A Teoria da Equilibração é uma tese formulada pelo epistemólogo suíço Jean William Fritz Piaget a respeito do desenvolvimento da inteligência dos seres humanos, compondo uma teoria do conhecimento na área das ciências humanas. O termo surge nos primeiros escritos de Piaget por volta de 1918, contudo é desenvolvido de forma mais consistente a partir dos anos 1935 como parte fundamental do projeto epistemológico que desenvolveu na Universidade de Genebra, na Suíça, denominado Epistemologia Genética.
HistóriaEditar
Apresentação do autorEditar
Jean William Fritz Piaget nasceu em 9 de Agosto de 1896 na cidade de Neuchâtel, Suíça. Filho de um sistemático professor universitário e de uma importante figura política local, Piaget desenvolve desde jovem uma postura rigorosa diante de seus interesses. Começa precocemente a produzir artigos científicos: aos 11 anos publica pela primeira vez suas observações sobre pardais albinos (1906) ; nos anos seguintes, trabalhando no Museu de História Natural de Neuchâtel (de 1906 a 1909) , dedica-se ao estudo de moluscos e seus processos de adaptação a diferentes ambientes, publica um artigo sobre o assunto em 1909, o que lhe serviu de base para o seu empreendimento científico no campo da biologia.
Após obter doutorado em Ciências Naturais na Universidade de Neuchâtel, em 1918, Piaget decide viajar para Zurique, onde permanece até o próximo ano, a fim de explorar a perspectiva psicológica, quando se apropria do método clínico advindo da psicanálise. Em 1919, o biólogo se muda para Paris, onde encontra e trabalha com Alfred Binet, na Universidade de Sorbonne, fazendo surgir o interesse em investigar as diferenças acerca do desenvolvimento intelectual de crianças e adultos, base de toda sua teoria epistemológica. No ano de 1922, retorna à Suíça a convite de Édouard Claperède (1873-1940), diretor e fundador do Instituto Jean-Jacques Rousseau (fundação em 1912) em Genebra, para comandar entrevistas clínicas aplicadas às crianças. Esse contato com Claperède foi fundamental para Piaget desenvolver uma interpretação genético-funcional na abordagem dos fenômenos psicológicos.
Ao longo de seis décadas, Piaget desenvolveu inúmeros trabalhos nos campos da biologia, psicologia e da epistemologia, os quais fundamentaram seus estudos acerca das origens do desenvolvimento cognitivo humano. A produção científica se encerra com sua morte, em 16 setembro de 1980, porém seu legado permanece relevante, conforme pode ser ostentado em seus mais de 50 livros publicados. Por essa grande produção e alcance de suas obras, é considerado por muitos estudiosos o psicólogo mais importante do século XX, exercendo grande influência na investigação do desenvolvimento durante a infância.
Conceitos préviosEditar
A noção de Equilibração aparece cedo nos escritos de Piaget. Em Recherche, um romance autobiogŕafico e filosófico escrito em 1918, o autor, então aos 20 anos, expressa os anseios de criar uma teoria do conhecimento baseada na Biologia, sua primeira área de formação, relacionando a organização do pensamento com a organização da vida em geral. Nesta obra, o autor afirma que o equilíbrio é o pressuposto de toda forma de vida, e que para atingir esse equilíbrio é necessário que haja a assimilação, termo que ele desenvolve apenas cerca de 18 anos mais tarde, por volta de 1936.
O trabalho do biólogo e psicólogo no Instituto Rousseau, a partir de 1922, resultou nos seus cinco primeiros textos acerca das formas de conhecimento da criança sob o ponto de vista biológico, bem como de seus processos de transformação, estabelecendo o que denominou de “Teoria do Estágios”, e demarcando o que ficou conhecido como primeiro período da obra de Piaget (de 1920 a 1930). As principais publicações dessa fase são: A linguagem e o pensamento na criança (1923); O raciocínio da criança (1924); A representação do mundo na criança (1926); A causalidade física na criança (1927); e O julgamento moral na criança (1931).
O segundo período da obra piagetiana (1930-1945) é marcado pelo foco no tema da adaptação, iniciado com a publicação de “O Nascimento da Inteligência na Criança'' (1936). Neste trabalho, utilizando de minuciosas observações das atividades de bebês (entre eles, seus próprios filhos), do momento do nascimento até por volta dos 18 meses de vida, o autor analisa a maneira como os processos de adaptação agem na construção da inteligência sensório-motora, característica da primeira relação do sujeito com o meio que o cerca, anterior ao aprendizado linguístico. Também compõem o segundo período as obras “A construção do real na criança” (1937) e “A formação do símbolo na criança” (1945), onde descreve os processos em que o sujeito tem papel ativo em interação com o meio para a construção do conhecimento.
A teoria da EquilibraçãoEditar
A adaptação, segundo Piaget, pressupõe equilibração, que é considerado o quarto e mais importante fator dentre os responsáveis por impulsionar o desenvolvimento intelectual, ou seja, pela passagem de uma forma rudimentar de ação a uma ação intelectual mais sofisticada, conforme explicitado em seu trabalho sobre a Teoria dos Estágios, desenvolvida de 1920 a 1930.
Conforme descrito em “O Nascimento da Inteligência na Criança'' (1936), o ambiente está constantemente emitindo estímulos aos organismos, causando desequilíbrio nos seus esquemas de pensamento. O indivíduo, por sua vez, busca restabelecer seu estado de equilíbrio por meio dos mecanismos de assimilação e de acomodação em seus esquemas mentais. Esses esquemas são dotados de mobilidade, o que permite sua auto-regulação ao entrar em contato com o objeto a ser conhecido.
Ainda segundo o livro de 1936, assimilação é o nome dado ao processo de incorporação de um novo dado a um esquema mental já existente, enquanto que a acomodação diz respeito à tendência do pensamento a se ajustar, alterando os esquemas de ação adquiridos a fim de se adequar à novidade. Esses processos ocasionam, apenas por um determinado momento, a equilibração (também chamada de equilibração majorante) dos esquemas mentais do indivíduo, no processo de construção do conhecimento de algo novo. Dessa forma, a inteligência atinge um estado de equilíbrio móvel e permanente, a equilibração, a qual, a cada vez que supera os desequilíbrios resultantes das relações com o meio, compõe as sucessivas gêneses que estruturam os esquemas intelectuais, sendo considerada por Piaget como uma das gêneses do conhecimento.
A noção de equilibração como uma das bases do desenvolvimento cognitivo é explorada nos períodos subsequentes, chegando a passar por uma reformulação completa em Equilibração das Estruturas Cognitivas (1975). Em Psicogênese e História das Ciências, publicado 3 anos após sua morte (1983) em co-autoria com Rolando Garcia, a equilibração, nesse ponto chamada de abstração reflexiva, é reafirmada como expressão das condições impostas a toda aquisição cognitiva que pode ser encontrada em todos os domínios e todos os estágios do desenvolvimento humano.
A teoria de equilibração é considerada por muitos estudiosos como a espinha dorsal do trabalho epistemológico Piagetiano. Ao afirmar o papel ativo do sujeito na construção do seu conhecimento, a teoria foi responsável por abrir diversos novos campos de investigação a respeito do desenvolvimento intelectual das crianças. A epistemologia genética de Piaget assegurou, ao longo dos anos, uma respeitável posição entre as teorias do conhecimento, e constitui uma importante referência para diversos movimentos de reforma educacional ao redor de todo o mundo.
Relações com outros personagens e teoriasEditar
As influências de E. ClaparèdeEditar
A teoria da Equilibração, que fundamenta a perspectiva genético-funcional desenvolvida por Piaget, dá continuidade ao trabalho iniciado por Edouard Claparède acerca da função adaptativa da inteligência - considerada como um instrumento de adaptação que entra em jogo quando falham os outros instrumentos, que são o instinto e o hábito. A tese faz oposição às concepções inatistas (que concebe a inteligência como uma faculdade inata) e associacionistas (considera a inteligência como jogo de concepções adquiridas), ideias de grande influência sobre as investigações psicológicas desenvolvidas na época.
A Equilibração e a GestaltEditar
As concepções de Piaget se relacionam estreitamente com a psicologia da Gestalt, que admite apenas a existência relacional entre objetos e sujeitos e desconsidera que ambos existam de forma independente. Segundo Piaget, embora o estruturalismo gestaltista considere a capacidade relacional dos processos endógenos para com os exógenos, fator ignorado por outras vertentes, tal teoria apresenta equívocos no que tange o papel do sujeito na construção de suas estruturas. Nessa perspectiva, Piaget descarta a importância da figuração perceptiva na estruturação do pensamento, base da teoria gestáltica, dando ênfase na participação ativa do indivíduo ao construir sua inteligência. Em suma, os processos adaptativos, em busca de constante equilibração, resultam em gêneses que, por sua vez, garantem a sucessiva complexificação das formas estruturais, sendo a existência do sujeito somente possível porque o princípio fundador das estruturas é a própria estruturação.
Piaget e o Paradigma DominanteEditar
A visão de equilibração expressa no trabalho de Piaget pode ser colocada dentro do “marco epistêmico de seu tempo” uma vez que se inspira nos paradigmas dominantes da época e nas ciências físico-matemáticas. Esse aspecto fica evidente quando o autor admite analogias como as que se relacionam com o conceito de entropia, apresentada na termodinâmica, onde a evolução ocorre sempre na direção de um equilíbrio, pressupondo a existência de um sujeito ativo perante os distúrbios externos, ao mesmo passo que é afetado por eles.
Ver tambémEditar
Ligações externasEditar
Boletim do Portal História da PsicologiaEditar
Este verbete está publicado também no Boletim do Portal História da Psicologia, e pode ser acessado aqui
ReferênciasEditar
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AutoriaEditar
Verbete criado inicialmente por: Caio Fabio Pereira Pinto Junqueira e Paula Raíssa de Oliveira Silva, como exigência parcial para a disciplina de História da Psicologia da UFF de Rio das Ostras. Criado em 2020.2, publicado em 2021.1