Mesmerismo/Magnetismo Animal foi um modelo alternativo para o tratamento de enfermidades desenvolvido no final do século XVIII pelo médico alemão Franz Anton Mesmer. Em sua teoria, Mesmer postulava a presença de um fluido energético invisível (magnetismo animal), presente nos seres vivos, que seria responsável pelo processo saúde-doença. Assim, quando o fluido estava em harmonia, haveria o pleno funcionamento do organismo; quando em desequilíbrio, haveria a enfermidade e, portanto, a necessidade de deslocamento do fluido, por intermédio do Mesmerismo, de sua área de obstrução. A prática alcançou popularidade e atraiu numerosos seguidores pela Europa, tendo seu ápice com a criação das chamadas Sociedades da Harmonia, o que alarmou os médicos e, também, o governo francês. Com a realização de comissões investigativas, a existência do fluido não pôde ser verificada, bem como sua efetividade nos casos tratados, tendo os efeitos relatados pelos pacientes compreendidos como imaginação e autossugestão. Dentre os muitos desdobramentos do Mesmerismo, a hipnose e o espiritismo configuram-se, até os dias atuais, como campos em crescente expansão que tiveram suas bases influenciadas pela prática em questão.

HistóriaEditar

Franz MesmerEditar

Franz Anton Mesmer foi um médico alemão, vivido entre os séculos XVIII-XIX, que obteve destaque em sua formação e prática clínica por seus meios alternativos de tratamento. Sua tese de doutorado intitulada “Dissertação Físico-Médica Sobre a Influência dos Planetas” abordava a relação existente entre corpos celestes e corpos terrestres, na qual defendia que o primeiro influenciava no processo de saúde-doença do segundo. Para ele, havia um mecanismo complexo e harmônico, ainda pouco estudado, entre o corpo e o plano astral, mediado através do que ele denominou de gravidade animal e, posteriormente, de magnetismo animal em sua obra “Memória Sobre a Descoberta do Magnetismo Animal”, do qual se baseava sua prática médica, o Mesmerismo.

Mudou-se para Viena, em virtude de seu casamento, e abriu sua clínica. Nos anos seguintes, Mesmer realizou viagens pela Alemanha a fim de propagar sua descoberta. Após demonstrações bem sucedidas de suas habilidades, Mesmer foi convidado, em 1775, a compor, como membro, a Academia de Ciências da Baviera. Contudo, a existência de casos controversos resultou em sua expulsão da comunidade médica local de Viena, sob alegações de práticas fraudulentas. Mesmer mudou-se para Paris, em 1778, e retornou aos trabalhos em sua residência privada, em Créteil e, posteriormente, em sua clínica, inaugurada na Praça Vendôme.

A tese de doutoradoEditar

Em sua tese de doutorado “Dissertação Físico-Médica Sobre a Influência dos Planetas”, formulada em 1776 e inspirada em ideias filosóficas e teosóficas do século XVI e XVII, Mesmer expôs um conjunto de estudos que justificavam sua teoria, na tentativa de comprovar a influência dos corpos celestes no processo saúde-doença. Para ele, haveria uma ação direta entre o campo astral e os corpos animados, sendo o sistema nervoso humano sujeito à mesma ação, através de um fluido sutil com características específicas. Tal qual a ação da gravitação universal, Mesmer denominou este fenômeno de gravidade animal.

“Fiz reflexões sobre o conhecimento em geral, e mais particularmente sobre a doutrina da influência dos corpos celestes sobre o planeta em que habitamos. Essas reflexões me levaram a pesquisar nos escombros daquela ciência, aviltada pela ignorância, o que ela podia ter de útil e de verdadeiro. Conforme minhas ideias sobre essa matéria, ofertei à Viena, em 1766, uma Dissertação a respeito da influência dos planetas sobre os corpos humanos.” (MESMER, 1779: p. 5-6)

O Mesmerismo consistia na utilização de ímãs empregados em cima da pele, sobre os órgãos acometidos, proporcionando a desobstrução do fluido e, assim, seu equilíbrio no corpo. Posteriormente, os ímãs foram substituídos pelo tratamento coletivo utilizando-se da “baquet”, que consistia numa banheira de carvalho com água, pó de vidro e ferro em seu interior, na qual os indivíduos seguravam hastes de ferro, articuladas às bordas da banheira, utilizadas pelos pacientes para tocar a região do corpo onde o magnetismo animal estava concentrado, ou seja, a parte que doía. Depois os pacientes davam as mãos, fechava-se o círculo e, com isso, o magnetismo circulava entre todos os presentes. O próprio Mesmer, ao final de cada sessão, tocava um instrumento chamado harmônica de vidro, cujo som etéreo, semelhante à vibração de taças de vidro, facilitava a comunicação e propagação do magnetismo. Em ambas as técnicas, Mesmer realizava movimentos manuais, movendo suas mãos pelo corpo do paciente sem tocá-lo, como em um passe. Supostamente, essa prática permitia a transmissão do fluido energético. Para Mesmer, a cura envolvia o desencadeamento de uma crise momentânea - convulsões, crises asmáticas, vômitos, síncopes - denominada de “crise salutar”, considerada elemento fundamental do processo terapêutico que seria então responsável por restaurar o equilíbrio entre o fluxo e o refluxo do fluido.

Os casos clínicos de MesmerEditar

Fraulein ÖsterlinEditar

No ano de 1774, em Viena, Mesmer assumiu o caso de Fraulein Österlin, de vinte e nove anos, acometida por uma doença convulsiva, tomada por sintomas persistentes - febre, dor de dente e de ouvido -, e ausência de êxito na realização de tratamentos convencionais. Mesmer utilizou-se, portanto, do método com a aplicação de ímãs em pontos específicos do corpo da paciente. Foi relatada uma intensificação da dor, seguida de uma extraordinária sensação de bem estar e alívio. Assim, Mesmer compreendeu que tais efeitos não poderiam ter sido causados apenas pela utilização de ímãs, e sim pela presença de um agente desconhecido, uma espécie de fluido presente no próprio indivíduo, que ao ser movimentado, restaura o equilíbrio do organismo.

Peter von OsterwaldEditar

Na Alemanha, durante o período de propagação de sua prática, Mesmer tratou de Peter von Osterwald, diretor da Academia de Ciências da Baviera, que sofria de deficiência visual grave e outras comorbidades que afetavam sua vida. Após tratamento com Mesmer, notou melhora significativa em sua visão, emitindo um relatório no qual relatava sua cura.

Maria Theresia von ParadisEditar

Visando um maior reconhecimento acerca de sua prática, Mesmer assumiu o caso da pianista de dezoito anos, Maria Theresia von Paradis, diagnosticada com uma doença incurável que impossibilitava sua visão. A jovem já havia passado por inúmeros tratamentos, incluindo a administração de choques elétricos em seus globos oculares por longos anos. Em poucos dias submetida ao Mesmerismo, a jovem apresentou significativa melhora, sendo capaz de acompanhar movimentos com o olhar e de descrever objetos, segundo relato escrito por Herr von Paradis, o pai. Contudo, pouco tempo depois, a pianista começou a sentir grande desconforto, afetando seu estado geral de saúde e seu rendimento profissional. Mesmer foi retirado do caso e a paciente retornou à cegueira. O caso apresentava controvérsias desde o correto diagnóstico da paciente até a efetividade do tratamento proposto por Mesmer, incluindo também questões financeiras e de prestígio social, visto que a jovem recebia uma pensão anual, da imperatriz austríaca, em virtude de sua deficiência.

Reformulação da teoriaEditar

Mesmer prosseguiu em defesa de sua prática e, em 1779, sistematizou suas ideias na publicação “Memória Sobre a Descoberta do Magnetismo Animal”, na qual reescreveu sua teoria utilizando-se de vinte e sete proposições e também do termo Magnetismo Animal. A obra reflete a busca do médico por relacionar as proposições ao conhecimento científico da época, bem como a preocupação com a medicina vigente, que segundo ele, não possuía o conhecimento necessário para o tratamento das doenças existentes.

Utilizando-se de conceitos do magnetismo e da gravidade, temas em voga das Ciências Naturais, Mesmer concluiu que a ação e remissão do fluido era tal como a de um campo magnético de um ímã, fazendo uso do termo Magnetismo Animal em substituição ao Gravidade Animal. O fluido, portanto, seria capaz de penetrar em tudo, propagar pelo som e pelo fluido elétrico, e com ação direta nas partes constitutivas dos corpos animados, sendo determinado pelos princípios da matéria dos corpos organizados, como: a gravidade, a elasticidade, a eletricidade, a coesão e a irritabilidade. Mesmer destacou que os corpos eram divisíveis em duas classes, sendo uma suscetível ao magnetismo, e a outra não, daí a explicação de que certos indivíduos não eram susceptíveis ao fenômeno.

Proposições da obra “Memória Sobre o Magnetismo Animal” (Mesmer, 1779, p.74-83):

1º - Existe uma influência mútua entre os Corpos Celestes, a Terra e os Corpos Animados.

2º - Um fluido universalmente difundido e continuado de modo a não fornecer vácuo, cuja sutileza não permite qualquer comparação, e que, por sua natureza é suscetível de receber, propagar e comunicar todas as impressões do movimento, é o meio dessa influência.

3º - Essa ação recíproca é proporcionada por leis mecânicas desconhecidas até agora.

4º - Resulta dessa ação, efeitos alternativos, que podem ser descritos como fluxo e refluxo.

5º - Esse fluxo e refluxo é mais ou menos geral, mais ou menos particular, mais ou menos composto, dependendo da natureza das causas que o determinam.

6º - É através desta operação (a mais universal das que a Natureza nos oferece) que se exercem as relações de atividade entre os corpos celestes, a Terra e as suas partes constituintes.

7º - As propriedades da Matéria e do Corpo Organizado dependem desta operação.

8º - O corpo animal experimenta os efeitos alternados deste agente: e é insinuando-se na substância dos nervos que os afeta imediatamente.

9º - Manifestam-se particularmente no corpo humano as propriedades análogas às dos ímãs; distinguimos pólos igualmente diversos e opostos, que podem ser comunicados, alterados, destruídos ou reforçados; o próprio fenômeno da inclinação é observado.

10º - A propriedade do corpo animal, que o torna suscetível à influência dos corpos celestes, e a ação recíproca daqueles que o cercam, manifestada pela sua analogia com o ímã, fez-me determinado a nomeá-lo MAGNETISMO ANIMAL.

11º - A ação e virtude do Magnetismo Animal, assim caracterizada, pode ser comunicada a outros corpos animados e inanimados. Um ao outro, no entanto, o torna mais ou menos suscetível.

12º - Esta ação e esta virtude podem ser reforçadas e propagadas por esses mesmos corpos.

13º - Observamos na experiência o fluxo de um material cuja sutileza penetra todos os corpos, sem perder significativamente sua atividade.

14º - Sua ação ocorre a longa distância, sem o auxílio de um corpo intermediário.

15º - É aumentado e refletido pelo vidro, como a luz.

16º - É comunicado, propagado e aumentado pelo som.

17º - Essa virtude magnética pode ser acumulada, concentrada e transportada.

18º - Eu disse que os corpos animados não são igualmente suscetíveis: há mesmo alguns, embora muito raros que têm uma propriedade oposta, de que sua mera presença destrói todos os efeitos desse magnetismo em outros corpos.

19º - Essa virtude oposta também penetra todos os corpos; também pode ser comunicado, propagado, acumulado, concentrado, transportado, refletido por espelhos e propagado pelo som; o que não constitui apenas uma privação, mas uma virtude: positiva.

20º - O ímã, seja natural, seja artificial é, assim como outros corpos, suscetível ao Magnetismo Animal, e mesmo da virtude oposta, sem que, em nenhum dos casos, sua ação sobre o ferro e agulha sofram qualquer alteração; o que prova que o princípio do Magnetismo Animal difere essencialmente do mineral.

21º - Este sistema proporcionará novos esclarecimentos sobre a natureza do fogo e da luz, bem como sobre a teoria da Atração, do Fluxo e do Refluxo, do Ímã e da Eletricidade.

22º - Ele fará saber que o Imã e a Eletricidade Artificial, no que diz respeito às doenças, só possuem propriedades comuns com vários outros agentes que a Natureza nos oferece, e que se alguns efeitos úteis da administração desses forem encontrados, eles foram devido ao Magnetismo animal.

23º - Reconheceremos pelos fatos, de acordo com as regras práticas que estabelecerei, que este princípio pode curar imediatamente as doenças dos nervos, e mediamente as demais.

24º - Que com a ajuda dele, o Doutor se ilumine sobre o uso de medicamentos; que ele aperfeiçoe sua ação e que provoque e dirija crises salutares de maneira a torná-lo mestre.

25º - Ao comunicar o meu método, demonstrarei através de uma nova teoria das doenças, a utilidade universal do princípio que lhes proponho.

26º - Com esse conhecimento, o médico certamente julgará a origem, a natureza e a evolução das doenças, mesmo as mais complicadas; impedirá o seu crescimento e conseguirá a sua cura, sem nunca expor o paciente a efeitos perigosos ou consequências desagradáveis, qualquer que seja a idade, temperamento e sexo. As mulheres mesmo em estado de gravidez e durante o parto terão a mesma vantagem.

27º - Esse princípio, finalmente, colocará o médico em condições de avaliar adequadamente o grau de saúde de cada indivíduo, e de protegê-lo de doenças a que possa estar exposto. A arte de curar alcançará assim a sua perfeição última.

RepercussãoEditar

Com sua reputação dividida entre aqueles que o consideravam um gênio e outros que o acusavam de charlatanismo, Mesmer buscou o apoio da Sociedade Real de Medicina, porém sem sucesso. Neste contexto, conheceu o renomado médico Charles D’Eslon, que se tornou seu discípulo.

Mesmer também recorreu à Faculdade de Medicina de Paris, na tentativa de ter sua prática avaliada através de um modelo de experimentação, contudo, o pedido foi negado. Coube a Maria Antonieta, esposa do rei Luís XVI, simpatizante da prática, o pedido de uma avaliação do Mesmerismo por comissários nomeados pelo rei. Dessa vez, no entanto, foi Mesmer quem não concordou.

Com o propósito de reunir novos interessados no Mesmerismo, em virtude de discordâncias e, posterior rompimento, com seu discípulo Charles D’Eslon, Mesmer fundou uma sociedade de subscrição, a chamada Sociedade da Harmonia Universal. Em resposta, D’Eslon inaugurou uma clínica em sua própria casa, na qual só admitia médicos.

As subscrições para a sociedade de Mesmer foram abertas em 1784, admitindo membros das mais diversas áreas de formação, como médicos, advogados e diplomatas. Ao término destas, Mesmer convocaria todos os interessados para uma Assembleia Geral, na qual revelaria os segredos do fluido universal proposto por ele. Além disso, Mesmer daria também as devidas instruções técnicas e teóricas para que eles pudessem colocar em prática o que aprenderam. A ata da Assembleia Geral da Sociedade da Harmonia era composta de artigos que determinavam as normas e as condutas para inserção na sociedade e aplicação do Mesmerismo.

A presença de Mesmer em Paris e a disseminação da prática, com filiais da Sociedade da Harmonia Universal abertas pela França, fez com que o Mesmerismo ganhasse grande notoriedade, chamando atenção do corpo médico ortodoxo e dos governantes franceses e, assim, dividindo opiniões. Surgiu a necessidade, portanto, de avaliar a prática em questão para verificar se o fluido, de fato, existia e se o tratamento alcançava a cura prometida.

Em um contexto de dissidências entre Mesmer e Charles D'Eslon, bem como deste com a Faculdade de Medicina de Paris e da faculdade com a Sociedade Real de Medicina da França, foram convocadas duas comissões de investigação, a pedido do rei Luís XVI, para averiguar a existência e efetividade do magnetismo animal.

InvestigaçãoEditar

Em 1784, foram formadas, portanto, duas comissões com o intuito de verificar a existência das propriedades do magnetismo animal e a veracidade do Mesmerismo. A primeira, intitulada Comissão Real (ou Comissão de Franklin) contava com membros da Faculdade de Medicina de Paris, tradicional instituição francesa, e da Academia de Ciências da França. Nomes como o do químico Antoine-Laurent Lavoisier (1743-1794) e do diplomata Benjamin Franklin (1706-1790) constituíam a comissão formada. A segunda, foi estabelecida pela Sociedade Real de Medicina, instituição criada em 1778 e apoiada por Luís XVI. Esta foi formada por médicos doutores, como Pierre Jean Claude Mauduyt de La Varenne (1732-1792) e Charles-Louis-François Andry (1741-1829), e também pelo botânico Antoine Laurent Jussieu (1748-1836).

Avaliações das propriedades físicas do fluido, como testes envolvendo eletrômetros e bússolas foram realizados no baquet, tendo como resultado ausência de campo magnético. Assim como, avaliações acerca dos efeitos da ação do fluido, incluindo além da magnetização dos pacientes avaliados, a magnetização de alguns dos próprios comissários também foram efetuadas. Ao todo, foram realizados dezesseis experimentos clínicos.

Dentre as diferenças presentes nos métodos avaliativos de cada comissão, tem-se a questão da observação e da experimentação direta. A Comissão Real foi responsável por realizar ambas as formas (incluindo além da magnetização dos pacientes avaliados, a magnetização de oito de seus comissários, realizada na Clínica de D’Eslon), enquanto a Comissão da Sociedade Real de Medicina restringiu-se à observação. De todo modo, prevaleceu a conclusão geral de que a responsável pelos fenômenos era a imaginação, como explicitado por um relato de Jean-Sylvain Bailly, responsável por registrar o processo:

“O toque, a imaginação e a imitação são as verdadeiras causas  atribuídas a este agente novo, conhecido sob o nome de magnetismo animal, a este fluido que se diz circular nos corpo e se comunicar de indivíduo a indivíduo (...) Este fluido não  existe (...) Há razões para crer que a imaginação é a principal causa dentre aquelas que se destacaram acima. Percebeu-se, pelas experiências citadas, que ela é suficiente para produzir as crises. A pressão e o toque parecem, assim, servir-lhe como preparação; é pelo toque que os nervos começam a se excitar e a imitação comunica e expande suas impressões. Mais é a imaginação, esta potência ativa e terrível que opera os grandes efeitos que se observa com espanto nos tratamentos públicos.” (BAILLY, 1826/2004a, pp. 111-112)

Os relatórios de ambas as comissões, realizados de forma independente, concluíram que o fluido defendido por Mesmer não exerceu nenhuma ação sobre os pacientes analisados, e demonstraram que as supostas curas poderiam ser atribuídas aos efeitos da imaginação, do toque e da imitação, em vez de ministrações magnéticas. Os comissários observaram que uma condição importante para ser magnetizado era a crença ou expectativa da pessoa suscetível de que as condições de estímulo apropriadas haviam sido atendidas, visto que indivíduos que acreditavam estar magnetizados eram acometidos por crises mesmo quando nenhuma magnetização havia ocorrido. Experimentos com olhos vendados e sem as vendas também foram realizados, nos quais a visão da prática sendo executada contribuía para a ocorrência dos fenômenos associados, permitindo a conclusão de que o olhar atuaria na imaginação.

Devido a presença de uma assinatura conjunta nos relatórios apresentados, não é possível atribuir contribuições individuais a cada comissário, com exceção de Jussieu, que o elaborou de forma individual. Nenhum dos experimentos realizados contou com a presença de Mesmer, e sim de seu ex-discípulo D'Eslon - o qual Mesmer julgava não possuir todo o conhecimento necessário acerca do magnetismo animal -, e também de um médico autodidata no magnetismo animal, sem o treinamento de Mesmer ou de D’Eslon. Em resposta, Mesmer enviou um Memorando de Justificação a Franklin e ao Barão de Breteuil, ministro da Casa do Rei, alegando que não deveria ser julgado pelos resultados apresentados por terceiros, principalmente de D’Eslon, cuja relação encontrava-se estremecida.

Em outro relatório - considerado secreto -, enviado ao rei em 1784, pelos comissários da Faculdade de Medicina de Paris e da Academia de Ciências, mas divulgado somente em 1796, foi enfatizando o perigo moral acerca do Mesmerismo, considerando-o uma prática na qual as mulheres ficavam suscetíveis a ocorrência de assédio sexual quando magnetizadas. Para além da constatação da não existência do fluido animal e da não comprovação das curas provenientes da prática, tal declaração contribuiu ainda mais para a difamação do Mesmerismo.

Uma outra faceta dessa comissão foi apresentada pelo naturalista Antoine Laurent Jussieu que, insatisfeito com as metodologias utilizadas nas comissões, iniciou um estudo paralelo autônomo, fundamentando-se na observação de campo. O resultado dessa iniciativa foi a constatação de um agente até então desconhecido, porém influente nos desdobramentos dos tratamentos: o designado calor animal. Embora, portanto, houvesse o descarte da teoria do magnetismo animal por parte de Jussieu e concordância com a preponderância de agentes como a imaginação, o toque e a imitação nos efeitos observados, o naturalista não negou suas descobertas pessoais. Desse modo, Jussieu assumiu uma postura diferente da dos outros membros, isentando-se de posições contrárias à prática do magnetismo animal, pois considerava que o médico poderia usar os procedimentos que julgasse adequados para curar seus pacientes, desde que os publicasse para a apreciação da comunidade científica. Os adeptos ao Mesmerismo viram nesta afirmação o aporte metodológico e epistemológico de que necessitavam. Em contrapartida, os demais comissários consideraram a prática nociva e baseada em um princípio ilusório que deveria ser banido da sociedade.

Com a publicação e a distribuição dos relatórios, o Mesmerismo foi condenado e configurado como crime. Além disso, vários mecanismos de coação foram ativados, incluindo expulsões, ataques e ridicularizações públicas, por meio de cartas, panfletos e jornais.

As conclusões produzidas pelos relatórios das comissões assumiram um caráter de tal absolutismo que impediram qualquer discussão crítica sobre seus procedimentos e suas inevitáveis contradições.

No entanto, a não constatação da presença do fluido abriu margem a interpretações metafísicas. Além disso, a compreensão de que as curas eram provocadas pela imaginação propiciou o surgimento e a expansão de áreas como a hipnose, através de James Braid - sucessor de Mesmer - e o espiritismo - especialmente na figura de Allan Kardec.

DesdobramentosEditar

Hipnotismo por James BraidEditar

A Era Científica da hipnose começou com Mesmer e sua tese de doutorado, defendida em 1775. Afirma-se que a hipnose pode ser vista como “antes de Mesmer” e “depois de Mesmer”, embora o termo hipnose só tenha surgido com James Braid.

Braid, com bases no mesmerismo, apresentando um quadro fisiológico, apresentou o hipnotismo moderno, definindo-o como: “O estado particular do sistema nervoso, determinado por manobras artificiais, tendendo, pela paralisia dos centros nervosos a destruir o equilíbrio nervoso”, entretanto, Charles Richet, ao descrever o seu método, afirmou: “O hipnotismo tratava-se de projetar o fluido magnético no corpo do paciente”.

O Hipnotismo moderno admite que o paciente fique hipnotizado por auto sugestão e concentração mental, sem a presença de quaisquer fluidos. Os cientistas preferiram o termo hipnotismo em substituição ao termo magnetismo, e assim, ao longo das épocas, o hipnotismo recebeu notoriedade, e ao magnetismo restou a alcunha de charlatanismo.

Espiritismo por Allan KardecEditar

Allan Kardec definiu o Magnetismo e o Espiritismo como ciências irmãs e reconheceu a importância da primeira na preparação de um cenário favorável para a inserção da segunda:

“O Magnetismo preparou o caminho do Espiritismo, e o rápido progresso desta última doutrina se deve, incontestavelmente, à vulgarização das ideias sobre a primeira. Dos fenômenos magnéticos, do sonambulismo e do êxtase às manifestações espíritas não há mais que um passo; tal é a sua conexão que, por assim dizer, torna-se impossível falar de um sem falar do outro. Se tivéssemos que ficar fora da ciência magnética, nosso quadro seria incompleto e poderíamos ser comparados a um professor de física que se abstivesse de falar da luz.” (KARDEC, 1858, pág. 149)

Na época em que Mesmer realizava seus estudos relativos ao magnetismo animal, ele considerou que as aparições, êxtases e visões inexplicáveis eram fontes de erros e reconheceu que a obscuridade que envolvia esses eventos, acrescida da ignorância popular, favorecia o estabelecimento de preconceitos em todos os povos.

Nesse contexto, para que a totalidade de tais fenômenos pudessem ser completamente esclarecidas, afastando as ideias supersticiosas, faltava, além do magnetismo, outra fonte de entendimento: o espiritismo, que, ao acrescentar a intervenção dos espíritos, esclareceu os casos relativos à atuação desses seres.

Magnetismo Animal e Hipnose no BrasilEditar

No Brasil, a primeira referência sobre o Magnetismo Animal é a publicação, em 1823, do médico pernambucano João Lopes Cardoso Machado, no qual ele abordou pela primeira vez o tema, sob o nome de “catalepsia espontânea”.

Em uma tentativa de formalizar o uso dessa terapia dentro da medicina brasileira, o médico Leopoldo Gamard apresentou, em 1832, uma tese sobre o Magnetismo Animal à Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (fundada em 1829, mais tarde renomeada Academia Brasileira de Medicina). Contudo, a tese foi rejeitada, mediante um erudito julgamento, por Augusto Renato Cuissart, eminente membro da Academia, que considerou o trabalho uma “audácia de charlatães”.

Por cerca de duas décadas, o Magnetismo Animal não foi abordado nas Academias. O interesse sobre o assunto retornou através de livros publicados no exterior, especialmente na França.

Em 1861, foi fundada a Sociedade Propaganda do Magnetismo e o Júri Magnético, ambas no estado do Rio de Janeiro. Essas entidades, dedicadas à pesquisa e tratamento através do Magnetismo Animal, foram autorizadas a funcionar, por D. Pedro II, desde que as práticas curativas fossem conduzidas exclusivamente por médicos.

Nos anos de 1875 e 1876, o médico Gonzaga Filho escreveu uma série de artigos sobre o Magnetismo Animal na seção de ciências do Diário do Rio de Janeiro, obtendo grande repercussão na Corte, inclusive entre a classe médica.

Enquanto a Europa já havia abandonado o Magnetismo Animal e adotado um dos desdobramentos da prática - o hipnotismo de James Braid -, o Brasil passava a conhecer e ganhar interesse no Mesmerismo. Entre 1880 e 1887, muitas foram as publicações acerca da prática.

Nunes Garcia apresentou, em 1884, seu trabalho “Memória Sobre o Magnetismo Animal” na exposição que ele inaugurou na Biblioteca da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Apenas em 1887, com a apresentação de Érico Coelho à Academia Imperial da Medicina sobre um caso tratado por intermédio da sugestão hipnótica que o magnetismo foi deixado de lado, e o hipnotismo médico, então declarado como psicoterapia sugestiva, teve início no Brasil.

CríticasEditar

Em um contexto de grande valorização da natureza e da ciência, o Mesmerismo representou uma terapia alternativa natural que em muito agradava os franceses, em virtude da substituição dos métodos frequentemente utilizados, como a sangria, purgantes e choques elétricos. No entanto, sua natureza invisível e ausência de validação por métodos investigativos colocava em dúvida a efetividade da prática e associava Mesmer ao charlatanismo. Assim, o Mesmerismo ganhava adeptos de um lado, e críticos do outro, ao desafiar as estruturas filosóficas, sociais e políticas existentes.

Henri EllenbergerEditar

Ellenberger em seu livro "A Descoberta do Inconsciente" traz uma visão panorâmica e integrada da busca do homem por uma compreensão mais profunda da mente. O autor demonstra a sequência histórica de eventos desde exorcistas, magnetizadores e hipnotizadores até os sistemas psicológicos, como os de Janet e Freud. Assim, há uma busca em interpretar o Mesmerismo em suas mais diversas fases e reconhecer neste o início da psicologia dinâmica.

“Não há dúvida de que o desenvolvimento da psicologia dinâmica moderna pode ser rastreado até o magnetismo animal de Mesmer, e que a posteridade foi notavelmente ingrata a ele” (ELLENBERGER, 1970, p.69)

Robert DarntonEditar

O historiador atribuiu à figura de Mesmer um caráter revolucionário e político que coincidia com o contexto de insatisfação com a monarquia vigente na época. O autor sustentou que a rejeição ao Mesmerismo, por parte das sociedades acadêmicas, contribuiu para uma influência indireta dessa prática na Revolução Francesa. Assim, o autor apropria-se de um evento particular (Mesmerismo) para a compreensão de um evento muito maior (Revolução Francesa), caracterizando o Mesmerismo como uma prática política-ideológica e revolucionária.

“O mesmerismo exerceu uma influência mais penetrante, ainda que menos evidente, sobre a Revolução através do Cercle Social, uma associação de místicos revolucionários que esperavam estabelecer uma Confederação Universal de Amigos da Verdade, com organização maçônica” (DARNTON, 1988, p. 115)

Steven Lynn e Scott LillienfeldEditar

Consideraram que o Mesmerismo foi incompreendido, visto que apesar de sua teoria não ter sido verificada, a prática representava uma tentativa de fornecer uma explicação naturalista para um fenômeno, comumente, tido como metafísico. Os autores realizaram críticas em relação ao Relatório Real de 1784, sustentando que os comissários elegeram a imaginação para explicar os supostos efeitos do Mesmerismo, mas não se preocuparam em defini-la claramente. Assim, o que aconteceu foi a substituição de um conceito misterioso por outro que carece de explicação.

“Se os comissários tivessem levado seus métodos a sério, então poderíamos saber mais hoje sobre os determinantes de alterações profundas na consciência; o papel da imaginação na vida cotidiana; a ligação entre respostas à sugestão e processos fisiológicos; o papel de perguntas sugestivas e orientadoras na formação de experiências; e a maneira como crenças e expectativas moldam uma miríade de respostas subjetivas e comportamentais.” (LYNN & LILIENFELD, 2002, p.380)

Maurício da Silva NeubernEditar

Neubern realizou uma reflexão histórica acerca do projeto de ciência da época, evidenciando que o Magnetismo Animal se opunha não só aos princípios metodológicos, mas também às questões institucionais e sociais vigentes, tornando-se, portanto, uma ameaça à ordem social. O autor levantou questões como a incoerência em atribuir uma causa subjetiva - a imaginação - ao trabalho de Mesmer, bem como o de não submetê-la a um método científico, na qual pudesse ser definida e explicada. Assim, as conclusões obtidas acerca do Mesmerismo não tiveram como intenção inaugurar um novo campo de estudo e pesquisa, e sim desqualificar a proposta de Mesmer.

“Em suma, é possível também conceber que a condenação do magnetismo animal não consistiu necessariamente em um passo de progresso no sentido de que um sistema de ideias pouco racional cedeu lugar a outro mais coerente com o projeto de ciência da época. O fato de que um julgamento assentado em bases tão frágeis possuiu um impacto tão profundo e marcante, a ponto de excluir ou deturpar os acontecimentos históricos, não consistiu em um passo de progresso metodológico ou de desenvolvimento da racionalidade, mas em um jogo de poder no qual o sistema mais coerente com as normas sociais e os pressupostos epistemológicas dominantes saiu vitorioso.” (NEUBERN, 2007, p.354)

ReferênciasEditar

  1. KARDEC, Allan. Revista Espírita - Jornal de Estudos Psicológicos. Ed. FEB. Ano I. 1858.
  2. CÂMARA, Fernando Portela. Pré-história da psicoterapia brasileira: a chegada do magnetismo animal no Brasil, 1823-1887. Debates em Psiquiatria, v. 3, n. 3, p. 34–38. 2013.
  3. DARNTON, Robert. O Lado Oculto da Revolução: Mesmer e o Final do Iluminismo na França. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
  4. ELLENBERGER, Henri. The Discovery of the Unconscious. New York: Basic Books, 1970.
  5. FIGUEIREDO, Paulo Henrique. Mesmer, a Ciência negada e os textos escondidos. Ed. Lachâtre, 2005.
  6. LYNN, Steven Jay; LILIENFELD, Scott. A critique of the Franklin Commission Report: hypnosis, belief, and suggestion. The International journal of clinical and experimental hypnosis, v. 50, n. 4, p. 369–386. 2002.
  7. MESMER, Franz Anton. Mémoire sur la Découverte du Magnéstisme Animal. Geneve/ Paris: A. Geneve, 1779.
  8. MORAIS, Cristiano Ramos. Franz Anton Mesmer (1734-1815): O mesmerismo e sua avaliação pelas comissões reais na França do século XVIII. 2022.
  9. NEUBERN, Maurício da Silva. Reflexões sobre o Magnetismo Animal: Contribuições para a Revisão da Psicologia. Estudos De Psicologia, v. 25, n. 3, p. 439-448. 2008.
  10. NEUBERN, Maurício da Silva. Sobre a Condenação do Magnetismo Animal: Revisitando a História da Psicologia. Psicologia: Teoria e Pesquisa. v. 23, n. 3, p. 347-356. 2007.
  11. SANTOS, Maria Siqueira. Elementos alquímicos na teoria magnética de F. A. Mesmer. In: 13 Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia. São Paulo. Anais do 12 Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia. São Paulo: EACH/USP, v.1. p.1-15. 2012.

AutoriaEditar

Verbete criado originalmente por Emanuelle Mesquita Alves da Fonseca e Joyce Filhuzzi Macabú, como exigência parcial para a disciplina História da Psicologia da UFF de Rio das Ostras. Criado em 2024.1, publicado em 2024.1.