Maria Lúcia da Silva
Maria Lucia da Silva nasceu em Mirassol, São Paulo, em 15 de abril 1949. Conhecida no ativismo como "Lucinha", é uma psicóloga, psicanalista e psicoterapeuta brasileira, co-fundadora do Instituto AMMA - Psique e Negritude, coordenadora da Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) do Brasil e Empreendedora Social ASHOKA- Empreendimento Social, desde 2005.
Biografia
Vida pessoal
Maria Lúcia da Silva nasceu no dia 15 de abril de 1949, na cidade de Mirassol, interior de São Paulo. Sua mãe Jordelina Maria de Souza é afro-indígena, e seu pai, Antônio Francisco da Silva, benzedor que perdeu a visão aos 17 anos.
Logo após seu nascimento, entre o 5º e 9º mês de vida, Maria Lúcia ficou doente e perdeu os movimentos do corpo. Sua família era muito religiosa e fez diversas promessas para que ela se recuperasse. Tendo se recuperado, ao completar 3 anos foi feita uma procissão para pagar as promessas. Foi também aos 3 anos que ela se mudou para São Paulo com a sua família.
Seu primeiro trabalho foi aos 6 anos, quando ia com sua tia-avó e outras crianças do cortiço que moravam ajudar na limpeza de uma boate. Aos 8 anos, durante as férias, ela teve sua segunda experiência de serviço, trabalhando durante 30 dias na casa de uma senhora ajudando-a a costurar (facções, como eram chamadas na época).
Em 25 de dezembro de 2007, durante uma comemoração de Natal com sua família, Maria Lúcia se sentiu mal e foi ao hospital. Os médicos disseram que ela tinha uma pneumonia, mas não apresentaram o diagnóstico. Após 20 dias, um pneumologista disse que ela estava com os pulmões cheios de sangue. Maria Lúcia foi internada no mesmo dia e passou mais 30 dias no hospital, pois ainda não havia uma identificação de qual doença possuía. Após esse tempo, foi diagnosticada com vasculite, uma doença autoimune.
Contato com o ativismo
Na década de 1970, Maria Lúcia trabalhou como auxiliar de escritório em um metrô, e foi nessa mesma época que ela foi abordada no metrô por dois ativistas negros para falar sobre o racismo. a partir deste momento, ela inicia sua jornada no ativismo.
No ano de 1976, Maria Lúcia, em parceria com outros ativistas negros, reabrem uma organização chamada Centro de Cultura e Arte Negra, o CECAM, assim, começa a participar ativamente dos movimentos negros. É dentro dessa instituição que surge o Festival Comunitário Negro Zumbi, e é partir desse momento que ela passa a atuar ativamente no ativismo. Entretanto, no ano de 1982, os participantes do Centro de Cultura e Arte Negra decidem fechar a organização.
Carreira acadêmica
No começo de 1980, Maria Lúcia ingressa no curso de Psicologia na Faculdade Paulistana, em São Paulo. Em 1985, ela conclui a graduação e começa a atuar na área clínica. A psicóloga se especializou em Saúde Coletiva no Instituto de Saúde da Secretaria do Estado de São Paulo em 1987, e de 1994 a 1997 se especializou em dinâmica energética do psiquismo.
Maria Lúcia também participou de alguns cursos. Na área da psicanálise, os principais são: Narcisismo, alteridade e Grupo Operativo - Instituto de Psicologia-USP; Conflito e Sintoma: Instituto Sedes Sapientiae; A psique da criança - Casa do Saber, além de participar do curso internacional nos Estados Unidos de treinamento para facilitadora de grupo (National Black Women Health Project, Atlanta/Geórgia e Nova York).
A psicóloga também participou do I Encontro Nacional de Psicólogos(as) Negros(as) e Pesquisadores(as) sobre Relações Raciais e Subjetividade no Brasil (PSINEP), em São Paulo, e como coordenadora geral e palestrante no V Congresso Brasileiro das DST e AIDS (MG) e III Conferência Nacional de Saúde Mental.
No ano de 2008, Lucinha ingressou no Instituto SEDES Sapientiae para cursar ‘conflito-sintoma’. Entretanto, em 2010, ela foi a trabalho para Salvador, Bahia, onde residiu por por 4 meses e por isso não conseguiu concluir o curso.
Participação política
Com o fim da ditadura e as primeiras eleições diretas, é criado o Conselho Estadual da Condição feminina, no Estado de São Paulo, e em 1986 é criado dentro do Conselho uma comissão de mulheres negras, na qual ela passa atuar no desenvolvimento de trabalhos e discussões do impacto da combinação de gênero e racismo na vida de mulheres negras.
Em 2001, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), convidou três psicólogas negras para uma conversa com a comissão sobre a importância de uma campanha com os profissionais de psicologia para incluir a escuta sobre os efeitos do racismo no CFP.
Criação dos institutos
Ao encerrar sua participação na Comissão de mulheres negras, a psicóloga se reuniu com Solimar Carneiro, Edna Roland, Sueli Carneiro, Nilza Iraci, Ana Lucia Xavier Teixeira e fundaram em 30 de Setembro de 1988 a ONG Geledés- Instituto da Mulher Negra, da qual Lucinha foi presidente de 1988 a 1994. Por meio do Geledés, conheceu uma fundação americana chamada Projeto Nacional de Saúde das Mulheres Negras. Através de um investimento, ela vai para Atlanta conhecer a sede do projeto e participar de um encontro de 3 dias com cerca de 200 mulheres negras. Esse encontro ocorreu em Dahlonega, Estados Unidos.
Quando Maria Lúcia retorna de sua viagem de 15 dias aos Estados Unidos, ela cria um projeto chamado "Construindo nossa Cumplicidade", que durou 3 anos. esse projeto consistia em dinâmicas de grupo com encontros quinzenais, com o intuito de que as mulheres que participassem pudessem compartilhar suas vivências e ter acompanhamento psicológico.
No final do ano de 1994, saindo do consultório de sua supervisora de bioenergética, Maria Lúcia encontra uma psicóloga chamada Marilza de Souza e conversam sobre a questão da psicologia negra. A partir desse momento, ambas começaram a pensar na construção de uma clínica voltada para o atendimento de pessoas negras. Depois de algum tempo amadurecendo a ideia, elas, juntamente com Ana Maria e Silvia de Souza, fundaram em setembro de 1995 o Instituto AMMA- Psique e Negritude com o objetivo de pensar o racismo e a psicologia. Lucinha foi presidente do Instituto no período de 2008 a 2011 e depois de 2016 a 2019. No final de 2019, deixou a presidência e se tornou conselheira do Instituto.
Atualmente
Atualmente, Maria Lúcia continua trabalhando como psicanalista na área clínica, é conselheira do Instituto AMMA- Psique e Negritude e coordenadora da Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) do Brasil.
Contribuições
Maria Lúcia é psicóloga, psicanalista e psicoterapeuta, especialista em trabalhos com recorte de gênero e raça e a questão da negritude e do racismo dentro da psicologia. Todo seu trabalho é voltado para um debate crítico da visão psicanalítica sobre racismo, vidas negras em meio ao social, sentimentos e vontades dessas pessoas. Assim, sua obra tem como objetivo ajudar pessoas negras a se encaixarem neste mundo, levando em conta não só suas vivências, mas também o quanto causos como o preconceito racial podem interferir em seus pensamentos ou visões sobre si mesmo.
Sendo de grande contribuição sua proposta de trabalho para o mundo e em questão o Brasil, o segundo país com mais negros fora do continente africano, tendo mais de 52% da população racializada e mesmo assim ainda possuem um sistema e padrões aos quais excluem constantemente a participação dessas pessoas.
A principal contribuição de Maria Lucia dentro da psicologia se dá por meio da fundação do Instituto AMMA - Psique e Negritude que desenvolve estratégias para identificação, elaboração e desconstrução do racismo e seus efeitos psicossociais.
Além do trabalho no instituto Maria Lucia da Silva desenvolveu também alguns debates, pesquisas, seminários, oficinas temáticas e cursos, em seus documentos como o currículo lattes ela dá alguns nomes de projetos. como por exemplo;
- Planejamento e coordenação de projetos institucionais com foco psicossocial.
Projeto Questão Étnico Racial e Direito à Saúde: Qualificando Práticas. Parceria com Secretaria Municipal e Saúde de São Paulo;
- Elaboração e facilitação de Oficinas de Identificação e abordagem do racismo e sexismo institucional:
o Equipe do Plano Juventude Viva, da Secretaria Nacional da Juventude, em Brasília e Rio de Janeiro;
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial/Brasilia;
- Consultoria e Assessoria para Grupos, Instituições, Organizações Governamentais e Não-Governamentais; Profissionais das áreas de Saúde e Educação:
Elas Fundo Social de Investimento. Acompanhamento Projeto “Elas em Movimento”. Grupos de Mulheres Empreendedoras, em territórios pacificados: Cidade de Deus, Providência, Borel e Batan/RJ;
Ideias
Para a Conselheira do Instituto AMMA, Maria Lucia da Silva a discussão sobre raça e racismo no Brasil muitas vezes são superficiais porque em pesquisas que apontam sobre os números raciais a maioria diz existir o preconceito, mas ninguém se assume no lugar de preconceituoso, para Maria um debate aberto envolvendo racializados e não racializados é extremamente necessário para a evolução do pensamento humano.
Pessoas de pele preta são desvalorizadas e intituladas como escoria da sociedade e nem sempre sua classe social (sendo um indivíduo negro mais rico) ajudaria muito em desvincular este título, Maria Lucia critica a falta de debates em volta do assunto, ao colocar o preconceito como tabu, deixamos de lado questões como essas. Como fica a psique de um ser sobrevivente ao preconceito, mas que não pode expor e anunciar suas vivências? A teoria de Maria Lúcia está voltada para este questionamento.
Maria Lúcia possui participação em três obras publicadas. em um dos livros ela fala sobre como lidar com as marcas do preconceito racial, como cuidar da saúde psíquica no contexto brasileiro principalmente. Em 2017 publicou O racismo e o Negro No Brasil- Questões para a Psicanalise, onde a mesma foi a organizadora, e busca mostrar que no Brasil, a dificuldade de perceber a dimensão da questão racial trava o processo de construção e constituição do país como nação.
A psicóloga faz o recorte de raça e gênero e tem como afirmação de que o recorte é necessário para entender os processos individuais e coletivos da sociedade. Entender cada subjetividade e trabalhá-las por meio da psicanálise. Tem o objetivo de pensar na sociedade e refletir sobre o racismo, possibilitando pensar como esse fenômeno afeta o indivíduo. Ajuda a pensar no sujeito atravessado pelo racismo.
Maria Lucia da Silva leva em conta a composição da população brasileira e afirma que psicólogos devem conhecer a história do Brasil, saber com o que estão lidando e quais são os processos de construção do pais, sendo necessário admitir a história de escravidão e preconceituosa para que possam construir uma psicologia que atenda bem as necessidades de cada um da melhor maneira possível. Ela afirma que olhar o país mestiço com um olhar europeu é um equívoco. Pensar a psicanálise é pensar os lugares de poder que ela ocupa.
Seguidores
O Instituto Geledés e o AMMA são idealizados em parte pela Maria Lúcia e um grupo de psicólogos que juntas visam o debate e a discussão sobre Psique e Negritude. Geledés é um instituto conhecido pelos temas trazidos em textos e reportagens. Para a construção desses trabalhos foram necessárias algumas pessoas que acreditavam nas ideias e apoiavam “Lucinha”.
Como Jussara Dias, uma psicóloga especialista em psicodrama pelo Centre International de Psychothérapie Expressive em Quebec. Jussara é uma Co-fundadora do AMMA.
A psicóloga clínica e psicoterapeuta corporal em Análise Bioenergética e biossíntese, a Maria Cristina Francisco, importante integrante do instituto.
A doutora Clélia Prestes, que possui estágio doutoral no Departamento de Estudos Africanos e Afro-Diaspóricos, Clelia é integrante e palestrante do grupo.
O Marcio Farias, psicólogo pela universidade presbiteriana Mackenzie e Professor convidado pela Celacc ECA/USP. outro participante do Instituto AMMA.
Importante membro do Grupo de Pesquisa do AMMA, Marcos Amaral é psicólogo e doutorando em Psicologia da Educação pela PUC-SP trabalha em “A Dimensão Subjetiva da Desigualdade Social: suas diversas expressões” na pesquisa.
Obras
Das muitas obras que levam o nome de Maria Lucia da Silva, esses são os livros principais que a psicóloga contribuiu para a escrita, lançamento e organização dos mesmos. Além dos três livros há no site do Instituto AMMA uma biblioteca repleta de outras obras.
Psique e Negritude – Os Efeitos Psicossociais do Racismo, 2008.
O racismo e o Negro No Brasil - Questões para a Psicanalise, 2017.
Violência e Sociedade - O Racismo como Estruturante da Sociedade e Subjetividade do Povo Brasileiro, 2018.
Prêmios
Concurso Desafio de Impacto Social Google|Brasil, 2014 -Prêmio recebido pelo Instituto Geledés.
Relações com outros personagens
A abordagem escolhida por “Lucinha”, é a psicanálise de Freud, onde é apresentado ferramentas para analisar e entender alguns fenômenos sociais como o racismo. A possibilidade de refletir como cada fenômeno afeta o indivíduo.
Tendo como base toda produção freudiana e conceitos de Tânia Corghi Veríssimo que mostram a dificuldade em discutir questões raciais no país citando termos como traumas e outros relacionados. Se tratando de vivências não só em debates, mas também no atendimento clínico onde a psicóloga Maria Lúcia sempre enfatiza a necessidade de falar sobre e levar em conta cada fenômeno da sociedade.
Levando em conta sempre o lugar de fala do paciente, do coletivo onde são tratados as dores e angústias que são capazes de prender um indivíduo em busca de compreender as necessidades de cada um em meio a sociedade.
No Brasil já há algumas pesquisas que nos ajudam a entender os efeitos psíquicos do racismo, mas ainda são poucas. No que podemos apreender melhor – os processos de depressão, as crises de ansiedade, as manifestações de uma angústia profunda –, constatamos que pessoas negras que apresentam esses quadros têm fortes componentes de racismo.
Críticas
Tratando de criticas sobre a psicóloga pode-se citar o seguinte trecho:
Segundo Magda (2020, p.1) Por todos os capítulos são investigados os componentes básicos da ideologia racista brasileira: a negação do preconceito, o branqueamento e seus efeitos nos processos de identificação. O ideal de brancura se infiltra no desejo materno, criando uma das maiores dores na formação da identidade do negro: a negação do próprio corpo e o sentimento de invisibilidade do ser. Daí, como vários autores ressaltam, a importância do que há muitos anos os movimentos negros vêm imprimindo: a reafirmação da negritude em todas as suas dimensões.
Quem se aproxima ao tema do racismo não escapa do efeito perturbador que ele provoca. Em novembro de 2018, estive no 4.º Congresso de Psicanálise de Língua Portuguesa, em Cabo Verde, cujo tema foi Rotas da escravidão. Tal evento me confirmou ser essa uma questão que diz respeito a todos nós. Como diz Cuti, o racismo não é tema só de negro: “Os brancos estão envolvidos até o mais recôndito da alma” (p. 209).
A leitura deste livro, que apresenta uma psicanálise profundamente implicada com nosso passado e nosso presente, é fundamental para sensibilizar as futuras gerações.
Como dito por Magda Guimarães em sua resenha, o livro vai a fundo na questão apresentada, mesmo que por alguns segundos o tema pareça exaustivo e repetitivo é necessário afirmar a importância do mesmo, pois enquanto interferir no coletivo e no individual da sociedade ainda será uma questão atual.
Entretanto o assunto ainda pode se tornar um gatilho ou uma questão difícil de falar ou ler para algumas pessoas que passam ou já passaram por questões traumáticas racistas, e por isso é certo que não somente pessoas racializadas leiam e se interessem pelo assunto, mas também pessoas não racializadas que possam se juntar a um debate justo.
Cronologia Biográfica
15 de abril de 1949 - Nascimento
1976- Colaboração na reabertura do Centro de Cultura e Arte Negra
1980 - Ingresso na Faculdade Paulistana de Ciências e Letras
1985- Conclusão do Curso de Psicologia na Faculdade Paulistana de Ciências e Letras
30 de setembro de 1988- Criação do Instituto Geledés
Entre 1988 - 1994- Foi presidente do Instituto Geledés
1989- Criação do Projeto Construindo Nossa Cumplicidade
1995- Fundação do Instituto AMMA- Psique e Negritude
Presidenta do Instituto AMMA- Psique e Negritude no período de 2008 a 2011 e 2016 a 2019.
Novembro de 2019- Transição do lugar de Diretora-Presidente para conselheira do Instituto AMMA- Psique e Negritude
Referências
- KHOURI, Magda Guimarães Resenha: O racismo e o negro no Brasil Questões para a psicanálise Revista Brasileira de Psicanálise. Vol. 53, n. 1, out. 2019.
- POMPERMAIER. Paulo Henrique. Como a vivência cotidiana do racismo pode se converter em traumas: Maria Lucia da Silva. 2017.
- POMPEU, Fernanda. As caras da violência.
- SILVA, Maria Lucia da. Histórico Maria Lucia da Silva. Mensagem recebida por: <thatyelipolo@id,uff.br>. em: 01 dez. 2020.
- SILVA, Maria Lúcia da, Psique e Negritude. [S.I]: Tupi Produções, 2019. Son., color. Série Psicanalista que falam.
Autoria
Verbete criado inicialmente por: Manuela Fernandes de Oliveira e Thatyeli Polo da Silva, como exigência parcial para a disciplina de História da Psicologia da UFF de Rio das Ostras. Criado em 2020.2, publicado em 2021.1