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==== Juventude: início na Medicina até a primeira tese ==== | ==== Juventude: início na Medicina até a primeira tese ==== | ||
Após concluir seus estudos secundários no Stanislas, começa o curso de Medicina em 1919, iniciando-se na neurologia e posteriormente passando para a psiquiatria. A juventude de Lacan é marcada, para além de sua presença na medicina, pelo prosseguimento de seus interesses intelectuais da adolescência, como pelas vanguardas literárias e artísticas, em especial o surrealismo, com o qual teve o primeiro contato por meio da revista ‘’Litterature’’, nos anos 1920. Além disso, com seus 22 anos, ele conhece as teorias de Sigmund Freud e Charles Maurras. Ainda nesse período, ele começa a visitar uma célebre livraria de Paris, a de Adrienne Monnier, a qual se tornou um polo de leituras públicas com participação de célebres escritores. | Após concluir seus estudos secundários no Stanislas, começa o curso de Medicina em 1919, iniciando-se na neurologia e posteriormente passando para a psiquiatria. A juventude de Lacan é marcada, para além de sua presença na medicina, pelo prosseguimento de seus interesses intelectuais da adolescência, como pelas vanguardas literárias e artísticas, em especial o surrealismo, com o qual teve o primeiro contato por meio da revista ‘’Litterature’’, nos anos 1920. Além disso, com seus 22 anos, ele conhece as teorias de [[Sigmund Freud]] e Charles Maurras. Ainda nesse período, ele começa a visitar uma célebre livraria de Paris, a de Adrienne Monnier, a qual se tornou um polo de leituras públicas com participação de célebres escritores. | ||
Em relação à sua formação na medicina, de 1927 a 1931, Lacan estudou a clínica das doenças mentais e do encéfalo no hospital Sainte-Anne, considerado um centro do universo manicomial, além de ter estagiado na enfermaria especial da Chefatura de Polícia, onde atendia indivíduos considerados ‘’perigosos’’. | Em relação à sua formação na medicina, de 1927 a 1931, Lacan estudou a clínica das doenças mentais e do encéfalo no hospital Sainte-Anne, considerado um centro do universo manicomial, além de ter estagiado na enfermaria especial da Chefatura de Polícia, onde atendia indivíduos considerados ‘’perigosos’’. | ||
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Em 1931, Jacques tem contato com quem chamará de ‘’Aimée’’, cujo nome real era Marguerite Pantaine, uma mulher de 38 anos que tentou assassinar a atriz Huguette Duflos em abril do mesmo ano. Lacan se interessou pelo caso de Marguerite e a encontrou pela primeira vez em junho desse mesmo ano, chegando a fazer um primeiro relatório sobre ela, no qual afirmava que seu caso era de psicose paranoica, com um delírio recente que teria culminado na tentativa de homicídio, com interpretações agrupadas em torno de uma ideia de ameaça a seu filho. Após esse primeiro contato, ‘’Aimée’’ se tornou paciente de Lacan por um ano, e ele se apropria da história dela para a construção de um caso, o ‘’caso Aimée’’, que se tornará o tema de uma monografia e utilizado para a formulação de sua tese de doutorado de 1932. É com esse caso que Lacan cunhou o conceito de ‘’paranóia de autopunição’’, criando a teoria de que ao atacar a atriz, na verdade, Marguerite desejava atacar a si mesma, o seu ‘’ideal do Eu’’. | Em 1931, Jacques tem contato com quem chamará de ‘’Aimée’’, cujo nome real era Marguerite Pantaine, uma mulher de 38 anos que tentou assassinar a atriz Huguette Duflos em abril do mesmo ano. Lacan se interessou pelo caso de Marguerite e a encontrou pela primeira vez em junho desse mesmo ano, chegando a fazer um primeiro relatório sobre ela, no qual afirmava que seu caso era de psicose paranoica, com um delírio recente que teria culminado na tentativa de homicídio, com interpretações agrupadas em torno de uma ideia de ameaça a seu filho. Após esse primeiro contato, ‘’Aimée’’ se tornou paciente de Lacan por um ano, e ele se apropria da história dela para a construção de um caso, o ‘’caso Aimée’’, que se tornará o tema de uma monografia e utilizado para a formulação de sua tese de doutorado de 1932. É com esse caso que Lacan cunhou o conceito de ‘’paranóia de autopunição’’, criando a teoria de que ao atacar a atriz, na verdade, Marguerite desejava atacar a si mesma, o seu ‘’ideal do Eu’’. | ||
Em 1932, é publicada sua tese de doutorado da faculdade de medicina “Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade’’, na qual Lacan apresenta sua síntese sobre a paranoia, relacionando o conhecimento de sua experiência clínica psiquiátrica com a doutrina freudiana e o segundo surrealismo, utilizando-se do “caso Aimée” como objeto de estudo. Essa tese representa, ainda, um marco da passagem de Lacan da psiquiatria para a psicanálise, considerando as bases psicanalíticas utilizadas por ele na construção da tese. Esse trabalho não foi bem recebido na área da psiquiatria, entretanto, foi muito elogiado pelos intelectuais e pelos artistas surrealistas. Ainda nesse ano, Lacan começa a fazer análise com Rudolph Loewenstein, o que perdura por seis anos e meio, de junho de 1932 até dezembro de 1938, terminando devido a desavenças entre os dois. | Em 1932, é publicada sua tese de doutorado da faculdade de medicina “Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade’’, na qual Lacan apresenta sua síntese sobre a paranoia, relacionando o conhecimento de sua experiência clínica psiquiátrica com a doutrina freudiana e o segundo surrealismo, utilizando-se do “caso Aimée” como objeto de estudo. Essa tese representa, ainda, um marco da passagem de Lacan da psiquiatria para a psicanálise, considerando as bases psicanalíticas utilizadas por ele na construção da tese. Esse trabalho não foi bem recebido na área da psiquiatria, entretanto, foi muito elogiado pelos intelectuais e pelos artistas surrealistas. Ainda nesse ano, Lacan começa a fazer análise com [[Rudolph Loewenstein]], o que perdura por seis anos e meio, de junho de 1932 até dezembro de 1938, terminando devido a desavenças entre os dois. | ||
=== 1933 – 1953: Caso irmãs Papin, primeiro seminário oficial até a ruptura com a Sociedade Psicanalítica de Paris === | === 1933 – 1953: Caso irmãs Papin, primeiro seminário oficial até a ruptura com a Sociedade Psicanalítica de Paris === | ||
Apesar das desavenças com Loewenstein, a intervenção de Èdouard Pichon permitiu que Lacan entrasse, em 1934, para a Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), que até então ignorava seus trabalhos. Além disso, dois anos após o início de sua análise, ele casa com Marie-Louise Blondin (1906 – 1983), conhecida como Malou, e durante sua viagem de núpcias na Itália, apaixona-se pela cidade de Roma, assim como Freud. Logo no começo, o casamento foi insatisfatório, e não obstante, tiveram três filhos, Caroline (1937 – 1973), Thibault (1939) e Sibylle (1940 – 2013). | Apesar das desavenças com Loewenstein, a intervenção de Èdouard Pichon permitiu que Lacan entrasse, em 1934, para a [[Sociedade Psicanalítica de Paris]] (SPP), que até então ignorava seus trabalhos. Além disso, dois anos após o início de sua análise, ele casa com Marie-Louise Blondin (1906 – 1983), conhecida como Malou, e durante sua viagem de núpcias na Itália, apaixona-se pela cidade de Roma, assim como Freud. Logo no começo, o casamento foi insatisfatório, e não obstante, tiveram três filhos, Caroline (1937 – 1973), Thibault (1939) e Sibylle (1940 – 2013). | ||
O ano de 1933 foi marcante para Jacques Lacan. Foi nesse contexto que realizou uma importante publicação, abordando o delírio paranoico em seu artigo para a revista "Le Minotaure" sobre o caso das irmãs Papin. O crime, que ganhou destaque na França, ocorreu na cidade de Le Mans, onde duas domésticas assassinaram suas patroas. É nesse texto que Lacan reconheceu, em meio à selvageria, um caso de ''folie à deux'', ou seja, delírio a dois, permeado por uma homossexualidade latente. Logo, Cristine e Lea Papin seriam culpadas de um crime paranoico. | O ano de 1933 foi marcante para Jacques Lacan. Foi nesse contexto que realizou uma importante publicação, abordando o delírio paranoico em seu artigo para a revista "Le Minotaure" sobre o caso das irmãs Papin. O crime, que ganhou destaque na França, ocorreu na cidade de Le Mans, onde duas domésticas assassinaram suas patroas. É nesse texto que Lacan reconheceu, em meio à selvageria, um caso de ''folie à deux'', ou seja, delírio a dois, permeado por uma homossexualidade latente. Logo, Cristine e Lea Papin seriam culpadas de um crime paranoico. | ||
Em 1936, ao frequentar seminários de Alexandre Kojève, o psicanalista entra em contato com a filosofia de Hegel. É assim que ele se envolve com a revista "Recherches Philisophiques" e participa das reuniões do Collège de Sociologie. Nesse mesmo ano, vai à Marienbad para o Congresso da Associação Internacional de Psicanálise (IPA) e apresenta uma exposição sobre o estádio do espelho, no entanto, é cortado por Ernest Jones em apenas dez minutos de apresentação. | Em 1936, ao frequentar seminários de Alexandre Kojève, o psicanalista entra em contato com a filosofia de Hegel. É assim que ele se envolve com a revista "Recherches Philisophiques" e participa das reuniões do Collège de Sociologie. Nesse mesmo ano, vai à Marienbad para o Congresso da [[Associação Internacional de Psicanálise]] (IPA) e apresenta uma exposição sobre o estádio do espelho, no entanto, é cortado por Ernest Jones em apenas dez minutos de apresentação. | ||
No ano seguinte, Lacan apaixona-se pela judia Sylvia Maklès-Bataille (1908 – 1993), esposa de Georges Bataille e, com o início da Segunda Guerra, realiza visitas a cada quinze dias na zona livre, ao passo que interrompe sua atividade pública mantendo apenas consultas com seus clientes particulares. Mesmo não aderindo a nenhum movimento de resistência, o psicanalista se mostra hostil a qualquer forma de anti-semitismo e ao regime de Vichy. | No ano seguinte, Lacan apaixona-se pela judia Sylvia Maklès-Bataille (1908 – 1993), esposa de Georges Bataille e, com o início da Segunda Guerra, realiza visitas a cada quinze dias na zona livre, ao passo que interrompe sua atividade pública mantendo apenas consultas com seus clientes particulares. Mesmo não aderindo a nenhum movimento de resistência, o psicanalista se mostra hostil a qualquer forma de anti-semitismo e ao regime de Vichy. | ||
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No ano seguinte, compra a Prévoté, uma casa de campo em Guitrancourt, onde além de realizar recepções ligadas à arte e ao teatro para seus amigos, também recebia pacientes aos domingos. | No ano seguinte, compra a Prévoté, uma casa de campo em Guitrancourt, onde além de realizar recepções ligadas à arte e ao teatro para seus amigos, também recebia pacientes aos domingos. | ||
Após a Segunda Guerra Mundial, ocorre a primeira cisão francesa, resultado de tensões na SPP entre Sacha Nacht, aliado à ordem médica, e Daniel Lagache, com os universitários liberais. Criticado pela duração de suas sessões, que contradiziam o tempo padrão imposto pela IPA, Lacan se posiciona ao lado de Lagache e rompe com a SPP. Assim, Lacan e Lagache, junto de Dolto e Juliette Favez-Boutonier, fundam a Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP) em 1953. | Após a Segunda Guerra Mundial, ocorre a primeira cisão francesa, resultado de tensões na SPP entre Sacha Nacht, aliado à ordem médica, e [[Daniel Lagache]], com os universitários liberais. Criticado pela duração de suas sessões, que contradiziam o tempo padrão imposto pela IPA, Lacan se posiciona ao lado de Lagache e rompe com a SPP. Assim, Lacan e Lagache, junto de Dolto e Juliette Favez-Boutonier, fundam a [[Sociedade Francesa de Psicanálise]] (SFP) em 1953. | ||
Foi em Roma que Lacan realizou seu primeiro congresso sobre “Função e campo da fala e da linguagem na psicanálise”, também conhecido como “Discurso de Roma”, apresentando suas ideias sobre a linguagem, o sujeito e o imaginário. Por 10 anos realizou no Hospital Sainte-Anne, a convite de Jean Delay, o seminário que daria origem à sua linha de pensamento: o lacanismo. Assim, o “Discurso de Roma” é escolhido para ser publicado na primeira edição da revista da SFP, a "La Psychanalyse". | Foi em Roma que Lacan realizou seu primeiro congresso sobre “Função e campo da fala e da linguagem na psicanálise”, também conhecido como “Discurso de Roma”, apresentando suas ideias sobre a linguagem, o sujeito e o imaginário. Por 10 anos realizou no Hospital Sainte-Anne, a convite de Jean Delay, o seminário que daria origem à sua linha de pensamento: o lacanismo. Assim, o “Discurso de Roma” é escolhido para ser publicado na primeira edição da revista da SFP, a "La Psychanalyse". | ||
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O ano de 1963 foi marcado pela segunda cisão no movimento psicanalítico da França, após Lacan e Françoise Dolto serem impedidos pelo comitê IPA de exercerem suas funções de psicanalistas didatas, atitude essa que Lacan chamou de excomunhão. | O ano de 1963 foi marcado pela segunda cisão no movimento psicanalítico da França, após Lacan e Françoise Dolto serem impedidos pelo comitê IPA de exercerem suas funções de psicanalistas didatas, atitude essa que Lacan chamou de excomunhão. | ||
Seguindo este padrão, em junho de 1964, após se retirar da Sociedade, Lacan fundou a Escola Freudiana de Paris (EFP), a qual é considerada a primeira instituição a estudar Freud conforme os princípios da academia tradicional. Ademais, no mesmo ano realizou o seminário sobre os “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”, na École Pratique des Hautes Étudés. | Seguindo este padrão, em junho de 1964, após se retirar da Sociedade, Lacan fundou a [[Escola Freudiana de Paris]] (EFP), a qual é considerada a primeira instituição a estudar Freud conforme os princípios da academia tradicional. Ademais, no mesmo ano realizou o seminário sobre os “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”, na École Pratique des Hautes Étudés. | ||
O livro “Escritos” (‘’Écrits’’), que consiste em um compilado dos seus textos e conferências desde 1936, foi publicado em 1966. A obra, de suma importância para a divulgação de suas ideias, apresenta 34 textos relacionados à Teoria do estádio do espelho, à Carta Roubada, à Função e ao campo da fala e da linguagem, dentre outros que contribuíram para a psicanálise contemporânea. Dessa forma, a primeira edição do exemplar foi vendida rapidamente na França. O livro de 937 páginas foi traduzido para o Brasil em 1988 por Vera Ribeiro. | O livro “Escritos” (‘’Écrits’’), que consiste em um compilado dos seus textos e conferências desde 1936, foi publicado em 1966. A obra, de suma importância para a divulgação de suas ideias, apresenta 34 textos relacionados à Teoria do estádio do espelho, à Carta Roubada, à Função e ao campo da fala e da linguagem, dentre outros que contribuíram para a psicanálise contemporânea. Dessa forma, a primeira edição do exemplar foi vendida rapidamente na França. O livro de 937 páginas foi traduzido para o Brasil em 1988 por Vera Ribeiro. | ||
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Em 1967, Lacan participa de conferências na Universidade de Roma e no Instituto Francês, e em outubro do mesmo ano, apresenta e propõe um novo dispositivo, a “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola” em que dizia: “O analista se autoriza por si mesmo. Isso não exclui que um psicanalista dependa de sua formação”. Essa proposição visava a substituição da análise didática, adotada pela IPA, para fornecer uma visão analógica de organização do universo profissional psicanalítico. | Em 1967, Lacan participa de conferências na Universidade de Roma e no Instituto Francês, e em outubro do mesmo ano, apresenta e propõe um novo dispositivo, a “Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola” em que dizia: “O analista se autoriza por si mesmo. Isso não exclui que um psicanalista dependa de sua formação”. Essa proposição visava a substituição da análise didática, adotada pela IPA, para fornecer uma visão analógica de organização do universo profissional psicanalítico. | ||
Lacan funda a revista "Scilicet" dentro da coleção do "Champ Freudien" em março de 1968, introduzindo-a como revista da EFP, visando publicar textos de sua autoria e dos membros de sua escola, além de diferenciar quatro modalidades teóricas de articulação entre o sujeito, seu desejo e a relação com a verdade (o discurso do senhor, do universitário e o analítico, relacionados às tarefas de governar, educar e psicanalisar e o da histérica, correspondente a amar e se fazer amar, todos sendo tarefas impossíveis). | Lacan funda a revista "Scilicet" dentro da coleção do "Champ Freudien" em março de 1968, introduzindo-a como revista da EFP, visando publicar textos de sua autoria e dos membros de sua escola, além de diferenciar quatro modalidades teóricas de articulação entre o sujeito, seu desejo e a relação com a verdade (o discurso do senhor, do universitário e o analítico, relacionados às tarefas de governar, educar e psicanalisar, e o da histérica, correspondente a amar e se fazer amar, todos sendo tarefas impossíveis). | ||
No ano de 1969, houve a aplicação do "passe", que seria tanto o momento em que o psicanalista, em sua análise, vira analista quando desejar, quanto o mecanismo institucional e corporativo inventado para aferir essa passagem. No entanto, nem todos os membros da escola aceitaram a proposta, ocasionando a terceira cisão no movimento psicanalítico da França, feita por um grupo de dissidentes que fundaram o “Quarto Grupo”. No mês de março, Lacan recebe uma carta do diretor da ENS comunicando que a sala Dussane não o seria mais fornecida para a realização dos seus seminários. A partir de 26 de novembro, passa a realizá-los quinzenalmente em um anfiteatro da faculdade de direito, em frente ao Pantheon, que a partir daí, começa a integrar as atividades da École Pratique des Hautes Étudés. | No ano de 1969, houve a aplicação do "passe", que seria tanto o momento em que o psicanalista, em sua análise, vira analista quando desejar, quanto o mecanismo institucional e corporativo inventado para aferir essa passagem. No entanto, nem todos os membros da escola aceitaram a proposta, ocasionando a terceira cisão no movimento psicanalítico da França, feita por um grupo de dissidentes que fundaram o “Quarto Grupo”. No mês de março, Lacan recebe uma carta do diretor da ENS comunicando que a sala Dussane não o seria mais fornecida para a realização dos seus seminários. A partir de 26 de novembro, passa a realizá-los quinzenalmente em um anfiteatro da faculdade de direito, em frente ao Pantheon, que a partir daí, começa a integrar as atividades da École Pratique des Hautes Étudés. | ||
Lacan retorna à Itália em 1974, por ocasião do Congresso da Escola Freudiana, em Roma. Ocorre a inauguração do ensino do Campo Freudiano no departamento de psicanálise criado por Serge Leclaire, e Jacques-Alain Miller é escolhido por Lacan como coordenador desse ensino. A partir desse ano, o ensino de Lacan apoia-se principalmente em sua própria teoria, para defini-la melhor. | Lacan retorna à Itália em 1974, por ocasião do Congresso da Escola Freudiana, em Roma. Ocorre a inauguração do ensino do Campo Freudiano no departamento de psicanálise criado por Serge Leclaire, e [[Jacques-Alain Miller]] é escolhido por Lacan como coordenador desse ensino. A partir desse ano, o ensino de Lacan apoia-se principalmente em sua própria teoria, para defini-la melhor. | ||
Em 1975, Lacan participa do simpósio sobre estruturalismo na Universidade de Baltimore, EUA, dizendo ser psicótico, acrescentando ainda, ser um fato de vigor. Retorna ao país no ano seguinte, para realizar uma série de conferências nas universidades da Costa Leste, onde é questionado por psicanalistas norte-americanos sobre querer matematizar tudo, e sua resposta é negativa, pois se defende dizendo que apenas quer “começar a isolar na psicanálise um mínimo passível de ser matematizado”, ou seja, introduzir algumas fórmulas seguras para o trabalho dos psicanalistas e para a troca teórica entre eles. | Em 1975, Lacan participa do simpósio sobre estruturalismo na Universidade de Baltimore, EUA, dizendo ser psicótico, acrescentando ainda, ser um fato de vigor. Retorna ao país no ano seguinte, para realizar uma série de conferências nas universidades da Costa Leste, onde é questionado por psicanalistas norte-americanos sobre querer matematizar tudo, e sua resposta é negativa, pois se defende dizendo que apenas quer “começar a isolar na psicanálise um mínimo passível de ser matematizado”, ou seja, introduzir algumas fórmulas seguras para o trabalho dos psicanalistas e para a troca teórica entre eles. | ||
Em janeiro de 1980, período que se destaca pela ênfase dada ao registro do Real e pelo fim dos esforços de Lacan sobre a EFP, houve a dissolução dessa instituição e a fundação da Escola da Causa Freudiana (ECF). Em julho, Lacan vai a Caracas, na Venezuela, para participar do Congresso da Fundação do Campo Freudiano, do qual é presidente. Em 13 de novembro, escreve seu testamento, escolhendo Judith como herdeira e tornando Jacques-Alain Miller (seu genro) o responsável legal por sua obras publicadas e inéditas. | Em janeiro de 1980, período que se destaca pela ênfase dada ao registro do Real e pelo fim dos esforços de Lacan sobre a EFP, houve a dissolução dessa instituição e a fundação da [[Escola da Causa Freudiana]] (ECF). Em julho, Lacan vai a Caracas, na Venezuela, para participar do Congresso da Fundação do Campo Freudiano, do qual é presidente. Em 13 de novembro, escreve seu testamento, escolhendo Judith como herdeira e tornando Jacques-Alain Miller (seu genro) o responsável legal por sua obras publicadas e inéditas. | ||
Assim, pouco antes de morrer, Lacan sugere aos analistas que se mantenham fiéis a princípios e não a pessoas, que se juntem e se separem periodicamente, colocando os supostos políticos sempre em questão, de forma a evitar que as hierarquias se eternizem em seus cargos. | Assim, pouco antes de morrer, Lacan sugere aos analistas que se mantenham fiéis a princípios e não a pessoas, que se juntem e se separem periodicamente, colocando os supostos políticos sempre em questão, de forma a evitar que as hierarquias se eternizem em seus cargos. | ||
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== Críticas == | == Críticas == | ||
Uma das principais críticas à teoria lacaniana está presente nas ideias de Gilles Deleuze e Félix Guattari em sua obra ‘’O Anti-Édipo’’, já que ela se apresenta como uma espécie de resposta à psicanálise. Embora não a negue, as concepções de Deleuze e Guattari questionam suas limitações, especialmente no que se refere aos conceitos de inconsciente e desejo. | Uma das principais críticas à teoria lacaniana está presente nas ideias de [[Gilles Deleuze]] e [[Félix Guattari]] em sua obra ‘’O Anti-Édipo’’, já que ela se apresenta como uma espécie de resposta à psicanálise. Embora não a negue, as concepções de Deleuze e Guattari questionam suas limitações, especialmente no que se refere aos conceitos de inconsciente e desejo. | ||
Nesse sentido, as respostas de Deleuze e Guattari aos simpatizantes de Lacan não podem ser resumidas em apenas oposição, pois, em sua obra, há lacanianos avaliados positivamente a depender do contexto, sendo a principal oposição no que se refere à teoria do desejo e do inconsciente. (DUTRA e COUTO, 2018) | Nesse sentido, as respostas de Deleuze e Guattari aos simpatizantes de Lacan não podem ser resumidas em apenas oposição, pois, em sua obra, há lacanianos avaliados positivamente a depender do contexto, sendo a principal oposição no que se refere à teoria do desejo e do inconsciente. (DUTRA e COUTO, 2018) | ||
Além disso, há críticas de outras áreas, como das ciências matemáticas, tais quais as estabelecidas por Alan Sokal e Jean Bricmont na obra ‘’Imposturas Intelectuais’’. Os autores afirmam que Lacan teria usado equivocadamente o conceito de número irracional, tendo confundido-o com imaginário na topologia utilizada em sua teoria (DA SILVA, 2004). A essa crítica matemática, muitos simpatizantes do lacanismo rebatem com a concepção de que ‘’...o desconhecimento de conceitos psicanalíticos faz com que tais críticas não atinjam seu alvo’’ (GLYNOS e STAVRAKAKISS, 2006, p. 01). | Além disso, há críticas de outras áreas, como das ciências matemáticas, tais quais as estabelecidas por Alan Sokal e Jean Bricmont na obra ‘’Imposturas Intelectuais’’. Os autores afirmam que Lacan teria usado equivocadamente o conceito de número irracional, tendo confundido-o com imaginário na topologia utilizada em sua teoria (DA SILVA, 2004). A essa crítica matemática, muitos simpatizantes do lacanismo rebatem com a concepção de que ‘’... o desconhecimento de conceitos psicanalíticos faz com que tais críticas não atinjam seu alvo’’ (GLYNOS e STAVRAKAKISS, 2006, p. 01). | ||
Por fim, constata-se que a relação de corpo e linguagem proposta pela psicanálise lacaniana é amplamente criticada. Vários autores, como Joel Birman, afirmam que o destaque dado à linguagem apagaria as particularidades do sujeito, prevalecendo um formalismo lógico. Segundo esse autor, por mais que Lacan não tivesse como objetivo excluir o corpo de seu esquema, fica evidente que em determinado momento de sua elaboração o simbólico foi priorizado. Como resposta às críticas relacionadas a essa questão, o psicanalista Jacques Miller elucida que em um primeiro momento o corpóreo e a libido são colocados como imaginários, contudo, no decorrer da teoria lacaniana, tal colocação torna-se insustentável, já que é necessária uma satisfação que vise o indivíduo. Dessa forma, o corpo seria gradualmente integrado. | Por fim, constata-se que a relação de corpo e linguagem proposta pela psicanálise lacaniana é amplamente criticada. Vários autores, como [[Joel Birman]], afirmam que o destaque dado à linguagem apagaria as particularidades do sujeito, prevalecendo um formalismo lógico. Segundo esse autor, por mais que Lacan não tivesse como objetivo excluir o corpo de seu esquema, fica evidente que em determinado momento de sua elaboração o simbólico foi priorizado. Como resposta às críticas relacionadas a essa questão, o psicanalista Jacques Miller elucida que em um primeiro momento o corpóreo e a libido são colocados como imaginários, contudo, no decorrer da teoria lacaniana, tal colocação torna-se insustentável, já que é necessária uma satisfação que vise o indivíduo. Dessa forma, o corpo seria gradualmente integrado. | ||
== Cronologia biográfica == | == Cronologia biográfica == | ||
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== Ver também == | == Ver também == | ||
[[Associação | * [[Associação Internacional de Psicanálise (IPA)]] | ||
* [[Escola da Causa Freudiana (ECF)]] | |||
[[Escola da Causa Freudiana (ECF)]] | * [[Escola Freudiana de Paris (EFP)]] | ||
* [[Félix Guattari]] | |||
[[Escola Freudiana de Paris (EFP)]] | * [[Gilles Deleuze]] | ||
* [[Henri Wallon]] | |||
[[ | * [[Jacques Alain-Miller]] | ||
* [[Jean-Paul Sartre]] | |||
[[ | * [[Melanie Klein]] | ||
* [[Sigmund Freud]] | |||
* [[Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP)]] | |||
* [[Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP)]] | |||
[[Henri Wallon]] | |||
[[Jacques Alain-Miller]] | |||
[[Jean-Paul Sartre]] | |||
[[Melanie Klein]] | |||
[[Sigmund Freud]] | |||
[[Sociedade Francesa de Psicanálise (SFP)]] | |||
[[Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP)]] | |||
== Referências == | == Referências == |
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