A Psicologia de Aristóteles: mudanças entre as edições

10 019 bytes adicionados ,  18h07min de 9 de setembro de 2020
sem sumário de edição
mSem resumo de edição
Sem resumo de edição
Etiqueta: editor de código 2017
Linha 1: Linha 1:
Tradução do verbete da Stanford Encyclopedia of Philosophy: "Aristotle Psychology" - publicado em 11/01/2000 e revisado em 23/08/2010-, feita por André Elias Morreli e revisada por Yuri Pereira.
Este verbete se trata de uma tradução de outro verbete chamado: "Aristotle Psychology" da Stanford Encyclopedia of Philosophy - publicado em 11/01/2000 e revisado em 23/08/2010-, feita, com a autorização da instituição detentora dos direitos, por André Elias Morreli e Yuri Pereira. Por se tratar de uma tradução, este verbete ficara fechado por um período de 1 ano, até o dia 09/09/2021.
=Introdução=
=Introdução=
Aristóteles (384-322 AC) nasceu na Macedônia, noroeste da atual Grécia, mas passou a maior parte de sua vida adulta em Atenas. Sua vida está dividida em dois períodos. Primeiro como membro da Academia de Platão (367-347AC), e depois como diretor da própria escola, o Liceu (334-323AC). Passou um período em Assos e Lesbos, além de um breve retorno à Macedônia. Seus anos fora de Atenas foram utilizados, em sua maior parte, fazendo pesquisas na área da biologia e escrevendo. Com base nos seus escritos, a obra mais importante de Aristóteles sobre psicologia provavelmente pertence à sua segunda temporada em Atenas, tal qual a maior parte do seu período maduro. Seu trabalho principal em Psicologia, ''De Anima'', reflete diferentes caminhos do seu interesse na taxonomia e suas sofisticadas teorias físicas e metafísicas.
Aristóteles (384-322 AC) nasceu na Macedônia, noroeste da atual Grécia, mas passou a maior parte de sua vida adulta em Atenas. Sua vida está dividida em dois períodos. Primeiro como membro da Academia de Platão (367-347AC), e depois como diretor da própria escola, o Liceu (334-323AC). Passou um período em Assos e Lesbos, além de um breve retorno à Macedônia. Seus anos fora de Atenas foram utilizados, em sua maior parte, fazendo pesquisas na área da biologia e escrevendo. Com base nos seus escritos, a obra mais importante de Aristóteles sobre psicologia provavelmente pertence à sua segunda temporada em Atenas, tal qual a maior parte do seu período maduro. Seu trabalho principal em Psicologia, ''De Anima'', reflete diferentes caminhos do seu interesse na taxonomia e suas sofisticadas teorias físicas e metafísicas.
Linha 91: Linha 91:


Já na primeira fase, no entanto, a aplicação de Aristóteles da análise hilemórfica da mudança no pensamento pode parecer uma super-extensão. Ele afirma categoricamente que a mente é "uma potência de coisas que só existem quando pensadas” (De Anima iii 4, 429a24). Suas razões para a manutenção desta tese são complexas, mas derivam, em última análise, a partir das formas de plasticidade. Aristóteles acredita que a mente deve se manifestar se for capaz de pensar todas as coisas (De Anima iii 4, 429a18). Agora, se a mente está em potência antes de pensar, é difícil entender como a análise hilemórfica de mudança e de percepção pode ser exercida desta maneira. Se alguma massa é feita em forma de bolinho, é realmente massa antes de ganhar tal forma; até mesmo os órgãos dos sentidos, quando em conexão com os objetos, são, na verdade, órgãos existentes antes de ser afetados pelos objetos perceptíveis. Assim, dada a concepção da mente como não existente em ato antes de pensar, é difícil compreender como o pensamento se presta a uma análise em termos de qualquer abordagem hilemórfica reconhecível na mudança.
Já na primeira fase, no entanto, a aplicação de Aristóteles da análise hilemórfica da mudança no pensamento pode parecer uma super-extensão. Ele afirma categoricamente que a mente é "uma potência de coisas que só existem quando pensadas” (De Anima iii 4, 429a24). Suas razões para a manutenção desta tese são complexas, mas derivam, em última análise, a partir das formas de plasticidade. Aristóteles acredita que a mente deve se manifestar se for capaz de pensar todas as coisas (De Anima iii 4, 429a18). Agora, se a mente está em potência antes de pensar, é difícil entender como a análise hilemórfica de mudança e de percepção pode ser exercida desta maneira. Se alguma massa é feita em forma de bolinho, é realmente massa antes de ganhar tal forma; até mesmo os órgãos dos sentidos, quando em conexão com os objetos, são, na verdade, órgãos existentes antes de ser afetados pelos objetos perceptíveis. Assim, dada a concepção da mente como não existente em ato antes de pensar, é difícil compreender como o pensamento se presta a uma análise em termos de qualquer abordagem hilemórfica reconhecível na mudança.
Se isso será uma grande questão depende do quanto Aristóteles realmente está comprometido em dizer que a mente não existe antes do pensamento. Isso igualmente depende do quão adaptável o hilemorfismo aristotélico prova estar. Já mais avançado em sua teoria, Aristóteles nota que há diferentes tipos de mudança e alteração, ilustrado por uma cerca marrom sendo pintada de branco e um construtor, com suas ferramentas, durante o ato de construir. No primeiro caso, há destruição e perda da cor original da cerca; no segundo nada é destruído, pelo contrário, ''F'' se torna ''F'' engajado com a atividade de ''F''. Um construtor já é algo capaz de construir. Quando ele começa a construir, ele se torna inteiramente e atualização de um construtor. Neste sentido, ele não perde nada, pelo contrário ele realiza aquilo que é estabelecido como seu potencial
O segundo tipo de mudança, que Aristóteles indica ser o modelo apropriado para grande parte das atividades psíquicas, é ou “ uma não instância de alteração … ou um diferente tipo de alteração” onde um “não deve falar que está sendo afetado, a menos que <um permita que> existam dois tipos de alteração” (''De Anima'' ii 5, 417b6–16). Talvez o posicionamento aristotélico seja que a mente, pelo menos enquanto capacidades cognitivas que concernem o pensamento, é simplesmente algo que é enformado por uma infinidade de objetos do pensamento. Isso envolveria o fato de nada ser determinado em si mesmo, e longe de ser uma anomalia para Aristóteles, a mente seria no reino cognitivo precisamente como a coisa mais básica, se houver esta coisa mais básica, seria no reino material. Ambos manifestariam uma plasticidade irrestrita, e só seriam caracterizados essencialmente nos termos do alcance de sua potencialidade.
Isto posto, deveria ser notado que quando desanexada da tese idiossincrática que a mente não existe antes da atualização do pensar, a análise hilemórfica aristotélica do pensamento continua plausível e tem certa independência. A sugestão que o pensamento tem que ser compreendido ao menos parcialmente em termos isomórficos entre nossas capacidades representacionais e os objetos de nossa cognição teve, por uma boa razão, um apelo duradouro. Até o ponto em que hilemorfismo é defensável de maneira geral, sua aplicação neste domínio nos provém uma rica estrutura teórica para a investigação da natureza do pensamento.
= Desejo =
Tanto na percepção quanto no pensamento, as almas animais são em certa medidas ativas e passivas. Contudo, a mente e as faculdades sensíveis recebem suas respectivas formas quando pensam e percebem, atividades primordiais que não são integralmente passívas. Percepção envolve discriminação, enquanto pensamento envolve atendimento seletivo e abstração, ambas atividades que requisitam mais que uma mera passividade. Ainda, estas atividades que requerem da cognição e da percepção não explicam de maneira óbvia outra questão fundamental dos seres humanos e outros animais: animais propulsionam a si mesmos pelo espaço para possuírem coisas que desejam. Mesmo nas primeiras caracterizações da alma em De Anima, Aristóteles está atento à vasta noção de que a alma implica a moção (''De Anima'' i 2, 405b11; i 5 409b19–24). Obviamente esta é uma conexão natural que ele faz, dado que todo ser animado, isso é, todo ser com alma, tem entre seus princípios a moção e o repouso. Então, é intrínseco aos seres vivos que eles sejam capazes de mobilizarem a si mesmos de maneiras a garantir sua sobrevivência e florescimento. Animais mobilizam a si mesmos, porém, de maneira distinta: eles desejam coisas, com a resultante de que o desejo é a implicação central de todas as maneiras de ação dos animais. Por que um avestruz corre de um tigre? Porque, responderão facilmente, ela deseja sobreviver então engaja-se num comportamento de fuga. Por que um humano se dirige a uma ópera e lá senta-se em silêncio? Porque, ao que parece, ele deseja ouvir música e observar o espetáculo.
Nestes, e em outros incontáveis casos, a explicação para as ações animais, humanas e não humanas, facilmente e irrefletidamente apelam ao desejo. Esta é a razão pela qual Aristóteles não encerra ''De anima'' discutindo a mente. Pelo contrário, depois de discutir a mente, ele nota que todos os animais são capazes de se locomover, apenas para negar que qualquer uma das faculdade da alma (nutrição, percepção ou mente) dão conta do movimento iniciado pelo desejo. Entretanto ele inicialmente identificou apenas estas três faculdades da alma (''De Anima'' ii 2, 413b12), então Aristóteles notou que algo deveria explicar o fato de animais engajarem-se em comportamentos objetivamente estabelecidos para realizarem suas metas conscientes e inconscientes. Esta explicação, ele argumenta, não pode ser encontrada na faculdade de nutrição, enquanto plantas, como seres vivos, tem o poder da alma, mas não podem propulsionar a si mesmas para realizarem suas finalidades; nem através da percepção, uma vez que alguns animais mesmo tendo esta faculdade são incapazes de moverem (Aristóteles tinha em mentes as esponjas, ostras e alguns testacea, ''Historia Animalium'' i 1, 487b6–9; viii 1 588b12; ''Partibus Animalium'' iv 5, 681b34, 683c8); nem mesmo pode ser um produto da mente, pois como é algo contemplativo, a mente não foca em objetos como se fossem diretivas para ações, e também, como requer ação, a mente não suficiente em si mesma para engajar a ação, pelo contrário ela depende de uma inclinação (''De Anima'' iii 9, 432b14–33a5). Dessa forma, utilizando a mesma linha de raciocínio, de que uma faculdade não pode ser a causa de uma ação se sua atividade é insuficiente para iniciar a moção, Aristóteles inicialmente conclui que mesmo o desejo em si (''orexis'') não pode ser responsável pela ação. Dito isso, pessoas continentes, diferentemente daqueles que são completamente virtuosas, tem desejos depravados mas não, precisamente porque são continentes, os atuam (''De Anima'' iii 9 433a6–8; cf. ''Nicomachean Ethics'' i 13, 1102b26). Então o desejo deles é insuficiente para a ação. Consequentemente, ele conclui, o desejo sozinho, considerado como uma faculdade única, não pode explicar o motivo da ação, ou pelo menos não completamente.
Afinal de contas, apesar disto, Aristóteles chega a conclusão de que há uma faculdade do desejo (''orektikon)'' que se ocuparia de iniciar a moção animal. (Embora suas reservas iniciais sejam apenas pertinentes a uma única espécie de desejo considerado isoladamente). De qualquer forma, ele diz claramente: “É manifesto, portanto, que o que é chamado de desejo é um tipo de faculdade da alma que inicia o movimento” (''De Anima'' iii 10, 433a31-b1). Ele entende, apesar disto, que esta conclusão está em conjunto a uma outra que também serve como uma qualificação de suas descobertas iniciais de que a mente não pode ser a fonte da moção. Ele sustenta, por certo, que é razoável postular duas faculdades que implicam a moção animal: desejo e razão prática (''De Anima'' iii 10, 433a17–19), apesar delas não atuarem isoladamente. Ao contrário, a razão prática, construída para incorporar o tipo de processamento de imagens presente nos animais não humanos, é a fonte de movimento quando focada em um objeto de desejo ou algo desejado. Então, a razão prática e o desejo atuam corporificadas como as fontes de impulsionam a moção em todos os animais, humanos e não humanos (''De Anima'' iii 10, 433a9-16), mesmo, em última análise, sendo o desejo dos objetos que instiga a razão prática e a põe em moção (''De Anima'' iii 10, 433a17–2). Por esta razão, Aristóteles conclui, que existe uma faculdade do desejo da qual as atividades são essencialmente, se não autonomamente ou discretamente, responsáveis por iniciar e direcionar a moção nos animais. O que os animais procuram durante a ação é algum objeto de desejo que pareça ser bom a eles.
Aristóteles apresenta certa hesitação ao discutir sobre o desejo e sua relação com a razão prática na etiologia das ações animais. Alguns, em consequência disto, concluíram que sua abordagem pode ser considerada no melhor dos casos rudimentar, ou pior, aturdida. Parece não haver base para críticas tão duras. Provavelmente Aristóteles é simplesmente sensível às nuances que envolvem a abordagem das questões relacionadas à filosofia da ação. Diferentemente de muitos seguidores de Hume, ele evidentemente reconhece o fato deste domínio ser instável e oscilante enquanto abordagem de uma teoria taxonómica. Os antecedentes da ação, ele conclui, envolvem algum tipo de faculdade do desejo; mas ele é relutante em concluir que o desejo em si é suficiente para implicar uma explicação do comportamento intencional. De alguma maneira, ele também conclui que a razão prática e a imaginação conjuntamente desempenham um papel indispensável.
= Notas =
1 Todos os nomes de obras de Aristóteles foram mantidos conforme o manuscrito original.
2 Os finais de seção e a parte final não foram traduzidas nem adaptadas para leitores de língua portuguesa.
3 Há um problema na tradução da palavra atualização, que possui um sentido diferente do encontrado no inglês e no francês quando comparados ao português. Para diferenciar as palavras utilizaremos a grafia “actualização” para indicar o sentido próximo do sentido encontrado no francês, ou seja, “a passagem da potência ao ato”, e atualização para indicar a ideia de “tornar de acordo com o momento atual” (N. do T.).
4 Não incluído nesta versão.