Fundada no Rio de Janeiro em 1923 por Gustavo Kohler Riedel, a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM) foi majoritariamente composta por médicos, reunia também jornalistas, professores, dentre outras figuras socialmente influentes da época. A instituição se consolidou com a construção de um programa que visava a aplicação de intervenções em diversas áreas do saber e espaços sociais com o intuito de prevenir e tratar doenças nervosas e mentais. O encerramento de suas atividades ocorreu em 1947, com o fim das publicações dos Arquivos Brasileiros de Higiene Mental.

HistóriaEditar

PrecedentesEditar

O Higienismo surge na Europa do XIX, que vivia o auge do processo de industrialização e suas implicações, como o êxodo rural e consequente habitação das cidades que ocorreu de forma não planejada, as cidades não estavam preparadas para abrigar tantas pessoas, o que resultou em casas improvisadas que não continham a estrutura necessária para uma vida digna, que possibilitasse o mínimo para a sobrevivência.

Diante desse cenário surge o movimento higienista, como meio de propagação da higiene nessas cidades que viviam o caos sanitário.

Contexto histórico brasileiroEditar

A economia cafeeira durante toda a primeira república representou mais de 50% das exportações do Brasil, exercendo tamanha influência, que durante mais de 30 anos (1894-1930) os presidentes da república eram fazendeiros, ou apoiados por eles. Pode-se dizer que o café foi o propulsor das alterações ocorridas na época: com a produção em larga escala a demanda por mão de obra aumentou, assim, a imigração foi intensificada e facilitada, por meio de amparo financeiro e residencial, principalmente por europeus e asiáticos, que viam no Brasil uma oportunidade de mudança de vida.

No início do século XX, os cafeicultores produziram mais do que o mercado podia consumir, tiveram enormes prejuízos. Se por um lado esse fato foi devastador para a economia cafeeira, para a industrialização mostrou-se de fundamental importância, pois, os fazendeiros começaram a investir nas indústrias parte de seus lucros.

Após esse período veio Vargas, que instituiu políticas públicas que visavam substituir os bens de consumo importados por produtos fabricados no Brasil. Dessa forma, ele diminuiu os impostos sobre a indústria, o que levou ao florescimento de indústrias brasileiras, também houve o estabelecimento de indústrias estrangeiras.

A industrialização levou ao rápido crescimento das cidades e à precarização da higiene, resultando em epidemias, como a Europa já havia passado por esse processo, era vista como o modelo a ser seguido, como se fosse a linha de chegada do desenvolvimento brasileiro. Portanto, o país tinha que tornar-se civilizado, os hábitos deveriam ser reestruturados, para que com isso, as doenças advindas deles fossem extintas, transformando as cidades em perfeitos receptáculos para o progresso que a modernização traria. Nessas ideias fica evidente a influência do pensamento científico positivista europeu: hábitos anti-higiênicos devem ser convertidos em novos costumes, higiênicos e melhores que os antigos, em prol do desenvolvimento do país.

FundadorEditar

Gustavo Kohler Riedel (1887-1934) Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, foi o fundador e primeiro presidente da Liga Brasileira de Higiene Mental e criador dos Arquivos Brasileiros de Higiene Mental e os Anais da Colônia de Engenho de Dentro. O primeiro foi um periódico criado com o intuito de promover as diretrizes da Higiene Mental por todo o país, cujo período de sua publicação é considerável e data  de 1925 até 1947, o que demonstra um sucesso por parte da Liga em divulgar seus ideais.

A LigaEditar

Constitui-se como mais uma dentre as várias ligas nacionalistas, do século XX, que visava o progresso do país e também desenvolveu-se como mais um eixo do movimento sanitarista e eugenista. Teve importante papel na propagação e fundamentação da medicina psiquiátrica higienista. Produziu conteúdo em diversos campos da vida social e privada, como por exemplo sobre o alcoolismo, sexualidade e reprodução, imigração, nacionalidade, raça, educação escolar, alienados e etc.

O principal feito foi a institucionalização de uma noção patológica em contraposição a um “normal”, atendendo aos interesses e as normativas da elite.

Nesse sentido, tendo em vista que o crucial naquele momento era mão de obra para o desenvolvimento industrial, o discurso foi orientado para a construção de uma sociedade do trabalho: higiênica, com ruas e bairros limpos - atrair imigrantes -, com pessoas saudáveis, física e mentalmente, para que dispusessem de vigor para as tarefas do dia.

A Liga teve também um caráter mecanicista, a fim de solucionar os problemas de cunho social, os colocou como sendo questões individuais, que diziam respeito apenas ao sujeito e seu psiquismo. Desse modo, o “tratamento” perpassa somente pelos médicos clínicos (em sua maioria psiquiatras), desviando de resoluções político-sociais.  

O objetivo do movimento era a prevenção, manutenção e garantia da saúde mental da população brasileira, porém, a preocupação não era com o ser e sim com o que esse ser poderia proporcionar. Como foi apresentado acima, o Brasil estava vivendo a industrialização e a LBHM estava alinhada com esse processo, portanto, o interesse final era que os trabalhadores estivessem sãos para que pudessem proporcionar o progresso ao país. Constituíam o objeto de investigação e de intervenção, mas os seus processos, o modo como viviam, suas dores, conflitos, e relações não eram realmente vistos como hoje é na clínica, aqui novamente tem a visão mecanicista, os indivíduos não eram sujeitos de sua história, eram partes do todo.

No artigo “Trabalho e higiene mental: processo de produção discursiva do campo no Brasil”, Carvalho (1999) traz um panorama geral sobre a atuação da liga com o proletariado, pontua que a sociedade da época foi pensada como o resultado da soma de partes individuais, que deveriam ter um funcionamento perfeito, para que assim, o corpo social pudesse ser organizado.

AtuaçãoEditar

A LBHM atuou em um contexto de rápida expansão da população, emergente industrialização, e grande desigualdade social. Se fazia necessária a proteção da saúde mental dos operários, que representavam a força de trabalho, imprescindível naquele momento e, por isso, a Higiene Mental tinha o intuito de tratar os danos mentais causados pelo desgaste laboral. Além disso, para o crescimento da economia brasileira, fazia-se necessário mão de obra qualificada. O compromisso da Liga era mais com a organização social e econômica do que com a felicidade e satisfação dos trabalhadores.

Em face do cenário descrito, foram realizadas diversas intervenções (direta e indiretamente) com a população trabalhadora para que se pudesse atingir o ideal esperado, e o objetivo dessas intervenções era alocar o trabalhador em determinados setores a partir de suas “aptidões naturais” e tratar as diagnoses que impediam o exercício do trabalho pelos operários e, ainda, isolar os que possuíam determinadas “patologias mentais” dos que eram mais “aptos”.

Relação com a PsicologiaEditar

A Liga Brasileira de Higiene Mental trazia entre suas propostas de melhorias sanitárias, projetos que, uma vez aplicados, deveriam gerar mudanças nos modos de vida da população. Grande parcela desses projetos tinham como finalidade a  prevenção das “doenças mentais”, pois acreditava-se que apenas medidas como saneamento básico, erradicação de vetores de doenças nos subúrbios e o cuidado com a saúde física não eram suficientes para o alcance de uma sociedade no mais alto estado positivo. Fazia-se necessário, também, que a população estivesse com as suas faculdades mentais em plenitude, ou seja, a mente sã, livre das chamadas “patologias mentais”. Pois, no viés da LBHM, apenas com corpo e mente dedicados ao trabalho, por exemplo, a sociedade se desenvolveria e, consequentemente, veria-se também livre de todo tipo de mazela social.

Neste contexto, a  psicologia atuava em vários âmbitos: visando garantir a saúde mental dos operários, a seleção psicológica de pessoas em fase escolar, avaliação de mentalidades consideradas normais. Isso porque, a partir desses estudos e seleções, poderia-se escolher os cidadãos mais bem adaptados a diversos tipos de serviços e  posições na sociedade, justificando o lugar que cada um ocupava no espaço social e político, como também a desigualdade social.

A liga, com seu conjunto de ações, contribuiu para a expansão da Psicologia Científica no  Brasil, que atuou em diversas áreas, e se fortaleceu principalmente no que diz respeito às práticas psicométricas bem como na reprodução de estudos de outros países e na construção de estudos brasileiros em Psicologia.

ProdutosEditar

As campanhas contra o alcoolismoEditar

A Liga Brasileira de Higiene Mental exerce grande influência no que diz respeito ao entendimento do alcoolismo como uma espécie de doença social. Foram criadas campanhas de combate ao alcoolismo e uma série de projetos que visavam educar moralmente a população a respeito do consumo de álcool, principalmente pelas camadas mais pobres da população.

Para os intelectuais da Liga, o consumo de álcool e os seus efeitos, eram hereditários, passavam dos pais para os filhos, além disso era considerado como fator degenerativo para a saúde mental e moral da população e por isso, os efeitos do consumo de álcool eram intimamente associados às doenças mentais, e ao motivo da  criminalidade e a imoralidade que também seriam difundidos de geração em geração e assolavam a população.

Costumeiramente a LBHM utilizava o ambiente das escolas como meio de propagação de seus projetos, no que diz respeito às campanhas anti-alcoolismo não foi diferente. Foram promovidas ações em penitenciárias e, com o apoio dos poderes públicos, também houve a organização da “semana anti-alcoólica" como uma tentativa de abranger todo o país, além do tema ser abordado constantemente no periódico Arquivos Brasileiros de Higiene Mental em uma sessão específica chamada Contra Alcoolismo: a favor da Higiene Mental, que posteriormente teve seu nome alterado para Trabalhos Anti - Alcoolismo.

ReferênciasEditar

  1. CARVALHO, Alexandre Magno Teixeira de. Trabalho e higiene mental: processo de produção discursiva do campo no Brasil. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, 1999, v. 6, n. 1, p.133-156.
  2. COTRIM, Gilberto. História Global: brasil e geral. Saraiva. São Paulo, 2.ed, 2013.
  3. LIMA, A. Do álcool à loucura: as campanhas antialcoólicas da Liga Brasileira de Higiene Mental no ano de 1930. Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura/Bacharel. Departamento de História, Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília. Brasília, 2019.
  4. MARCONDES, Danilo. As origens do pensamento moderno e a ideia de modernidade: uma iniciação à filosofia. Zahar. Rio de Janeiro, 2016.
  5. SIMON, Maria Célia et al (org.). Positivismo de Comte. Zahar. São Paulo, 15 ed, 2015.

AutoriaEditar

Verbete criado inicialmente por Ana Beatriz de Souza Silva, Zulai Ayo Rosa Silva e Luany Soares de Lima, como exigência parcial para a disciplina de História da Psicologia. Criado em 2021.2, publicado em 2021.2.