Os testes ABC

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Manoel Bergström Lourenço Filho foi o criador dos Testes ABC, cuja primeira circulação de maneira autônoma ocorreu em março de 1930. Em 1934, publicou a obra TESTES ABC - Para a verificação da maturidade necessária para a verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita, onde apresenta o teste, instrui sobre sua aplicação e disserta sobre sua validade. O teste tem por objetivo fornecer tanto um diagnóstico, quanto um prognóstico acerca da capacidade de alfabetização, podendo ser aplicado por qualquer educador que tivesse contato com seu guia de exame e dispusesse de seus materiais de aplicação.

História

Apresentação do autor

Manoel Bergström Lourenço Filho nasceu no ano de 1897 em Porto Ferreira - cidade do interior do estado de São Paulo -, sua família não era detentora de muitos bens, mas mesmo assim se importava bastante com a instrução dos mais jovens. Em 1916 mudou-se para a capital e concluiu sua formação na Escola Normal da Praça da República, recebendo o diploma de professor à época, algo que o permitiu ocupar cargos dentro de estruturas educacionais.

Ele prosseguiu atuando na área da educação, participando do processo de formação de professores em algumas instituições públicas e privadas, onde discorria sobre temas psicológicos em suas aulas. No início da década de 1920 ele começa a se envolver com cargos públicos relacionados à área da educação, vindo a se tornar Diretor Geral da Instrução Pública do Ceará e do estado de São Paulo.

Lourenço Filho também envolveu-se mais profundamente com o campo psicológico, interessando-se especificamente pelos estudos da área que eram interessantes à pedagogia, entrando em contato com diversos trabalhos franceses e suíços - sendo um dos responsáveis por sua vasta circulação no território brasileiro. Algumas de suas obras mais importantes datam do início da década de 1930, como a Introdução ao Estudo da Escola Nova (1930) e Os Testes ABC (1933), ambas amplamente lidas e utilizadas por educadores de todo o Brasil.  

Suas contribuições, por exemplo, enquanto um dos organizadores do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (1947) e criador do Serviço de Psicologia Aplicada de São Paulo (1931), foram muito importantes para o processo de institucionalização e estruturação do campo psicológico no Brasil durante o século XX.

Lourenço Filho morreu na cidade do Rio de Janeiro em 1970, contando 73 anos.

Trabalhos precedentes acerca da testagem psicológica nas escolas

De acordo com Monarcha (2011), o primeiro manual de aplicação brasileiro de testagem psicológica, relacionado ao âmbito escolar, data de 1924, obra de Medeiros e Albuquerque intitulada Tests: introdução ao estudo dos meios científicos de julgar a inteligência e a aplicação dos alunos. Anteriormente já circulavam alguns trabalhos deste gênero, porém eles eram de origem portuguesa, como, por exemplo, a Escala de pontos dos níveis mentais das crianças portuguesas (1919), de Luisa Sérgio e António Sérgio, e Lições de pedologia e pedagogia experimental (1923), de Faria de Vasconcellos.

A empreitada de Medeiros e Albuquerque foi continuada com a publicação de outras obras de autores brasileiros que tratavam de testes psicológicos, como O movimento dos testes: estudo dos testes em geral e guia para realização do teste Binet-Simon-Terman (1925) de Baker, Teste individual de inteligência: fórmula de Binet-Simon-Burt adaptada para o Brasil (1928) e Os testes e a reorganização escolar (1930) de Isaías Alves.

Ulisses Pernambuco e Manoel Bomfim também foram nomes importantes para a construção de um campo de testagem psicológico e psicologia aplicada no país, tendo escrito, individualmente, obras como O método dos testes: com aplicações à linguagem no ensino primário (1928) e Estudo psicotécnico de alguns testes de aptidão (1927).

Contexto histórico

De maneira geral, no Brasil, o início do século XX depara-se com um novo fenômeno: a escola de massas. “Presenciava-se a evolução crescente da matrícula escolar, ainda que insatisfatória, acompanhada de aumento de gastos públicos, o que exigia aumento da eficiência e do rendimento do sistema educacional” (Monarcha, 2008, p. 7). Logo, apostava-se que a eficiência do ensino estava relacionada com a organização de classes homogêneas, assim como o preparo da maior quantidade de alunos no menor prazo possível. Nesse ínterim, as práticas psicológicas começaram a ganhar certa relevância social, algo que contribuiu para legitimar uma Psicologia Objetiva enquanto campo acadêmico e área pertinente às demandas políticas e institucionais (ver a seção 2.2 do verbete). Consequentemente, a Psicologia Objetiva ganhou vasta visibilidade tanto nos meios científicos quanto nos administrativos nacionais, também inserindo-se no meio escolar. Dessa forma, institucionalizou-se o “movimento dos testes”, no qual encontram-se figuras como Ulisses Pernambucano, Manoel Bomfim, Waclaw Radecki, Clemente Quaglio, Helena Antipoff, Isaias Alves e Lourenço Filho.

Além da questão pedagógica, a atividade experimental na época expressava o empenho da objetividade científica como a principal via de organização da Psicologia, consolidando-a enquanto campo de saber autônomo. Sendo assim, dois livros publicados por Lourenço Filho estavam diretamente relacionados com tal proposta: Introdução ao estudo da Escola Nova (1930) e Testes ABC para verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita (1933). Com essas obras, aponta-se uma das expressões de uma corrente de idéias em vertiginosa ascensão, denominada “movimento da Escola Nova” - inspirada pelas ideias de funcionalistas genebrinos como Édouard Claparède entre outros -, que estava disposto a reformular as bases da educação brasileira, mediante integração da pedagogia com outros campos do saber, como a Psicologia, Sociologia, Biologia e Higiene.

A criação do teste

As pesquisas das quais derivam os Testes ABC iniciam-se na década de 20, na escola-modelo anexa à Escola Normal de Piracicaba, no interior paulista. Elas surgiram a partir de um problema de ordem prática: “Impressionara-nos o fato de haverem algumas crianças fracassado na aprendizagem da leitura, no ano letivo anterior, muito embora apresentassem nível mental igual ou superior ao de outras, para as quais o aprendizado se havia dado normalmente, na mesma classe, com o mesmo mestre, e, pois, com os mesmos processos didáticos” (Lourenço Filho, 2008, p. 35). Assim, visando lidar com essa questão, deram início a verificação do nível de acuidade visual e auditiva das crianças, e também da fatigabilidade e interesse na atenção escolar.

Retomaram as pesquisas na Escola Normal da Capital, em São Paulo, e perceberam que elas “deviam procurar atingir a estrutura íntima de todo o processo do desenvolvimento, sem deter-se apenas na verificação da acuidade sensorial ou de processos isolados. Seria forçoso, pois, planejar uma série de provas sintéticas, ou puramente funcionais” (Lourenço Filho, 2008, p. 35).

Dessa forma, decidiram compor um instrumento útil, de manejo prático e simples, que pudesse ser empregado por qualquer mestre primário ou mesmo pelos pais, de tal forma que serviria tanto como diagnóstico como prognóstico para a aprendizagem da leitura e da escrita. Tendo isso em vista, “Lourenço Filho orientava-se pelas idéias e obras de autores ligados à escola franco-genebrina de Psicologia: Comment diagnostiquer les aptitudes chez les écoliers, de Edouard Claparède (1929), La mesure du développment de l’intelligence chez les jeunes enfants, de Alfred Binet e Theodore Simon (1931), Psicologia experimental, de Henri Piéron (1926), Tecnopsicologia do trabalho industrial, de Léon Walther (1929), Psychologie et pedagogie de la lecture, de Ovide Decroly (1926) e La pratique des tests mentaux, de Decroly e Buyse (1928)” (Monarcha, 2008, p. 12).

A sistematização da criação do teste ocorreu vagarosamente, uma vez que realizada as provas com um grupos de analfabetos, no início do ano escolar, era necessário esperar pela conclusão do ano letivo para averiguar a correlação entre os resultados da provas e o da aprendizagem. Após verificar a alta intercorrelação entre elas, as provas de aplicação mais difíceis foram retiradas, passando de 22 a 8 o número total de provas que compõem os Testes ABC. Nessa fase, foram realizados 84 exames com crianças do Jardim da Infância e da Escola-Modelo, e contando com a colaboração da professora Noemi Silveira, assistente do Laboratório de Psicologia Experimental dessa Escola Normal entre 1928 e 1929.

A partir de 1928, os resultados dessas pesquisas começaram a ser divulgados, e os testes ABC passaram a ser aplicados, institucionalmente, em centros urbanos brasileiros mais desenvolvidos. Logo, a primeira aplicação dos testes se deu para o efeito de tratamento especial de alunos repetentes, em 1928, na Escola Manuel Cícero, do Rio de Janeiro.

Recepção e circulação

Os Testes ABC - propriamente dito - foram amplamente utilizados em países estrangeiros, como pelo Instituto Nacional de Pedagogia, do México, pelo Laboratório de Psicopedagogia, do Uruguai; pelo Instituto Pedagógico da Universidade de Santiago, do Chile; pelo Instituto Psicopedagógico Nacional, de Lima, Peru; pela Secretaria de Educação da Província de Buenos Aires, Argentina; pelas escolas da cidade de Trujilo, República Dominicana; pela Universidade de Havana, Cuba; pela Universidade de Quito, Equador; pelo Departamento de Psicologia e Psicotécnica, da Universidade Central de Caracas, Venezuela; pela Universidade de Stanford e Universidade de Colúmbia, Estados Unidos; pela Universidade de Paris e pelo Ministério de Educação da França; e pela Universidade de Florença, Itália. Na Europa, os Testes ABC foram divulgados principalmente por Pierón (1931) e Radecka (1932).

A publicação da obra Testes ABC - Para a verificação de maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita em castelhano (primeira edição em 1937, revista em 1960 com inúmeras reimpressões) permitiu a utilização da bateria de testes em diversas escolas de todos os países da América Latina. A partir de 1954, passou a ser aplicada em escolas francesas, e em 1962, fez-se a primeira adaptação dela em língua inglesa. Em 1967, o Conselho Nacional de Educação da República Argentina decidiu que crianças com idade inferior a 7 anos poderiam ser matriculadas no primeiro ano das escolas públicas, uma vez que, submetidas aos Testes ABC, demonstrassem capacidade para a aprendizagem da leitura e escrita.

Constructo avaliado

Os Testes ABC pretendem avaliar o nível de maturidade infantil necessária para a aprendizagem da leitura e da escrita. Essa maturidade, que não tem relação direta com a idade cronológica e mental, seria constituída por uma série de aptidões físicas e psicológicas que envolvem os processos de alfabetização.

Em relação aos principais elementos abarcados na aprendizagem da leitura, o autor cita os “movimentos finos, delicados, já dos olhos, já dos órgãos de fonação, por um lado; de outro, a capacidade de estruturá-los em condutas de linguagem externa e interna. Essas capacidades não se apresentam, na criança, senão como resultado de maturação, sujeitas, como vimos, a condições neurológicas definidas” (LOURENÇO FILHO, 2008, p.47).

Já em relação à escrita, ele diz que a sua base é constituída pela “capacidade da coordenação dos movimentos da mão aos da visão da forma e aos da linguagem. Será preciso supor na criança, antes de tudo, a capacidade de copiar figuras simples, a duas dimensões; depois, a capacidade de copiá-las, sem inversão. O aprendizado da escrita reclama também maior resistência à fadiga, sobretudo àquela decorrente da relativa imobilidade do corpo, a que os exercícios gráficos obrigam” (LOURENÇO FILHO, 2008, p.47).

Modo de avaliação

Os testes ABC foram concebidos para uma aplicação individual, pois durante a aplicação grupal é difícil de ser observada a reação de cada sujeito. A bateria de testes é constituída por 8 provas - levando em média 8 minutos para sua conclusão - que procuram avaliar as seguintes funções: coordenação viso-motora, memória imediata, memória motora, memória auditiva, memória lógica, pronúncia, coordenação motora, atenção e fatigabilidade.

A realização dos testes deve ocorrer em um local isolado e silencioso, sendo recomendado que a criança esteja acomodada em uma mesa ou carteira adequada à sua estatura. O material de aplicação é constituído por: folhas impressas e cartazes com figuras, folhas em branco para registro gráfico de respostas; e fórmulas verbais e fichas para a anotação dos resultados. Estes instrumentos podem ser adquiridos por um baixo custo e facilmente improvisados, algo com que Lourenço Filho se preocupou durante a elaboração destas ferramentas.

O primeiro teste consiste na cópia de 3 figuras; o segundo, na fala do nome de 7 figuras apresentadas por um certo período, e ocultadas em seguida; o terceiro, na repetição de um movimento com as mãos e de sua representação em forma de desenho; o quarto, na repetição de sete palavras após a escuta de todas elas em conjunto; o quinto, na escuta e repetição de uma história; o sexto, na repetição de palavras novamente, mas dessa vez ocorre a repetição após a escuta de cada uma delas - palavras mais longas e constituídas por tons variados -; o sétimo, no recorte de uma demarcação específica em uma folha; e o oitavo, na rápida marcação de pontos em uma série de quadrados.

Em cada uma das 8 provas, as crianças podem obter um resultado compreendido entre os números 0 e 3. De acordo com a soma total dos valores, é estipulado o tempo médio que levará para a criança ser alfabetizada. Se a criança obtiver 17 pontos, ou mais, é esperado que este processo ocorra em um semestre letivo; entre 16 e 12 pontos, em um ano letivo; entre 11 e 8 pontos, a criança requisitará de uma atenção exclusiva; e de 7 pontos para baixo, o modelo escolar comum não servirá para ela.  

Edições e versões

A princípio, três diferentes formas de circulação sobre os Testes ABC podem ser identificadas em âmbito nacional.

A primeira, denominada Testes ABC: caixa com 100 fórmulas individuais, teve sua primeira edição publicada em março de 1930, e a última de que se tem conhecimento é a 9a, de 1963.

A segunda, com o título Testes ABC: material completo, embora não tenha sido possível apontar sua primeira data de publicação, sabe-se que, em 1957, foi publicada sua 11a edição, e, em 1985, a 31a edição.

Por fim, resta o livro TESTES ABC - Para a verificação da maturidade necessária para a verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita, e suas diferentes versões:

1ª edição: 1934.

2ª: 1937.

3ª: 1947.

4ª: 1952.

5ª: 1954.

6ª: 1957.

7ª: 1962.

8ª: 1967.

9ª: 1967.

10ª: 1967.

11ª: 1969.

12ª: 1974.

13ª: 2008.

Vale ressaltar que a circulação da bateria de testes sob a forma de encarte do livro parece ter ocorrido a partir da 3a ou 4a edição do mesmo.

Ver também

http://wiki.historiadapsicologia.com.br/index.php?title=Louren%C3%A7o_Filho

http://wiki.historiadapsicologia.com.br/index.php?title=Escola_Nova

http://wiki.historiadapsicologia.com.br/index.php?title=Helena_Antipoff

http://wiki.historiadapsicologia.com.br/index.php?title=Alfred_Binet http://wiki.historiadapsicologia.com.br/index.php?title=%C3%89douard_Clapar%C3%A8de

http://wiki.historiadapsicologia.com.br/index.php?title=Funcionalismo_Europeu

Referências

DE MELLO, Darlize Teixeira. Os testes ABC: avaliação da aprendizagem escolar nas décadas de 1930 a 1950. Roteiro, v. 32, n. 2, p. 201-220, 2007.


LOURENÇO FILHO, Manoel B. Teste ABC - Para a verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita. Ed. 13. Brasília: INEP, 2008.


Lourenço Filho. Psicol. cienc. prof.,  Brasília ,  v. 17, n. 1, p. 53,   1997 .   Available from http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98931997000100009&lng=en&nrm=iso access on  01  Dec.  2020.


MAGNANI, M. R. M. TESTES ABC E A FUNDAÇÃO DE UMA TRADIÇÃO: ALFABETIZAÇÃO SOB MEDIDA. Cadernos de Estudos Lingüísticos, Campinas, SP, v. 31, 2011. DOI: 10.20396/cel.v31i0.8636997. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8636997. Acesso em: 1 dez. 2020.


MONARCHA, Carlos. "Testes ABC": origem e desenvolvimento. Boletim Academia Paulista de Psicologia, v. 28, n. 1, p. 7-17, 2008.


SGANDERLA, Ana Paola; CARVALHO, Diana Carvalho de. Lourenço Filho: um pioneiro da relação entre psicologia e educação no Brasil. Psicol. educ.,  São Paulo ,  n. 26, p. 173-190, jun. 2008. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752008000100010&lng=pt&nrm=iso acessos em  01  dez.  2020.

Autoria

Verbete criado inicialmente por: Yuri Pereira Antunes Vieira e Gunther Mafra Guimarães, como exigência parcial para a disciplina de Estudos Avançados Em História da Psicologia da UFF de Rio das Ostras. Criado em 2020.2, publicado em 2021.1