Anna Freud foi uma psicanalista, filha de Sigmund Freud e Martha Bernays. Nasceu em Viena, em 3 de dezembro de 1895, ano em que seu pai atribuiu à sua descoberta sobre o significado dos sonhos. Última de seis filhos, Anna foi a única a seguir os passos do pai, tornando-se uma importante psicanalista infantil e guardiã da herança freudiana. Ela faleceu aos 86 anos, no dia 9 de outubro de 1982, na cidade de Londres.

BiografiaEditar

Início da vidaEditar

Anna Freud nasceu em Viena, cidade da Áustria, no ano de 1895. Seu nascimento não foi desejado tanto por sua mãe quanto por seu pai, que decidiu permanecer casto após seu nascimento por não haver disponível uma forma de contracepção segura. Seu nome foi escolhido por causa de Anna Hammerschlag Lichtheim, uma jovem que ficou viúva depois de apenas um ano de casamento. Ela era filha de um professor amigo de Freud e fora sua paciente também.

Sendo a caçula da família, Anna Freud sentia-se excluída constantemente por ser considerada nova demais e em estado de inferioridade por não possuir a beleza de sua irmã Sophie Halberstadt ou a elegância de Mathilde Hollitscher. Dessa forma, ela teve que lutar para ser reconhecida por suas próprias qualidades, principalmente porque o talento para os estudos era esperado apenas dos filhos do sexo masculino.

Sua maior disputa era com sua irmã Sophie, que era dois anos mais velha. A favorita de sua mãe, Sophie encantava a todos com sua bela aparência, que Anna sentia que jamais conseguiria equiparar-se. Quando sua irmã se casou, em 1913, Anna confessou ao pai através de uma carta: “[...] Estou feliz com o casamento de Sophie, porque a eterna disputa entre nós era horrível para mim”.

Anna nunca conseguiu criar um laço afetivo muito forte com sua mãe. Em seus primeiros anos de vida, fora Josefine Cihlarz sua principal zeladora. Josefine foi uma babá contratada quando Anna nasceu e ficou responsável por cuidar das crianças mais novas da família Freud até Anna completar seu primeiro ano escolar.

Sua relação com o pai, por outro lado, era o extremo oposto. Anna tinha um relacionamento bom com Freud desde a infância e a proximidade entre os dois só aumentou conforme os anos se passaram. Durante a adolescência, ela invejava a psicanálise que tomava tanto tempo de seu adorado pai.

Freud apresentou a psicanálise como ciência pela primeira vez para a filha mais nova quando ela tinha cerca de 14 anos. As maiores lições, entretanto, vieram das reuniões de quarta-feira à noite da Sociedade Psicanalítica de Viena, em que Anna tinha a permissão de ficar sentada na escada que ficava no canto da biblioteca e ouvir as discussões de seu pai e seus colegas.

Nessa mesma época, Freud foi convidado pelo Dr. Stanley Hall, presidente da Clark University em Massachusetts, para dar um curso de introdução à teoria e prática da psicanálise e para receber um diploma honorário. Anna implorou para que seu pai a levasse junto, mas ele recusou, alegando que ela era nova demais. Anos depois, a própria Anna foi convidada pela Clark University para dar palestra e receber um diploma honorário na comemoração de 60 anos da universidade que ocorreu em 1950.

Vida adultaEditar

Anna Freud não teve a formação em um Gymnasium. Assim como sua irmãs, ela foi para um Cottage Lyceum, onde estudou até 1912 e teve um currículo básico de instrução religiosa, composição germânica, francês, inglês, geografia, história, aritmética, geometria, ciências e caligrafia.

Depois do casamento de Sophie em 1913, Anna Freud tornou-se aos 18 anos a única filha morando na casa dos pais. Essa mudança a agradou. Nem Anna tinha pressa para sair de casa, nem Freud queria que ela o fizesse.

Nesse mesmo ano, Anna viajou para Londres na companhia de Loe Kann, ex-paciente de Freud. Nesse período, foi cortejada por Ernest Jones, amante de Loe e então com 35 anos. Alertado por Loe, Freud reagiu muito mal e deixou clara sua posição contra a aproximação dos dois. Ele desconfiava que a motivação de Jones baseava-se em uma vingança pelo fato de que sua amante iria deixá-lo devido ao sucesso do tratamento. Quarenta anos depois, quando Jones descobriu a suspeita de Freud ao escrever sua biografia, ele explicou-se para Anna e confessou que continuava a amando. Essa, porém, não foi a única vez que Freud interferiu na vida amorosa da filha. Exemplo disso é Hans Lampl.

Em 1914, ela estava visitando um internato para garotas que ficava na costa sudeste da Inglaterra, quando a Áustria se tornou oficialmente inimiga da Inglaterra. Foi Loe Kann e seu marido, Herbert Jones, que possibilitaram a volta dela para Viena junto com o embaixador Austro-Húngaro e a companhia dele.

Aos 22 anos, começou a fazer análise com o pai, devido a seu forte apego emocional a ele e ao que Freud denominou “sua sexualidade”. A análise começou em outubro de 1918 e durou até 1920. Dois anos depois, Freud voltou a analisá-la durante o período de 1922 até 1924.

A relação de Anna com o pai era um tanto quanto polêmica dentro do movimento psicanalítico. Não apenas ela era muito apegada a ele, mas Freud também era apegado a filha. Ele chegou a dizer uma vez que era tão incapaz de renunciar a Anna quanto deixar de fumar. Duas pessoas que cumpriram um papel analítico na vida de Anna em relação a isso foram Max Eitingon e Lou Andreas-Salomé. O primeiro a aconselhava a afastar-se do pai, e a segunda estimulava que permanecesse ao seu lado. No fim, ela continuou muito próxima de Freud, não apenas como filha, mas como sua discípula, confidente e enfermeira.

CarreiraEditar

Ao se tornar adulta, ela se juntou aos discípulos de seu pai e desejava cursar medicina, mas como foi impedida, em junho de 1914, fez um exame que permitiu dar aulas para escola primária. Lecionou no Cottage Lyceum onde havia estudado e foi professora durante toda a Primeira Guerra Mundial, nos anos de 1914 até 1920.

Em 1922, apresentou seu primeiro artigo para a Sociedade psicanalítica de Viena, com o título “Fantasias e devaneios diurnos de uma criança espancada”. Seu trabalho se tratava de um paciente anônimo que tinha sonhos incestuosos com o pai, no sonho tinha surras e gratificação com a masturbação. Anos depois se descobriu que ela não tinha pacientes na época. Todavia, o trabalho foi muito bem aceito e Anna recebeu sua admissão na sociedade.

Em 1925, Anna criou o Kinderseminar (Seminário de Crianças). Nesse período, ela já tinha discípulos tais como Siegfried Bernfeld, August Aichhorn, Wilhelm (Willi) Hoffer. O Seminário de Crianças tinha como objetivo formar terapeutas capazes de aplicar a psicanálise na educação de crianças.

Em Viena, no ano de 1927, ela publicou sua primeira obra, “Introdução à técnica da análise de crianças”, no qual abordava terapia psicanalítica em crianças que considerava imaturas e que tinham baixa habilidade verbal, e trouxe a inovação do uso de instrumentos para brincar e observação da criança em casa. No mesmo ano da sua divulgação, Melanie Klein publicou sobre os Estágios precoces do conflito edipiano. Nesse momento, a diferença entre as duas se torna clara, uma vez que Anna trabalhava mais com a psicanálise na educação e a Melanie abordava uma discussão eminentemente médica.

Anna lança em 1936 sua maior obra, “O ego e os mecanismos de defesa”. Em 1937, ela ganhou dinheiro da rica Edith Jackson e construiu um pensionato para crianças pobres com nome de Jackson Nursery. Porém, no ano seguinte, em 1938, sua família se mudou para Londres, onde Anna viveu o resto de sua vida e trabalhou na revisão ortodoxa das teorias de seu pai e aplicou a psicanálise em crianças.

Apesar do seu trabalho ser muito direcionado à crianças, Anna acreditava que elas eram muito pequenas para serem submetidas à psicanálise de forma profunda como os adultos, que continha a exploração do inconsciente. Ela seguia assim pelos conselhos que seu pai deu devido ao tratamento que foi dado ao pequeno Hans. Ana também acreditava que não se devia investigar profundamente o complexo de Édipo em crianças, pois elas teriam o supereu imaturo. Por isso, ela defendia que, ao analisar uma criança, a família tivesse responsabilidade e normalmente sob tutela de uma instituição de ensino. Assim, acreditava que a análise devia estar integrada com o processo educativo.

Além do seu trabalho como psicanalista, Anna foi guardiã da herança da família e cuidou não só dos trabalhos do seu pai, mas também dos seus sobrinhos. E contribuiu para pedagogia, desenvolvendo suas ideias na área da educação e fornecendo vínculo da psicanálise com a educação.

Vida pessoalEditar

Em abril de 1923, seu pai passou por uma cirurgia na mandíbula, a primeira de muitas que aconteceriam ao longo dos anos seguintes. Sua saúde debilitada foi um grande motivador para que Anna decidisse permanecer em casa. Além de aprofundar o laço de pai e filha, a doença de Freud também trouxe de volta a velha rivalidade que Anna tinha com sua mãe. Naquela época, Martha estava sofrendo de problemas de estômago e dores de cabeça devido à combinação do estresse causado pela doença de seu marido e a perda de um neto. Dessa forma, Anna assumiu o papel de cuidadora do pai.

Dorothy Tiffany Burlinghan, outra figura de grande importância na vida de Anna Freud, levou seu filho Robert para Viena no outono de 1925 em busca de tratamento para seus problemas psicológicos. Quando Anna concordou em tratá-lo, Dorothy se mudou para Viena com seus outros filhos – Mary, Katrina e Michael. Responsável por analisar seus filhos, Anna acabou se tornando muito amiga de Dorothy e apegando-se às crianças também.

Três anos depois de se conhecerem, ela possibilitou que Dorothy começasse a ser analisada por Freud, que apoiava o desejo dela de se tornar psicanalista. Enquanto ele conduzia a análise como um treinamento, Dorothy participava de seminários no Instituto de Viena.

A relação entre as duas, descrita frequentemente em livros como “amigas para toda vida”, gerou muitos rumores de que elas seriam um casal. Anna Freud não gostava nem um pouco de ser assunto de fofoca e não queria ter sua vida mal interpretada. Essa situação, no entanto, não as afastou. Anna praticamente adotou a família de Dorothy e participou da educação de seus filhos.

A visão de Anna em relação à homossexualidade não era muito diferente de outros psicanalistas da sua geração, que acreditavam que podiam curá-la. Entretanto, mais tarde, ela adotaria a posição de que um homossexual podia ser aceito para o treinamento psicanalítico se seu caráter e credenciais fossem adequados.

Em 1938, a família Freud deixou Viena para fugir dos nazistas graças ao resgate pago por Marie Bonaparte. Instalados em Londres, Freud já estava com uma saúde muito debilitada, mas continuava tratando pacientes e escrevendo. Foi em fevereiro de 1939 que o câncer foi declarado pela primeira vez como inoperável. Cerca de cinco meses depois, ele tomou a difícil decisão de parar de atender seus poucos pacientes.

O início da Segunda Guerra Mundial não foi nenhuma surpresa para a família, mas tornou tudo mais complicado. A condição de Freud continuava piorando e, para infelicidade de Anna, Dorothy decidiu ir para Nova York para estar presente quando sua filha mais velha tivesse seu primeiro filho. Alguns meses depois, em 23 de setembro de 1939, Freud faleceu depois de entrar em um coma do qual não acordou.  

No fim de Março de 1940, Dorothy conseguiu voltar para Londres – 6 meses depois do planejado. Embora ela e Anna estivessem mais seguras de seu relacionamento, decidiram não morar juntas até a morte de Minna Bernays – tia de Anna – em 1941. Dessa maneira, as duas tornaram-se, além de parceiras no âmbito profissional, parceiras de vida.

Fim da vidaEditar

Anna Freud nunca se casou e nem teve seus próprios filhos. Ela passou seus últimos meses vivendo calmamente com a ajuda de sua governanta, de enfermeiras pagas e médicos. Incapaz de compreender a evolução do movimento psicanalítico, Anna morreu no início da manhã do dia 9 de outubro de 1982 aos 86 anos, deixando seu legado para a psicanálise infantil.

TeoriaEditar

O ego e os mecanismos de defesaEditar

"O ego e os mecanismos de defesa" foi sua principal obra. Para desenvolvê-la, Anna fez uma reflexão sobre o papel do ego nos trabalhos do seu pai e incluiu análises feitas em crianças. No seu livro, definiu os mecanismos mais claramente do que o seu próprio pai, e um dos maiores diferenciais eram as conclusões das análises feitas em crianças. Para Anna, os mecanismos de defesa são uma intervenção contra agressões pulsionais e todos os fatores externos que podem causar angústia. A obra fez sucesso nos Estados Unidos e por isso marcou o início do Annafreudismo em protesto às doutrinas de Melanie Klein.

O annafreudismoEditar

O annafreudismo foi um movimento psicanalítico que originou-se como uma oposição ao Kleinismo. O seu livro “O ego e os mecanismo de defesa” é considerado o influenciador do movimento, pois a doutrina annafreudiana consistia em praticar análise valorizando os conceitos do “eu” e “os mecanismos de defesa”. Enquanto o Kleinismo e o pós-Kleinismo visava o tratamento psicanalítico focado nas neuroses, no complexo de Édipo, nos borderlines e na relação arcaica entre a mãe e o bebê, o annafreudismo tratava a psicose através da neurose, trazendo uma dimensão social e profilática que é ausente no Kleinismo.

O movimento começou a perder forças, pois a doutrina tinha ausência da reflexão sobre os laços entre a mãe e o bebê e focava apenas na relação com o pai.

Cronologia biográficaEditar

1985: Nascimento de Anna Freud no dia 3 de dezembro, em Viena.

1912: Término de seus estudos no Cottage Lyceum.

1913: Viagem para Londres na companhia de Loe Kann.

1914: Anna estava na Inglaterra quando a Áustria tornou-se oficialmente inimiga da Inglaterra. Retornou para Viena com o embaixador Austro-Húngaro. Em junho, fez o exame para se tornar professora do primário.

1918: Começou sua primeira análise com Freud.

1922: Apresentação de seu primeiro artigo “Fantasias e devaneios diurnos de uma criança espancada” para a Sociedade Psicanalítica de Viena.

1925: Anna Freud criou o Kinderseminar e conheceu Dorothy Burlinghan.

1917: Publicação da sua primeira obra, “Introdução à técnica da análise de crianças”.

1936: Lançamento da sua maior obra, “O ego e os mecanismos de defesa”.

1938: A família Freud se muda para Londres para fugir da ocupação nazista.

1939: Morte de seu pai no dia 23 de setembro.

Influência e seguidoresEditar

A sua maior referência foi o seu pai, que foi o criador da psicanálise, facilitando um pouco sua vida na área. Anna também foi uma grande influenciadora e contou com discípulos em sua trajetória. Além de Siegfried Bernfeld, August Aichhorn (que foi apaixonado por ela e só revelou em sua morte), Wilhelm (Willi) Hoffer, ela também contou com Erik Homburger, que foi seu primeiro discípulo, e influenciou diversas pessoas que se tornaram partidárias do Annafreudismo.

ObrasEditar

  • Introdução à técnica de análise de crianças (1927)
  • Psychoanalysis for Teachers and Parents: Introductory Lectures (1935)
  • O ego e os mecanismos de defesa (1936)
  • War and children (1943)
  • Infância normal e patológica: Determinantes do desenvolvimento (1965)
  • Children in the Hospital (1965)
  • Research at the Hampstead Child-Therapy Clinic: And Other Papers. (1956-1969)
  • Initiation à la psychanalyse pour éducateurs (1968)
  • Beyond the Best Interests of the Child (1973)

ReferênciasEditar

  1. DIAZ-SOLER, Carlos Jilmar. Anna Freud y la discusión sobre la formación de los educadores. Pedagogía y Saberes, Bogotá, n. 46, p. 31-44, 2017.
  2. JACÓ-VILELA, Ana Maria; FERREIRA, Arthur; PORTUGAL, Francisco. História da psicologia: rumos e percursos. Rio de janeiro: Nau editora, 2007.
  3. ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. 1 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
  4. SCHULTZ, Duane; SCHULTZ, Sydney. História da Psicologia Moderna. 10.ed. São Paulo: Cengage Learning, 2014.
  5. YOUNG-BRUEHL, Elisabeth. Anna Freud: a biography. 2 ed. New Haven e Londres: Yale Universaty Press, 2008.

AutoriaEditar

Verbete criado inicialmente por: Larissa Ester e Leticia Rodrigues, como exigência parcial para a disciplina de História da Psicologia da UFF de Rio das Ostras. Criado em 2020.2, publicado em 2021.1