. | –––, 1994. ‘Supervenient Dualism,’ Ratio, 7: 1–13. | ||
Hamlyn, D.W, 1959. ‘Aristotle's Account of aesthesis in the De Anima,’ | |||
Classical Quarterly, 9: 6–16. | Hamlyn, D.W, 1959. ‘Aristotle's Account of aesthesis in the De Anima,’ Classical Quarterly, 9: 6–16. | ||
–––, ‘Koinê Aisthêsis,’ The Monist, 52: 195–209. | –––, ‘Koinê Aisthêsis,’ The Monist, 52: 195–209. | ||
Hardie, W.F.R, 1976. ‘Concepts of Consciousness in Aristotle,’ Mind, n.s., 85: | |||
388–411. | Hardie, W.F.R, 1976. ‘Concepts of Consciousness in Aristotle,’ Mind, n.s., 85: 388–411. | ||
Heinaman, Robert, 1990. ‘Aristotle and the Mind-Body Problem,’ Phronesis, | |||
35: 83–102. | Heinaman, Robert, 1990. ‘Aristotle and the Mind-Body Problem,’ Phronesis, 35: 83–102. | ||
Irwin, Terence, 1991. ‘Aristotle's Philosophy of Mind,’ in Stephen Everson | |||
(ed.), Psychology, 56–83. (= Companions to Ancient Thought, vol. 2.) | Irwin, Terence, 1991. ‘Aristotle's Philosophy of Mind,’ in Stephen Everson (ed.), Psychology, 56–83. (= Companions to Ancient Thought, vol. 2.) Cambridge: Cambridge University Press. | ||
Cambridge: Cambridge University Press. | |||
Johansen, T. K., 2006. ‘In Defense of Inner Sense: Aristotle on Perceiving that | Johansen, T. K., 2006. ‘In Defense of Inner Sense: Aristotle on Perceiving that One Sees,’ Proceedings of the Colloquium on Ancient Philosophy, 21: 235–76. | ||
One Sees,’ Proceedings of the Colloquium on Ancient Philosophy, 21: 235–76. | |||
Kahn, Charles H., [1966] 1979. ‘Sensation and Consciousness in Aristotle's | Kahn, Charles H., [1966] 1979. ‘Sensation and Consciousness in Aristotle's Psychology,’ Archiv für Geschichte der Philosophie, 48 (1966): 43–81. Reprinted in Barnes, Schofield, and Sorabji 1979, 1–31. | ||
Psychology,’ Archiv für Geschichte der Philosophie, 48 (1966): 43–81. | |||
Reprinted in Barnes, Schofield, and Sorabji 1979, 1–31. | –––, [1992] 1995. ‘Aristotle on Thinking,’ in Nussbaum and Rorty [1992] 1995, 359–80. | ||
–––, [1992] 1995. ‘Aristotle on Thinking,’ in Nussbaum and Rorty [1992] 1995, | |||
359–80. | Kosman, Aryeh, 1975. ‘Perceiving that we Perceive,’ The Philosophical Review, 84: 499–519. | ||
Kosman, Aryeh, 1975. ‘Perceiving that we Perceive,’ The Philosophical | |||
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[1992] 1995, 343–58. | |||
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3–8,’ Dialogue, 24: 483–505. | White, Kevin, 1985. ‘The Meaning of Phantasia, in Aristotle's De Anima, III, 3–8,’ Dialogue, 24: 483–505. | ||
Wilkes, Kathleen, [1992] 1995. ‘Psuchê versus the Mind,’ in Nussbaum and | |||
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Society, suppl. vol. 39: 139–54. | Williams, C.J.F., 1965. ‘Form and Sensation,’ Proceedings of the Aristotelian Society, suppl. vol. 39: 139–54. | ||
Witt, Charlotte, 1996. ‘Aristotelian Perceptions,’ Proceedings of the Boston | |||
Area Colloquium in Ancient Philosophy, 12: 310–16. | Witt, Charlotte, 1996. ‘Aristotelian Perceptions,’ Proceedings of the Boston Area Colloquium in Ancient Philosophy, 12: 310–16. | ||
Woolf, Raphael, 1999. ‘The Coloration of Aristotelian Eye-Jelly: A note on On | |||
Dreams, 459b-460a,’ Journal of the History of Philosophy, 37: 385–91. | Woolf, Raphael, 1999. ‘The Coloration of Aristotelian Eye-Jelly: A note on On Dreams, 459b-460a,’ Journal of the History of Philosophy, 37: 385–91. | ||
= Sobre este verbete = | |||
=Sobre este verbete= | |||
Este verbete se trata de uma tradução de outro verbete chamado: "Aristotle Psychology" da Stanford Encyclopedia of Philosophy - publicado em 11/01/2000 e revisado em 23/08/2010-, feita, com a autorização da instituição detentora dos direitos, por André Elias Morreli e Yuri Pereira. Por se tratar de uma tradução, este verbete ficara fechado por um período de 1 ano, até o dia 09/09/2021. | Este verbete se trata de uma tradução de outro verbete chamado: "Aristotle Psychology" da Stanford Encyclopedia of Philosophy - publicado em 11/01/2000 e revisado em 23/08/2010-, feita, com a autorização da instituição detentora dos direitos, por André Elias Morreli e Yuri Pereira. Por se tratar de uma tradução, este verbete ficara fechado por um período de 1 ano, até o dia 09/09/2021. |
Edição das 18h54min de 9 de setembro de 2020
Introdução
Aristóteles (384-322 AC) nasceu na Macedônia, noroeste da atual Grécia, mas passou a maior parte de sua vida adulta em Atenas. Sua vida está dividida em dois períodos. Primeiro como membro da Academia de Platão (367-347AC), e depois como diretor da própria escola, o Liceu (334-323AC). Passou um período em Assos e Lesbos, além de um breve retorno à Macedônia. Seus anos fora de Atenas foram utilizados, em sua maior parte, fazendo pesquisas na área da biologia e escrevendo. Com base nos seus escritos, a obra mais importante de Aristóteles sobre psicologia provavelmente pertence à sua segunda temporada em Atenas, tal qual a maior parte do seu período maduro. Seu trabalho principal em Psicologia, De Anima, reflete diferentes caminhos do seu interesse na taxonomia e suas sofisticadas teorias físicas e metafísicas.
Por causa da longa tradição e de exposição que se desenvolveu em torno da obra aristotélica De Anima1, a interpretação das teses principais é, ocasionalmente, objeto de debate. Além disso, por conta de suas afinidades com algumas abordagens na filosofia contemporânea da mente, a psicologia de Aristóteles tem recebido interesse renovado, incitando várias interpretações nas décadas mais recentes. Consequentemente, este verbete se faz em dois diferentes níveis. O artigo principal explica o centro e as partes essenciais da psicologia aristotélica, evitando uma possível controvérsia e deixando de tecer qualquer comentário crítico. Ao final de cada seção os leitores são convidados a explorar problemas ou características avançadas da teoria aristotélica a partir de links de internet2
Escritos psicológicos de Aristóteles
Aristóteles investigou o fenômeno psicológico primeiramente em De Anima, bem como na coleção, menos conhecida, de pequenos trabalhos chamada Parva Naturalia, na qual as partes mais notáveis são De Sensu e De Memoria. Ele também toca no assunto da psicologia em alguns tópicos encontrados ao longo de seus tratados de Ética, Política e Metafísica, assim como em escritos científicos, especialmente em De Motu Animalium. Os trabalhos em Parva Naturalia são, em comparação com De Anima, orientados empiricamente, investigando, como diz Aristóteles “os fenômenos comuns da alma e do corpo” (De Sensu 1, 436a6-8). Esta contrasta com De Anima, onde introduz questões a serem refletidas como “todos os humores são comuns com aquilo que há na alma ou se há humores exclusivos da própria alma” (De Anima i 1, 402a3-5). Aqui Aristóteles quer saber se todos os estados psicológicos são também estados materiais corporais. “Sobre isto”, ele lembra “é necessário se demorar, mas não é fácil” (De Anima, i 1, 402a5). Neste sentido De Anima contém um nível mais alto de abstração do que Parva Naturalia. É, no geral, mais teórico, mais autoconsciente sobre o método, e mais atento para questões filosóficas gerais sobre a percepção, pensamento e as relações mente-corpo.
Em ambos, De Anima e Parva Naturalia, Aristóteles assume uma posição que pode causar uma certa estranheza e confundir alguns de seus leitores modernos. Ele toma a psicologia como uma parte da ciência que investiga a alma e suas propriedades, mas ele acredita que a alma é um princípio geral da vida, o que resulta num estudo aristotélico da psicologia de todos os seres vivos, e não apenas naqueles que ele observa ou toma como possuidores de mente, ou seja, os seres humanos. Então, em De Anima, ele tem por tarefa compreender as atividades de qualquer forma de vida, plantas e animais, lado a lado com os humanos (De Anima ii 11, 423a20-6, cf. ii1, 412a13; cf. De Generatione Animalium ii 3, 736b; De partibus Animalium iv 5, 681a12). Em comparação com as disciplinas modernas da Psicologia, a psicologia aristotélica tem um plano muito amplo. Ele também foca sua atenção para a questão da própria natureza da vida, um tema que está fora dos interesses da psicologia nos contextos modernos. Na abordagem aristotélica, a psicologia estuda a alma (psyché em grego, ou anima em latim); então investiga todos os seres com alma ou animados.
Há, contudo, um ponto de contato entre as investigações de Aristóteles sobre a alma e as disciplinas contemporâneas da Psicologia: em ambos os casos, problemas diferentes permitem questionamentos e métodos de investigação diferentes, resultando numa dificuldade de entender como tão diferentes investigações podem ser conduzidas sob o mesmo rótulo, e que poderiam perfeitamente pertencer a qualquer outra disciplina. Alguém investigando os métodos da psicanálise freudiana não irá, certamente, ver qualquer semelhança entre esta e os métodos e objetivos de um psicólogo estudioso do cérebro ou um comportamentalista genético. Da mesma forma, Aristóteles parece ser relutante em investigar a alma como pertencente exclusivamente à ciência natural, que é, para ele, uma área da ciência teórica voltada para investigação de seres capazes de mostrar mudanças. Ele separa “física”, isto é, ciência natural, da matemática e da “filosofia primeira” ao longo de seus escritos (Meta. Vi 1 1025b27-30, 1026a18; xi 7 1064a16-19, b1-3.) Por um lado, ele insiste que, por conta dos vários estados psicológicos, incluindo raiva, alegria, coragem, pena, amor e ódio, tudo envolve, central e obviamente, o corpo. O estudo da alma “já está na alçada do cientista natural” (De Anima, i 1 403ª16-28). Ao mesmo tempo, porém, ele insiste que a mente ou o intelecto (nous) pode não estar presente no corpo da mesma forma que estes vários estados, então ele recusa um estudo da alma exclusivamente focado nas ciências naturais (Meta. Vi 1 1026a4-6; De Partibus Animalium i 1 645a33-b10). Possivelmente isto explica o porquê, no capítulo de abertura de De Anima, Aristóteles relata uma profunda e verdadeira perplexidade sobre o melhor método de investigação dos assuntos psicológicos (De Anima i 1 402a16-22). Se ciências diferentes empregam métodos diferentes, e o estudo da alma fica dualizado ou bifurcado, então não poderia pertencer a uma única ciência; isso se mostra uma verdadeira dificuldade em definir qual o melhor método de investigação sobre esse assunto. Parece correto dizer que tais dilemas jamais chegam a ser verdadeiramente superados. Embora uma abordagem totalmente naturalista da filosofia da ciência esteja predominante atualmente, jamais será possível afirmar com total certeza que a disciplina da psicologia continuará utilizando os métodos a priori tradicionais; algumas áreas das ciências cognitivas parecem fazer uma mescla dos dois. De qualquer forma, tendo em vista as dificuldades apontadas para o estudo da alma, Aristóteles apresenta uma certa modéstia quando a toma como objeto de investigação: “Obter qualquer conhecimento verdadeiro sobre a alma é certamente tarefa das mais difíceis” (De Anima, i 1 402a10-11).
Hilemorfismo em geral
Em De Anima, Aristóteles faz uso intenso de uma terminologia técnica que foi introduzida e desenvolvida em diferentes partes de seus trabalhos. Ele se vale, por exemplo, de um vocabulário derivado de suas teorias físicas e metafísicas, onde a alma é a “primeira actualização1 de um corpo orgânico natural” (De Anima ii 1, 412b5-6), isto é, uma “substância com forma de um corpo natural que tem a vida em potência” (De Anima ii 1, 412a20-1) e, similarmente, que é “a primeira atualização de um corpo natural que tem a vida em potência” (De Anima ii 1, 412a27-8), tudo podendo ser aplicado a plantas, animais e seres humanos indistintamente.
Ao conceituar corpo e alma dessa forma, Aristóteles aplica conceitos mais amplos que seu Hilemorfismo, um quadro conceitual que subjaz praticamente toda sua teorização madura. Por conseguinte, é necessário iniciar um breve panorama deste quadro. A partir daí será possível mostrar a abordagem aristotélica geral das relações mente-corpo, e depois, finalmente, considerar suas análises sobre as propriedades individuais da alma.
Hilemorfismo é uma palavra composta dos termos gregos matéria (hulê) e forma (morphê); assim a palavra poderia descrever igualmente a visão que Aristóteles tem de corpo e alma como uma instância de sua “forma-matéria”. Isto é, quando ele introduz a alma como a forma do corpo, que por sua vez se pode dizer que é a matéria da alma, Aristóteles trata as relações corpo-alma como um caso especial de um tipo de relação mais ampla que se observa entre os componentes de todos os compostos que foram gerados ou criados, sejam eles naturais ou artificiais.
As noções de forma e matéria são elas próprias, no entanto, desenvolvidas dentro do contexto de uma teoria geral da causalidade e explicação que aparece, de uma forma ou de outra, em todos os trabalhos maduros de Aristóteles. De acordo com esta teoria, quando queremos explicar o que é necessário saber, por exemplo, sobre uma estátua de bronze, uma explicação completa basicamente pede, pelo menos, os seguintes quatro fatores: matéria da estátua, a sua forma ou estrutura, o agente responsável para que essa matéria tenha manifestado sua forma ou estrutura e a finalidade para a qual a matéria foi feita para perceber ou ter essa mesma forma ou estrutura. Esses quatro fatores ele chama de as quatro causas (aitiai):
Causa material: a partir do qual algo é gerado e a partir do qual é feito, por exemplo, o bronze de uma estátua. |
Causa formal: a estrutura que compreende a matéria e, em termos dos quais a matéria vem a ser algo determinado, por exemplo, a forma de Hermes em virtude da qual esta quantidade de bronze se configura como uma estátua de Hermes. |
Causa eficiente: o agente responsável pela quantidade de matéria para a qual foi dada a forma, por exemplo, o escultor que forma a quantidade de bronze na forma atual de Hermes. |
Causa final: o propósito ou objetivo do composto de forma e matéria, por exemplo, a estátua foi criada com o propósito de honrar Hermes. |
Para uma ampla variedade de casos, Aristóteles implicitamente faz afirmações individuais sobre estas quatro causas: (i) uma explicação completa requer referência a todos os quatro, e (ii) uma vez que tal referência é feita, nenhuma outra explicação é necessária. Assim, utilizar as quatro causas é necessário e suficiente para a completa adequação na explicação. Embora nem todas as coisas que admitem explicação tenham todas as quatro causas como, por exemplo, figuras geométricas, que não tem causa eficiente, uma breve visão geral de seus escritos sobre psicologia revela que Aristóteles considera todas as quatro causas como importantes na explicação dos seres vivos. Um macaco, por exemplo, tem a matéria, o seu corpo; forma, a sua alma; uma causa eficiente, a sua mãe que o gerou; e uma causa final, a sua função. Além disso, ele sustenta que a forma é a realidade do corpo, que é sua matéria: um pedaço indeterminado de bronze se torna uma estátua somente quando percebe alguma determinada forma de estátua. Então, Aristóteles sugere, a matéria é potencialmente uma Forma até que adquira uma forma de efetivação, quando se torna realmente uma Forma. Dada a abrangência de seu esquema explicativo, não é de surpreender que Aristóteles crie uma explicação hilemórfica mais complexa da alma e do corpo, o que é, para ele, um ponto de partida importante.
Ainda assim, é importante apontar que este quadro de explicação a partir das quatro causas foi desenvolvido inicialmente em resposta a alguns problemas sobre a mudança e criação ou geração. Aristóteles argumenta que toda mudança e geração requerem a existência de algo complexo: quando uma estátua é feita a partir de um pedaço de bronze, há algo que continua, o bronze, e algo que adquire algo, que muda, ou seja, sua nova forma. Assim, a estátua é um certo tipo de composto de forma e matéria. Sem esse tipo de complexidade, a geração ou criação seria impossível, já que a geração de fato ocorre, logo a forma e matéria devem ter as características reais dos compostos que foram gerados. Da mesma forma uma mudança qualitativa requer a mesma lógica de raciocínio: quando a estátua é pintada, há algo que continua, a estátua, e uma nova qualidade é adquirida, a nova cor. Aqui também há uma complexidade, e uma complexidade que é rapidamente articulada em termos de forma e matéria, mas agora a forma não é essencial para a continuidade da existência daquele ente. A estátua continua a existir, mas recebe uma forma que é casual ou acidental para ela, que poderia perder essa forma, sem sair, contudo, da existência. Por outro lado, se a estátua perder sua forma essencial, como aconteceria, por exemplo, se o bronze que constitui a estátua fosse fundido, dividido, e remoldados como, digamos, 12 abridores de lata, finalmente deixaria de existir por completo, não existiria mais, pois a estátua perdeu a forma essencial.
Na tentativa de entender a psicologia aristotélica, a origem do Hilemorfismo de Aristóteles é importante por duas razões. Em primeiro lugar o Hilemorfismo aristotélico utiliza duas diferentes, porém relacionadas, noções de forma: uma é a essencial para a coisa existir, e outra é a casual ou acidental. Na sua visão da alma e suas propriedades, Aristóteles emprega ambas as noções: a alma como forma essencial e, na mesma medida, a percepção envolveria sua aquisição das formas acidentais. A segunda razão, por conta do fato de que o Hilemorfismo aristotélico foi desenvolvido inicialmente para lidar com problemas de mudança e criação, sua aplicação numa psicologia filosófica por vezes é conflituoso, a ponto de Aristóteles não querer, a princípio, tratar todas as instâncias da percepção como instâncias de mudança de um objeto contínuo. Além disso, como veremos, às vezes é difícil entender bem como Aristóteles pode realmente ver o corpo como a matéria de um ser humano da mesma forma que o bronze o é para a estátua. Uma quantidade de bronze pode existir indefinidamente, pode ter potencial, mas não efetivamente ser uma estátua de um grande herói. Não é um paralelo adequado para o caso do corpo: o corpo não é uma coisa para a qual se espera apenas a conformação com a alma. Talvez, de alguma forma, corpos humanos se tornam corpos humanos ao receberem a alma, ou serem “almados”. Se fosse assim eles poderiam trocar de matéria da mesma forma que vimos na teoria aristotélica da geração hilemórfica. (Para mais discussões sobre o tema, depois de ler a próxima parte, veja o suplemento: Um problema fundamental sobre Hilemorfismo2).
Relações corpo e alma hilemórficas: materialismo, dualismo, sui generis?
Aplicando seu Hilemorfismo geral nas relações corpo-alma, Aristóteles afirma que obteremos a seguinte analogia: alma : corpo :: forma : matéria :: forma de Hermes : bronze.
Se a alma tem uma relação com o corpo da mesma forma que a estátua tem uma relação com sua base material, então nós poderemos esperar que algumas características gerais sejam comum a ambos; dessa forma nós devemos ser capazes de verificar algumas consequências imediatas no tocante às relações entre corpo e alma. Logo de início algumas questões sobre a unidade da alma e do corpo, um problema que interessa igualmente à substancialistas (dualistas) e materialistas, recebem uma resposta imediata. Materialistas defendem que todos os estados mentais são também estados físicos; o que é refutado por substancialistas, pois estes defendem que a alma é objeto de estados mentais os quais podem existir isoladamente, quando separadas do corpo. De certa forma, as questões que possibilitam essa querela caem por terra. Se nós não pensarmos que há uma questão importante ou ao menos interessante sobre a forma de Hermes e sua base material serem uma coisa só, não devemos supor que há uma questão urgente ou especial sobre corpo e alma serem um. Então Aristóteles afirma: “Não é necessário perguntar se alma e corpo são uma coisa só, da mesma forma que não é necessário perguntar se a cera e sua forma são a mesma coisa, nem geralmente se a matéria de cada coisa e aquilo que é a matéria são uma. Pois mesmo se um ser fala de si de várias maneiras, aquilo que é falado é sua atualidade” (De Anima, ii 1, 412b6-9). Aristóteles não está evitando as questões sobre a unidade do corpo e alma, parece que ele vê que tais questões são respondidas rapidamente ou são, de alguma forma, sem importância. Se nós não perdemos tempo pensando sobre se a cera de uma vela e sua forma são um só, então deveríamos nos preocupar tanto com o problema da unidade do corpo e da alma. O resultado dessas considerações é que se deve encaixar as relações corpo e alma numa explicação padrão hilemórfica mais ampla, nos termos de quais questões de unidade normalmente não surgem.
Deve-se ressaltar, contudo, que Aristóteles não resolve a questão ao insistir que alma e corpo são idênticos, ou que ambos são um só num sentido mais frágil ou fraco; na verdade tais concepções são totalmente negada pelo estagirita (De Anima ii 1, 412a17; ii 2, 414a1-20). Em vez disso, da mesma forma que poderia afirmar que a cera de uma vela e sua forma são distintos, sob o argumento de que a cera pode continuar existindo quando aquela forma não existir mais ou, num argumento menos óbvio, que aquela forma pode sobreviver à reposição de sua base material, pode-se igualmente negar que corpo e alma são idênticos. De uma forma bem direta, a questão em saber se alma e corpo são um perde sua força quando lembramos que essa divisão não contém nenhuma outra implicação quando aplicada a qualquer outro composto hilemórfico, incluindo casas, por exemplo, e outros objetos comuns.
Outra forma de lidar com o problema é considerar que a segunda moral geral de Aristóteles deriva de seu Hilemorfismo. Ele trata da questão da separabilidade da alma do corpo, uma possibilidade defendida por substancialistas desde os tempos de Platão. O Hilemorfismo aristotélico elogia o seguinte: se nós pensarmos que a forma de Hermes continua depois que o bronze é derretido e remodelado, nós devemos concluir que a alma sobrevive à morte do corpo. Assim Aristóteles afirma: “Não está claro que a alma, ou algumas de suas partes, se ela as tiver, são inseparáveis do corpo” (De Anima, ii 1, 413a3-5). Então, a menos que nós comecemos a entender que formas em geral são capazes de existir sem sua base material, nós não devemos tratar almas como casos excepcionais. Hilemorfismo, por si só, não nos dá razão para tratar almas como separáveis do corpo, mesmo quando pensamos neles como distintas de sua base material. Ao mesmo tempo Aristóteles não parece pensar que seu Hilemorfismo refuta todas as formas de dualismo. Ele defende certamente a inseparabilidade da alma do corpo, ainda que algumas partes da alma possam ser separadas do corpo, desde que não sejam a realidade desse mesmo corpo (De Anima ii 1, 413a6-7). Aqui há um vislumbre do complexo pensamento aristotélico sobre a mente (nous), uma propriedade da alma que ele descreve, repetidas vezes, como excepcional.
Ainda assim, em geral, a alma é a forma do corpo da mesma maneira que a forma de uma casa estrutura os tijolos e a argamassa de que é feita. Quando os tijolos e a argamassa percebem uma certa forma, manifesta a função definitiva de casa, ou seja, fornecer abrigo. Desta forma, a presença naquela forma faz daqueles tijolos e daquela argamassa uma casa, diferente, por exemplo, de uma parede ou forno. Como vimos, Aristóteles irá dizer que os tijolos e argamassa, como matéria, são potencialmente uma casa, até que realizem a forma apropriada de uma casa, de maneira que forma e matéria juntas fazem efetivamente uma casa. Então, em termos aristotélicos, a forma é a actualidade da casa, sua presença explica porque esta quantidade particular de matéria se torna uma casa, em diferenciação a qualquer outro tipo de artefato.
No mesmo sentido, então, a presença da alma explica porque esta matéria é a matéria de um ser humano, em diferenciação a outro tipo de coisa. Agora, esta forma de observar as relações mente-corpo como um caso especial de relação forma-matéria trata a alma como uma parte integrante de qualquer explicação completa de qualquer ser vivo de qualquer tipo. Para este grau Aristóteles pensa que Platão e outros dualistas estão corretos ao salientar a importância da alma na explicação de seres vivos. Ao mesmo tempo ele vê seu comprometimento na separabilidade de alma e corpo como injustificada apenas pelo apelo à causa formal: ele vai entender que a alma é distinta do corpo, e ela na verdade é a actualização do corpo, mas ele vê que estas concessões, por si próprias, não conseguem manter a suposição de que a alma pode existir fora ou sem o corpo. Seu Hilemorfismo, então, não subscreve nem o materialismo redutor nem o dualismo platônico. Em vez disso, ele procura se situar num ponto mediano entre essas duas alternativas, apontando implicitamente, e com razão, que não são opções exaustivas.
Capacidades ou faculdades do psiquismo
Embora estivesse disposto a oferecer uma explicação simples da alma em termos gerais, Aristóteles dedicou a maior parte de seu De Anima para detalhar investigações sobre capacidades ou faculdades individuais da alma, cuja lista inicial incluiu a nutrição, a percepção e a mente, recebendo a percepção a maior parte da atenção. Depois dele introduz o desejo, uma faculdade mais discreta, porém pareada com as apresentadas inicialmente. A mais ampla é a nutrição, que é compartilhada por todos os organismos vivos; enquanto os animais têm adicionalmente esta e a faculdade da percepção; somente organismos humanos possuem mente. Aristóteles sustenta que os vários tipos de alma, nutritiva, de percepção e a intelectual, formam um tipo de hierarquia. Qualquer criatura com razão terá também a percepção; todos os seres com percepção também tem a habilidade de mover-se para nutrição e reprodução; porém o contrário não acontece. Dessa forma as plantas ocorrem apenas com a alma nutricional, animais possuem tanto faculdades nutricionais como de percepção, e os seres humanos teriam os três tipos. As razões disto são teleológicas. Ou seja, todas as criaturas vivas crescem, atingem a maturidade e definham. Sem a capacidade nutricional, essas atividades são impossíveis (De Anima III 12, 434a22-434b18;. cf De Partibus Animalium iv 10, 687a24-690a10; Metaphysics xii 10, 1075a16-25). Então, conclui Aristóteles, a psicologia deve investigar não apenas a percepção e o pensamento, mas também a nutrição.
Há certa controvérsia sobre qual das habilidades psíquicas mencionadas por Aristóteles em De Anima se qualifica como faculdades totalmente autônomas. Ele certamente toma os três tipos de alma mencionados acima são centrais e relevantes. Na verdade ele propõe uma hierarquia da vida baseada nessa diferenciação. Ainda assim ele discute duas outras capacidades, imaginação (De Anima iii 3) e desejo (De Anima iii 9 e 10), e apela para ambas em suas explicações sobre o pensamento e a filosofia do movimento. Porém ele pouco escreve sobre suas definições. Ele claramente viu a imaginação como uma faculdade subordinada, integrada de várias formas às faculdades da nutrição, percepção e pensamento. O desejo é ainda mais complexo. Apesar de não aparecer isolado da faculdade perceptiva (De Anima iii 7 412a12-14), o desejo aparece, no final, elevado a uma capacidade plena, principalmente devido ao seu papel na explicação do comportamento propositado. Suas discussões sobre a imaginação e o desejo levantam questões interessantes sobre como Aristóteles via as diferentes capacidades da alma em integração numa forma unificada. Essas discussões também levantam questões sobre as outras faculdades e de como Aristóteles concebia a unidade de toda a alma. Alguns estudiosos se contentam em caracterizar a alma aristotélica como um conjunto ou soma de capacidades, enquanto que o próprio Aristóteles exige claramente uma forma de unidade não-agregadora (De Anima ii 3 414b28-32, cf. iii 9 432a-B6).
Nutrição
Quando voltamos nossa atenção para as faculdades individuais da alma, Aristóteles considera primeiro a nutrição, e o faz por duas razões relacionadas. A primeira é bem direta: a psicologia estuda todos os entes animados, e o aspecto nutritivo da alma está presente, naturalmente, em todas as coisas vivas, uma vez que é “a primeira e a mais comum das capacidades da alma, em virtude da qual pertence a todas as coisas vivas (De Anima 4, 415a24-25). A segunda razão é um pouco mais complexa, tendo raiz teleológica. Tendo em vista que as formas mais superiores da alma pressupõe nutrição, sua explicação é prioritária para a as mesmas, na ordem da exposição aristotélica.
Aristóteles aborda sua explicação da alma nutricional baseando-se num preceito metodológico muito esclarecedor acerca de sua teorização psicológica, isto é, que as capacidades são individualizadas nos objetos, então, por exemplo, a percepção é diferenciada pela mente por estar relacionada às qualidades sensíveis, ao invés das formas inteligíveis (De Anima ii 4,415a20-21). Isso leva Aristóteles a oferecer algo que pode parecer uma observação bem rasteira: a de que a nutrição tem três componentes, “o que é alimentado, aquilo pelo qual ele se alimenta, e o que nutre (ou seja, aquilo que pode nutrir)”. Isto, porém, Aristóteles desenvolve ao sustentar que “o que nutre é a alma primária; aquilo que é nutrido é o corpo, o qual tem sua alma; aquilo pelo qual é nutrido é alimento (por exemplo, comida)” (De Anima ii 4, 416b20-23). O interessante desta sugestão está na implicação que apenas os sistemas vivos, todos eles, podem ser alimentados, consequência esta que Aristóteles torna ainda mais explícita afirmando que “nada que é nutrido não tem uma participação na vida” (De Anima II 4 415b27-28.) e que “tendo em vista que nada que é nutrido não deixa de participar da vida, aquilo que é nutrido é um corpo dotado de alma na medida em que é dotado da mesma, com o resultado de que aquilo que alimenta (por exemplo, comida) é relacionado com o que tem alma, isto não é acidental” (De Anima ii 4, 416b9-11). Aqui Aristóteles quer dizer que comida, como comida, definitivamente está relacionada com a vida. Seja qual for o alimento este já é suscetível de estar relacionado com seres vivos.
O sentido dessa observação reside na reflexão de que qualquer explicação adequada da nutrição fará uma inescapável referência à vida como tal. Por sua vez esta forma de pensar não poderá resultar na concepção de que vida é aquilo que pode nutrir-se. Pois dessa forma teríamos um ciclo vicioso: um sistema vivo é aquilo que pode nutrir-se, enquanto que nutrição é qualquer coisa usada para sustentar um sistema vivo. Assim, como os sistemas vivos não podem ser reduzidos num conceito de uma outra forma, a vida continuará sem ser conceitualizada. Consequentemente, a discussão aristotélica da nutrição fornece razões para pensar que ele resistirá a qualquer tentativa de definir a vida em termos que não apelem à própria vida. Em outras palavras, Aristóteles irá recusar definições reducionistas da vida.
Esta parece ser também a razão da rejeição de Aristóteles das definições mecanicistas simples do crescimento, que ele leva em conta quando discute a alma nutricional (De Anima ii 4, 415b27-416a20, cf. De generatione et Corruptione i 5). Aristóteles faz objeção àqueles que desejam explicar o crescimento meramente em termos de tendências naturais de elementos materiais. Por crescimento ele entende padrão de restrição de desenvolvimento, cuja fonte Aristóteles atribui à alma. Ele aponta para o evidente crescimento dos organismos por caminhos estruturados com finalidades definidas. Estas estruturas, por sua vez, manifestam capacidades cuja explicação não pode ser fornecida em termos puramente materialistas. Por termos materialistas, no entendimento de Aristóteles, não se leva em conta o fato de que seres maduros não apresentam mais crescimento, já tendo observado as estruturas características de sua espécie. Num contraste com o exemplo do fogo, este cresce desordenadamente, a esmo, sem direção, fluindo por seu combustível até ser impedido por algo ou até que se esgote o que o alimenta.
Aristóteles considera primitivas as explicações materialistas. Um ponto crítico sobre seu tratamento a respeito desse tipo de explicação diz que se estiverem certos quanto ao crescimento de padrões limitados de desenvolvimento, ficam incompatíveis com explicações mais avançadas do próprio materialismo, e, sendo assim, estas formas de materialismo serão reducionistas, no sentido de que evitam todas as referências à vida, implícitas ou explícitas. Até agora há bem poucos motivos para pensar que Aristóteles estava errado, ou seja, até agora não existe nenhum conceito reducionista amplamente aceito sobre a vida.
De qualquer forma a discussão aristotélica da nutrição é própria de sua abordagem geral das capacidades da alma. Suas discussões normalmente ocorrem em dois níveis. Por um lado, ele busca fornecer uma explicação para algum fenômeno relevante. Ao mesmo tempo, seu interesse em definições só se completa quando condicionado às suas preocupações metodológicas e metafísicas. Por conseguinte, ele tenta capturar a natureza das propriedades dos entes enquanto investiga se as explicações reducionistas das faculdades individuais são plausíveis. Dessa forma, pelo menos, as investigações de Aristóteles refletem seu interesse em estabelecer uma série de questões interligadas como método, incluindo as mais notáveis questões a respeito da plausibilidade das mais relevantes características das abordagens reducionistas sobre a vida. Estes mesmos interesses são observados em suas discussões sobre a percepção e a mente.
Percepção
Aristóteles dedica bastante atenção à percepção, discutindo tanto a percepção em geral como em sentido individual. Nos dois casos, suas discussões são desenvolvidas em termos do Hilemorfismo. A percepção é a capacidade da alma de distinguir animais de plantas; na verdade ter a faculdade perceptiva é essencial no animal (De Sensu I, 436b10-12); todo animal tem, ao menos, o tato, contudo a maioria tem as outras modalidades sensoriais (De Anima ii 2 413b4-7). Pelo menos de forma geral, os animais devem ter percepção se quiserem se manter vivos. Logo, supôs Aristóteles, a percepção é um provável fundamento teleológico na compreensão dos animais como essencialmente capazes de perceber (De Anima ii 3, 414b6-9, 434ª30-b4; De Sensu 1, 436b16-17). Se um animal cresceu até a maturidade e reprodução, ele deve ser capaz de se nutrir e caminhar adequadamente pelo seu ambiente. A percepção serve a estes propósitos.
Estes elementos, contudo, não podem explicar como a percepção acontece. Aristóteles afirma que a percepção é melhor entendida no modelo hilemórfico a partir da mudança em geral; assim como as casas mudam do azul para o branco quando sob influência de um pintor aplicando tinta, da mesma forma “a percepção vem através de um órgão sendo modificado ou alterado... ou ao menos parece haver algum tipo de alteração” (De anima ii 5, 416b33-34). Nesta perspectiva de interpretação de alteração, Aristóteles trata a percepção como um caso de interação entre dois agentes cambiáveis: objetos capazes de ação e objetos capazes de serem afetados. Na questão dos agentes e pacientes é importante que ambos sejam adequados, desde que precisemos distinguir entre duas possibilidades, por exemplo, um odor deve afetar alguma coisa. Se forem colocados próximos um do outro um dente de alho deve afetar um pedaço de tofu. O tofu deverá absorver o cheiro do alho. Por comparação, quando um animal é colocado numa situação análoga, deverá perceber o odor. Desde que o alho seja o mesmo, a diferença reside no objeto que é afetado. Quando o animal entra em contato com elementos perceptíveis, a percepção acontece; quando entidades sem vida são afetadas pelos mesmos elementos, apenas alterações não perceptuais acontecem.
Nos dois tipos de alterações, Aristóteles afirma que a coisa afetada atua como receptora das formas do agente que a afeta, e a mudança consiste no fato de a coisa afetada passa a se assemelhar com o agente (De Anima ii 5, 418ª3-6; ii 12, 424a17-21). Desta forma, ambos os casos do modelo hilemórfico de alteração envolve a forma, ou seja, um modelo no qual a mudança é explicada pela aquisição de uma forma por algo capaz de recebê-la. Consequentemente, da mesma maneira que a mudança ocorre por meio de uma transmissão, é necessário que a coisa modificada possa sê-lo desta maneira. Isto não é uma mera trivialidade, pois se algo é, atualmente, F, deve ter sido potencialmente F. Assim vê-se o reconhecimento de que formas específicas de mudança requerem capacidades modificáveis dos objetos modificados. Consequentemente, a análise de formas específicas de mudança necessariamente envolverá uma análise destas capacidades. Nenhuma jujuba pode perceber elementos da forma de um carro moderno. E somente entidades capazes de percepção podem receber percepções da forma dos objetos. É isto que Aristóteles quer dizer quando afirma que “a faculdade perceptiva existe no objeto se a atualidade da coisa percebida já existir no objeto de forma potencial” e quando algo é afetado por um objeto com faculdade de perceber, “este é feito de forma próxima ou da mesma forma que o objeto que é percebido” (De Anima ii 5, 418a3-6).
Esta restrição hilemórfica sobre a adequação aos tipos de mudança tem o efeito de limitar os casos de percepção real para esses casos de percepção da forma que envolvem seres vivos dotados das habilidades apropriadas. Não se trata, no entanto, explicar exatamente o que essas faculdades são, nem mesmo como elas “se fazem como” seus objetos de percepção. No mínimo, porém, Aristóteles afirma que, por algum sujeito S e algum sentido do objeto O: S percebe O se e somente se: (i) S tem a capacidade necessária para perceber a forma sensível de O; (ii) O age sobre essa capacidade ao dar forma; e, como resultado, (iii) a capacidade de S tornar-se isomórfico com a forma.
Cada uma dessas exigências exigem apropriação. A plausibilidade da teoria de Aristóteles gira em torno de suas eventuais explicações. A primeira exigência (i) destina-se a distinguir as capacidades ativas dos animais das capacidades meramente passivas dos corpos inanimados, incluindo os meios através das quais as formas sensíveis viajam. (Da mesma forma que não quer dizer que o tofu na geladeira percebe o alho ao lado, não quero dizer que o ar percebe a cor azul quando afetado pela cor de um carro). Mas ainda não específica o que é necessário para ter as capacidades ativas necessárias. Outra dificuldade é a noção de isomorfismo utilizada em (iii). Como foi dito, (iii) exige uma análise mais aprofundada. As interpretações variam desde tratar a forma do isomorfismo de modo direto e literal, de um jeito que, por exemplo, os olhos tornam-se manchados diante de um ovo azul; a atenuada, onde o isomorfismo é mais semelhante àquilo que se aprecia entre uma casa e sua tinta azul. Neste ponto em especial é onde a plausibilidade da análise hilemórfica da percepção é mais questionável.
Mente
Aristóteles descreve mente (nous, muitas vezes também traduzido e entendido como "intelecto" ou "razão") como "a parte da alma pelo qual ela sabe e entende" (De Anima iii 4, 429a9-10; cf. iii 3, 428a5; iii 9, 432b26; iii 12, 434b3), caracterizando-a em termos amplamente funcionais. É claro que os seres humanos podem conhecer e entender as coisas; de fato, Aristóteles supõe que é da nossa própria natureza o desejo de conhecer e compreender (Meta. i 1, 980a21; De Anima ii 3, 414b18; iii 3, 429a6-8). Deste modo, tal como a posse das faculdades sensoriais é essencial para um animal, da mesma forma a posse de uma mente é essencial para o ser humano. No entanto mentes humanas fazem mais do que apenas entender. É igualmente essencial para o ser humano a capacidade de planejar e escolher, ponderar alternativas e estratégias, estabelecer cursos de ação. Aristóteles atribui essas atividades de compreensão e contemplação à mente e, consequentemente, distingue o "espírito prático" (ou "inteligência prática" ou "razão prática") de "mente teórica" (ou "inteligência teórica" ou "razão teórica") (Nicomachean Ethics vi 8 1143a35-b5). Portanto, em todas estas formas, ao investigar essa capacidade de alma, encontra-se um significado especial para Aristóteles: na investigação mente, ele está investigando o que torna os seres humanos, humanos.
Sua investigação inicial da mente aparece em dois capítulos de De Anima, ambos ricamente sugestivos, mas nenhum com explanações fácies ou incontroversas. Em De Anima iii 4 e 5, Aristóteles aborda a natureza do pensamento mais uma vez, a partir de uma análise hilemórfica, dada em termos de recepção da forma. Assim como a percepção envolve a recepção de formas sensíveis por uma faculdade sensorial devidamente habilitada, o pensamento envolve a recepção de formas inteligíveis por uma faculdade intelectual qualificada (De Anima iii 4, 429a13-18). De acordo com este modelo, o pensamento consiste em uma mente que adquire formas por meio de algum objeto de pensamento, de modo que o pensamento real ocorre sempre que alguma mente preparada adequadamente é "feita semelhante a" seu objeto, ao ser afetada por ele.
Esta análise hilemórfica do pensar é, evidentemente, uma simples extensão do modelo geral hilemórfico de mudança explorado por Aristóteles em uma série de contextos similares. Consequentemente, o sistema inicial de Aristóteles do pensar guarda um paralelo direto com sua análise da percepção (De Anima iii 4, 429a13-18). Desta forma, pelo menos dentro de um esquema geral, Aristóteles traz a seguinte abordagem. Para qualquer pensador S e um objeto qualquer de pensamento O:S pensa O se e somente se: (i) S tem a capacidade necessária para recepcionar a forma inteligível de O; (ii) O age sobre essa capacidade ao ter dar uma forma; e, como resultado, (iii) a capacidade relevante de S torna-se isomórfica com relação a esta forma.
As mesmas questões que surgiram no caso de percepção também surgem aqui, o que não é nada surpreendente. A mais urgente para entender a abordagem de Aristóteles sobre o pensamento, é determinar o que significa dizer que a mente de um pensador e o objeto se tornam isomórficos.
Aqui, pelo menos, Aristóteles apontou as partes mais óbvias. Quando a alma de quem está pensando é assemelhada a seu objeto cognitivo, ela não se torna una em relação ao composto hilemórfico, mas sim com sua forma: "pois não é a pedra que está na alma, mas sua forma" (De Anima III 8, 431b29-432a1; cf. iii 4, 429a27). A sugestão é, então, que quando S pensa em uma pedra, ao invés de meramente perceber alguma pedra particular, S tem a habilidade de se tornar um com a forma da pedra. Aristóteles, por vezes, deduz que o pensamento é relativo a universais, ao passo que a percepção é relativa a particulares (De Anima ii 5, 417b23, Posterior Analytics i 31, 87b37-88a7), ainda que em outros lugares vai entender que nós também temos conhecimento de indivíduos (De Anima ii 5, 417a29; Meta. xiii 10, 1087a20). Estas passagens não são contraditórias, já que Aristóteles pode ser simplesmente enfatizando que o pensamento tende a funcionar em um nível mais elevado de generalidade do que a percepção, por causa de sua tendência ou habilidade em captar características estruturais comparativamente abstratas dos objetos. Uma pessoa pode pensar sobre o que é uma pedra, mas não pode, em qualquer sentido direto ou literal do termo, perceber isso.
De qualquer forma, a concepção do pensar de Aristóteles implica em supor que o pensamento envolve apreender as características estruturais dos objetos de pensamento. Partindo de um exemplo inicialmente favorável, quando se pensa que aquele sapo é ovíparo, S está em um estado psíquico cuja estrutura interna está, entre outras coisas, em unidade com a forma do sapo. Desde que a alma de S não se torne um sapo quando pensa em sapos (De Anima III 8, 431b24-30), esta forma de isomorfismo não pode ser mera transcrição da forma do sapo. Em vez disso, a mente de S estará, evidentemente, em unidade com a forma do sapo. Deve haver um isomorfismo estrutural determinado e exprimível.
Para Aristóteles, não é um estado contingente de coisas que a mente de S não percebe a forma do sapo da maneira que os próprios sapos fazem. Pelo contrário, a mente não pode perceber uma ampla gama de formas: a mente não é, segundo Aristóteles, "misturada com o corpo", na medida em que, ao contrário da faculdade da percepção, carece de um órgão corporal (De Anima iii 4, 429a24 -7). Sendo assim, não seria possível para a mente perceber a forma de uma casa como tijolos e argamassa colocados em uma forma: casas fornecem abrigo, algo que a mente, assim entendida, não pode fazer. Consequentemente, ao afirmar que as mentes se tornam isomórficas com relação a seus objetos, Aristóteles deve compreender que a maneira pela qual as mentes assumem formas não é literal. Se a mente pensa algo ao se fazer como a coisa, então a maneira como isso acontece deve ser parecida com algum tipo de pensamento que deve ser, de alguma forma, representacional. Consequentemente, é razoável supor que Aristóteles sustentava que S pensa que algum objeto do pensamento O, a mente de S imita esse objeto representando características estruturais salientes de O por ser diretamente isomórfica com ele, ou seja, não simplesmente percebendo a forma de O como ela mesma.
Esta abordagem sobre a natureza do pensamento tem características promissoras. Tanto em seus próprios termos quanto em virtude da sua aplicação em estudos mais amplos, a análise hilemórfica de Aristóteles merece aprofundamento. Ao mesmo tempo, uma das suas virtudes também podem parecer vícios. Notamos, ao discutir análise hilemórfica aristotélica da mudança geral, que sua abordagem requer a existência de sujeitos de mudança adequadamente próprios para isso. Somente superfícies podem ser afetadas numa mudança de cor. Uma ação, como a irritação de Sócrates com um olhar de Alcibíades, não pode ficar branca; simplesmente não é o tipo adequado de sujeito. Assim, a mudança hilemórfica requer pelo menos dois dos seguintes componentes: (i) algo pré-existente passível de mudança, e (ii) que a coisa seja categoricamente adequada à alteração de uma maneira especificada.
Já na primeira fase, no entanto, a aplicação de Aristóteles da análise hilemórfica da mudança no pensamento pode parecer uma super-extensão. Ele afirma categoricamente que a mente é "uma potência de coisas que só existem quando pensadas” (De Anima iii 4, 429a24). Suas razões para a manutenção desta tese são complexas, mas derivam, em última análise, a partir das formas de plasticidade. Aristóteles acredita que a mente deve se manifestar se for capaz de pensar todas as coisas (De Anima iii 4, 429a18). Agora, se a mente está em potência antes de pensar, é difícil entender como a análise hilemórfica de mudança e de percepção pode ser exercida desta maneira. Se alguma massa é feita em forma de bolinho, é realmente massa antes de ganhar tal forma; até mesmo os órgãos dos sentidos, quando em conexão com os objetos, são, na verdade, órgãos existentes antes de ser afetados pelos objetos perceptíveis. Assim, dada a concepção da mente como não existente em ato antes de pensar, é difícil compreender como o pensamento se presta a uma análise em termos de qualquer abordagem hilemórfica reconhecível na mudança.
Se isso será uma grande questão depende do quanto Aristóteles realmente está comprometido em dizer que a mente não existe antes do pensamento. Isso igualmente depende do quão adaptável o hilemorfismo aristotélico prova estar. Já mais avançado em sua teoria, Aristóteles nota que há diferentes tipos de mudança e alteração, ilustrado por uma cerca marrom sendo pintada de branco e um construtor, com suas ferramentas, durante o ato de construir. No primeiro caso, há destruição e perda da cor original da cerca; no segundo nada é destruído, pelo contrário, F se torna F engajado com a atividade de F. Um construtor já é algo capaz de construir. Quando ele começa a construir, ele se torna inteiramente e atualização de um construtor. Neste sentido, ele não perde nada, pelo contrário ele realiza aquilo que é estabelecido como seu potencial
O segundo tipo de mudança, que Aristóteles indica ser o modelo apropriado para grande parte das atividades psíquicas, é ou “ uma não instância de alteração … ou um diferente tipo de alteração” onde um “não deve falar que está sendo afetado, a menos que <um permita que> existam dois tipos de alteração” (De Anima ii 5, 417b6–16). Talvez o posicionamento aristotélico seja que a mente, pelo menos enquanto capacidades cognitivas que concernem o pensamento, é simplesmente algo que é enformado por uma infinidade de objetos do pensamento. Isso envolveria o fato de nada ser determinado em si mesmo, e longe de ser uma anomalia para Aristóteles, a mente seria no reino cognitivo precisamente como a coisa mais básica, se houver esta coisa mais básica, seria no reino material. Ambos manifestariam uma plasticidade irrestrita, e só seriam caracterizados essencialmente nos termos do alcance de sua potencialidade.
Isto posto, deveria ser notado que quando desanexada da tese idiossincrática que a mente não existe antes da atualização do pensar, a análise hilemórfica aristotélica do pensamento continua plausível e tem certa independência. A sugestão que o pensamento tem que ser compreendido ao menos parcialmente em termos isomórficos entre nossas capacidades representacionais e os objetos de nossa cognição teve, por uma boa razão, um apelo duradouro. Até o ponto em que hilemorfismo é defensável de maneira geral, sua aplicação neste domínio nos provém uma rica estrutura teórica para a investigação da natureza do pensamento.
Desejo
Tanto na percepção quanto no pensamento, as almas animais são em certa medidas ativas e passivas. Contudo, a mente e as faculdades sensíveis recebem suas respectivas formas quando pensam e percebem, atividades primordiais que não são integralmente passívas. Percepção envolve discriminação, enquanto pensamento envolve atendimento seletivo e abstração, ambas atividades que requisitam mais que uma mera passividade. Ainda, estas atividades que requerem da cognição e da percepção não explicam de maneira óbvia outra questão fundamental dos seres humanos e outros animais: animais propulsionam a si mesmos pelo espaço para possuírem coisas que desejam. Mesmo nas primeiras caracterizações da alma em De Anima, Aristóteles está atento à vasta noção de que a alma implica a moção (De Anima i 2, 405b11; i 5 409b19–24). Obviamente esta é uma conexão natural que ele faz, dado que todo ser animado, isso é, todo ser com alma, tem entre seus princípios a moção e o repouso. Então, é intrínseco aos seres vivos que eles sejam capazes de mobilizarem a si mesmos de maneiras a garantir sua sobrevivência e florescimento. Animais mobilizam a si mesmos, porém, de maneira distinta: eles desejam coisas, com a resultante de que o desejo é a implicação central de todas as maneiras de ação dos animais. Por que um avestruz corre de um tigre? Porque, responderão facilmente, ela deseja sobreviver então engaja-se num comportamento de fuga. Por que um humano se dirige a uma ópera e lá senta-se em silêncio? Porque, ao que parece, ele deseja ouvir música e observar o espetáculo.
Nestes, e em outros incontáveis casos, a explicação para as ações animais, humanas e não humanas, facilmente e irrefletidamente apelam ao desejo. Esta é a razão pela qual Aristóteles não encerra De anima discutindo a mente. Pelo contrário, depois de discutir a mente, ele nota que todos os animais são capazes de se locomover, apenas para negar que qualquer uma das faculdade da alma (nutrição, percepção ou mente) dão conta do movimento iniciado pelo desejo. Entretanto ele inicialmente identificou apenas estas três faculdades da alma (De Anima ii 2, 413b12), então Aristóteles notou que algo deveria explicar o fato de animais engajarem-se em comportamentos objetivamente estabelecidos para realizarem suas metas conscientes e inconscientes. Esta explicação, ele argumenta, não pode ser encontrada na faculdade de nutrição, enquanto plantas, como seres vivos, tem o poder da alma, mas não podem propulsionar a si mesmas para realizarem suas finalidades; nem através da percepção, uma vez que alguns animais mesmo tendo esta faculdade são incapazes de moverem (Aristóteles tinha em mentes as esponjas, ostras e alguns testacea, Historia Animalium i 1, 487b6–9; viii 1 588b12; Partibus Animalium iv 5, 681b34, 683c8); nem mesmo pode ser um produto da mente, pois como é algo contemplativo, a mente não foca em objetos como se fossem diretivas para ações, e também, como requer ação, a mente não suficiente em si mesma para engajar a ação, pelo contrário ela depende de uma inclinação (De Anima iii 9, 432b14–33a5). Dessa forma, utilizando a mesma linha de raciocínio, de que uma faculdade não pode ser a causa de uma ação se sua atividade é insuficiente para iniciar a moção, Aristóteles inicialmente conclui que mesmo o desejo em si (orexis) não pode ser responsável pela ação. Dito isso, pessoas continentes, diferentemente daqueles que são completamente virtuosas, tem desejos depravados mas não, precisamente porque são continentes, os atuam (De Anima iii 9 433a6–8; cf. Nicomachean Ethics i 13, 1102b26). Então o desejo deles é insuficiente para a ação. Consequentemente, ele conclui, o desejo sozinho, considerado como uma faculdade única, não pode explicar o motivo da ação, ou pelo menos não completamente.
Afinal de contas, apesar disto, Aristóteles chega a conclusão de que há uma faculdade do desejo (orektikon) que se ocuparia de iniciar a moção animal. (Embora suas reservas iniciais sejam apenas pertinentes a uma única espécie de desejo considerado isoladamente). De qualquer forma, ele diz claramente: “É manifesto, portanto, que o que é chamado de desejo é um tipo de faculdade da alma que inicia o movimento” (De Anima iii 10, 433a31-b1). Ele entende, apesar disto, que esta conclusão está em conjunto a uma outra que também serve como uma qualificação de suas descobertas iniciais de que a mente não pode ser a fonte da moção. Ele sustenta, por certo, que é razoável postular duas faculdades que implicam a moção animal: desejo e razão prática (De Anima iii 10, 433a17–19), apesar delas não atuarem isoladamente. Ao contrário, a razão prática, construída para incorporar o tipo de processamento de imagens presente nos animais não humanos, é a fonte de movimento quando focada em um objeto de desejo ou algo desejado. Então, a razão prática e o desejo atuam corporificadas como as fontes de impulsionam a moção em todos os animais, humanos e não humanos (De Anima iii 10, 433a9-16), mesmo, em última análise, sendo o desejo dos objetos que instiga a razão prática e a põe em moção (De Anima iii 10, 433a17–2). Por esta razão, Aristóteles conclui, que existe uma faculdade do desejo da qual as atividades são essencialmente, se não autonomamente ou discretamente, responsáveis por iniciar e direcionar a moção nos animais. O que os animais procuram durante a ação é algum objeto de desejo que pareça ser bom a eles.
Aristóteles apresenta certa hesitação ao discutir sobre o desejo e sua relação com a razão prática na etiologia das ações animais. Alguns, em consequência disto, concluíram que sua abordagem pode ser considerada no melhor dos casos rudimentar, ou pior, aturdida. Parece não haver base para críticas tão duras. Provavelmente Aristóteles é simplesmente sensível às nuances que envolvem a abordagem das questões relacionadas à filosofia da ação. Diferentemente de muitos seguidores de Hume, ele evidentemente reconhece o fato deste domínio ser instável e oscilante enquanto abordagem de uma teoria taxonómica. Os antecedentes da ação, ele conclui, envolvem algum tipo de faculdade do desejo; mas ele é relutante em concluir que o desejo em si é suficiente para implicar uma explicação do comportamento intencional. De alguma maneira, ele também conclui que a razão prática e a imaginação conjuntamente desempenham um papel indispensável.
Notas
1 Todos os nomes de obras de Aristóteles foram mantidos conforme o manuscrito original.
2 Os finais de seção e a parte final não foram traduzidas nem adaptadas para leitores de língua portuguesa.
3 Há um problema na tradução da palavra atualização, que possui um sentido diferente do encontrado no inglês e no francês quando comparados ao português. Para diferenciar as palavras utilizaremos a grafia “actualização” para indicar o sentido próximo do sentido encontrado no francês, ou seja, “a passagem da potência ao ato”, e atualização para indicar a ideia de “tornar de acordo com o momento atual” (N. do T.).
4 Não incluído nesta versão.
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Sobre este verbete
Este verbete se trata de uma tradução de outro verbete chamado: "Aristotle Psychology" da Stanford Encyclopedia of Philosophy - publicado em 11/01/2000 e revisado em 23/08/2010-, feita, com a autorização da instituição detentora dos direitos, por André Elias Morreli e Yuri Pereira. Por se tratar de uma tradução, este verbete ficara fechado por um período de 1 ano, até o dia 09/09/2021.