Franco Basaglia nasceu em Veneza, no dia 11 de março de 1924. Foi um psiquiatra renomado, conhecido principalmente por seu trabalho pela reforma do chamado sistema de saúde mental italiano, tendo influenciado a promulgação da Lei 180 (Lei Basaglia), que implementou o fechamento de todos os hospitais psiquiátricos no país. Faleceu também em Veneza, em 30 de agosto de 1980, aos 56 anos.
BiografiaEditar
Nascido em Veneza, em 11 de março de 1924, Franco Basaglia fazia parte de uma família rica que era reconhecida pelo Estado fascista, dominante naquela época. Passou boa parte de sua infância no bairro de San Polo e, ao concluir seus estudos regulares, entrou, no ano de 1943, na Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Pádua. Durante o período da faculdade, Basaglia teve contato com pessoas do movimento antifascista e, logo depois, passou a fazer parte de um grupo de resistência. Um dos integrantes traiu e delatou os companheiros, o que acarretou na sua prisão, ficando detido por seis meses.
Em 1949, Basaglia concluiu sua graduação e dedicou-se a aprofundar seus estudos na área de psiquiatria e filosofia, recebendo sua especialização em doenças nervosas e mentais no ano de 1952. No ano seguinte, casou-se com Franca Ongaro (1928-2005), com quem teve dois filhos e estabeleceu uma relação intelectual admirável, sendo Ongaro co-autora de diversos livros em conjunto com Basaglia. Durante este período, ele trabalhou como auxiliar de Giovanni Battista Belloni (1896-1975) no Hospital Universitário de Pádua, função que se estendeu até 1961.
Em 1958, ele se tornou docente em psiquiatria. Ao longo de sua vida acadêmica, produziu vários trabalhos escritos, publicações científicas e participou de muitas conferências e congressos que abordavam o tema dos transtornos mentais, falando sobre as situações que presenciou durante sua prática profissional, obtendo relatos ainda mais embasados e significativos. Nesse intervalo de tempo, Basaglia se aproxima ainda mais da filosofia, da fenomenologia e do existencialismo, estudando autores como Jean-Paul Sartre, Eugène Minkowski, Erwin Straus, entre outros. O contato com o assunto fez Franco se distanciar do modelo clínico que aprendera na Universidade de Pádua.
A partir disso, ele começa a ter um olhar mais crítico para a situação que a Itália estava vivendo, na qual, sob sua perspectiva, era notório o atraso da psiquiatria em relação a outros países como França, Reino Unido, Alemanha e Estados Unidos. Na década de 1960, o país ainda contava com cerca de mil pessoas internadas em manicômios. As universidades italianas possuíam uma prática psiquiátrica em que era valorizada a respeitabilidade científica, a terapia e os pacientes, realidade contrastante com o sistema manicomial, em que os pacientes eram desumanizados, sofrendo segregação e descaso médico. Com os conhecimentos fenomenológicos adquiridos, Basaglia passa a questionar o tratamento estabelecido nos manicômios e propõe uma visão menos sintomatológica dos pacientes, aproximando-se da antropologia.
Em 1961, foi aprovado em um concurso e assumiu a gestão do hospital psiquiátrico de Gorizia, evento que marcou sua primeira entrada em um manicômio. Na sua experiência, começou a convidar outros psiquiatras para trabalhar junto com ele, formando uma equipe que foi humanizando mais aquele local. As características da comunidade de Basaglia disseminaram no hospital inteiro, nos anos de 1967 a 1968. Em 1972, por questões administrativas, Basaglia, teve que deixar o hospital, encerrando assim aquela experiência. O principal objetivo dele era tornar a vida dos pacientes, médicos e enfermeiros melhor e devolver a identidade que foi tirada delas brutalmente, uma verdadeira busca pela humanização do manicômio.
Basaglia passou um tempo nos Estados Unidos como visitante no Maimonides Hospital do Brooklyn. Em 1970, aceitou dirigir o hospital psiquiátrico de Colorno, localizado em Parma, mas ficou por apenas 10 meses em virtude da oposição de Mario Tommasini, adepto do regime comunista. Em 1971, foi convidado para dirigir o hospital psiquiátrico San Giovanni, na província de Trieste, iniciando de fato a transformação e superação do sistema manicomial. Lá, o psiquiatra buscou restabelecer os vínculos que os pacientes possuíam com a cidade, buscando reaver memórias afetivas e significativas das experiências que vivenciaram antes da internação. Basaglia convidou muitos médicos jovens, artistas e voluntários de variados países para participar do processo e, pouco tempo depois, suas ideias se difundiram para as demais regiões da Itália, consolidando a impugnação aos manicômios. Os primeiros centros comunitários de saúde mental foram abertos em 1975, alcançando reconhecimento internacional pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e pela Cooperativa dos Trabalhadores Unidos.
No dia 13 de maio de 1978, houve a aprovação da Lei 180, comumente conhecida como Lei Basaglia. A lei foi um marco na história da psiquiatria italiana, desativando permanentemente todos os manicômios ativos e proibindo a abertura de novos. O reconhecimento do espaço manicomial enquanto um lugar de sofrimento psíquico, que agia de forma violenta e intervencionista, fez com que os pacientes passassem a possuir direitos, recuperando a dignidade, além de colaborar com a diminuição dos estigmas acerca das doenças mentais. A Lei 180 foi incorporada na Lei da Reforma do Serviço Nacional de Saúde e, apesar de carregar informalmente o nome de Basaglia, a elaboração da legislação não foi uma reprodução fiel do pensamento do psiquiatra. No ano de 1979, Basaglia aceitou o convite do governo da Região de Lazio, assumindo a coordenação dos serviços de saúde mental, e, apesar de seu grande reconhecimento na Itália e no exterior, os desafios a serem enfrentados eram grandes, já que os partidos conservadores da direita levantaram calúnias em oposição à lei 180.
Ainda em 1979, Basaglia foi convidado para ir ao Brasil para participar de cerca de 14 conferências nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, a fim de compartilhar suas experiências, visitando manicômios e denunciando a violência que ocorria naqueles locais. Sua passagem pelo Brasil ficou registrada no livro “Conferenze brasiliane”. Fortalecendo o pensamento de Nicácio, Paulo Amarante e Barros, que tinham o projeto de reforma das instituições psiquiátricas brasileiras.
Em 15 de maio de 1980, estava em Berlim na sala magna da Freie Universität depois de terminar sua conferência, quando sentiu uma dor severa na cabeça. Foi o primeiro sintoma de um tumor cerebral em estágio muito avançado que, em poucos meses, o levou à morte no dia 29 de agosto de 1980, na sua casa em Veneza.
Atualmente, está em atividade a Fundação Franca e Franco Basaglia, que busca manter vivo o conhecimento e as ideias elaboradas por Franco Basaglia e Franca Ongaro Basaglia, promovendo pesquisas, conferências e cursos de formação acerca da produção teórica do casal. Além disso, catalogaram e disponibilizaram gratuitamente um arquivo histórico com documentos, fotos e dossiês. A Fundação tem sede em Veneza, na Ilha de San Servolo, em um espaço que abrigou um dos hospitais psiquiátricos que existiam na cidade.
TeoriaEditar
Franco Basaglia foi o expoente máximo da revolução psiquiátrica italiana, também conhecida como Psiquiatria Democrática. Crítico ao modelo de tratamento manicomial que dominava a Itália até a década de 1960, o psiquiatra propôs um modelo de assistência de saúde mental que valorizasse os indivíduos e suas particularidades, fugindo da objetificação do paciente e sua segregação do convívio social. Com seu árduo trabalho nos hospitais psiquiátricos, Basaglia abriu espaço para a emancipação terapêutica dos indivíduos que sofrem com doenças mentais e, principalmente, apontou os problemas de ordem social e política implícitos no sistema manicomial.
“Se é verdade que a política não cura os doentes mentais, paradoxalmente pode-se dizer que as pessoas adoecem com uma definição que tem um caráter político preciso, no sentido de que a definição de doença serve, neste caso, para manter intactos os valores da norma postos em discussão” (BASAGLIA, 2005, p. 202).
CríticasEditar
As críticas recebidas estão relacionadas ao movimento “anti-psiquiátrico” e ao fechamento dos manicômios. Como exemplo de tais críticas, os psiquiatras Martin Roth e Jerome Kroll escreveram um livro chamado “The reality of mental illness”, que argumenta que Basaglia seria um “marxista” e sua perspectiva sobre a questão dos transtornos mentais seria “ideológica e ingênua”. Através de tais críticas, Roth e Kroll acusaram Basaglia de “explorar pacientes” como objetos em uma luta ideológica, na qual ele teria colocado tais pacientes nas ruas por questões meramente políticas, e que a Lei 180 era nada mais do que desastrosa em termos humanos e sociais.
Cronologia biográficaEditar
1924: Nascimento em Veneza, Itália, no dia 11 de março.
1943 a 1949: Cursou Medicina na Universidade de Pádua, focando seus estudos posteriores nas áreas de Psiquiatria e Filosofia.
1949 a 1961: Trabalhou como assistente do ilustre professor Giambattista Belloni.
1952 a 1958: Especialização e doutorado na área de “Doenças mentais e nervosas”.
1853: Casamento com Franca Ongaro.
1961 a 1968: Foi diretor do manicômio da cidade de Gorizia.
1970 a 1971: Foi diretor de um grande manicômio, na cidade de Colorno.
1971 a 1979: Foi diretor do manicômio de Trieste.
1980: Faleceu no dia 30 de agosto, com apenas 56 anos.
Quem influenciouEditar
Foi influenciado por Ludwig Binswanger, Frantz Fanon, Eugène Minkowski, Erwin Straus e Sigmund Freud no plano terapêutico. No campo filosófico, sofreu influências de Edmund Husserl, Karl Jaspers, Martin Heidegger, Maurice Merleau-Ponty e Jean-Paul Sartre (o qual encontrou algumas vezes pessoalmente). Na esfera da psiquiatria, Maxwell Jones foi um dos principais influenciadores. Basaglia também fez trabalhos em conjunto com Michel Foucault, Erving Goffman, Ronald Laing, Noam Chomsky e Robert Castel, por quem foi influenciado e igualmente influenciou. Ele influenciou Nicácio, Paulo Amarante e Barros quando veio ao Brasil.
ObrasEditar
Bibliografia selecionadoEditar
Após a morte de Franco Basaglia, sua esposa Franca Ongaro Basaglia reuniu a produção teórica de seu falecido marido em dois livros, "Scritti I: 1953-1980" (1981) e "Scritti II:1953-1980" (1982). Deste modo, as duas obras compilam todos os escritos feitos pelo psiquiatra de 1953 a 1980, permitindo conhecer o pensamento de Basaglia de maneira integral.
Outra obra que merece destaque é "A instituição negada: relato de um hospital psiquiátrico" (1968), em que Basaglia conta sua experiência nas instituições psiquiátricas e aponta as problemáticas existentes no sistema manicomial. O livro explicitou a violência e desumanização dos pacientes, sugerindo uma "despsiquiatrização" do tratamento de doenças mentais, sendo um grande escândalo para a época de sua publicação.
A bibliografia completa de Franco Basaglia pode ser acessada no site da Fundação Franca e Franco Basaglia.
Ver tambémEditar
ReferênciasEditar
- ARMOCIDA, Giuseppe; ZANOBIO, Bruno. BASAGLIA, Franco. Dizionario Biografico degli Italiani, v.34, 1988.
- BASAGLIA, F. Escritos selecionados em saúde mental e reforma psiquiátrica. Paulo Amarante (org.); Joana Angélica d’Ávila Melo (trad.). Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
- COLUCCI, Mario; VITTORIO, Pierangelo Di. Franco Basaglia. Edizioni Bruno Mondadori, Milano, 2001, p. 1-7.
- Fondazione Franca e Franco Basaglia, 2021.
- LAKI, Ana Carolina. A reforma psiquiátrica brasileira e italiana: um relato de experiência. Campinas, 2017.
- Locos en la calle. CIENCIA Y DESARROLLO, s/d.
- MOLARO, Aurelio. Franco Basaglia. Aspi Archivio storico della psicologia italiana, 2020.
- SERAPIONI, Mauro. Franco Basaglia: biografia de um revolucionário. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, Rio de Janeiro, v.26, 2019, p.1169- 1187.
Links externosEditar
AutoriaEditar
Verbete criado inicialmente por Alice Vasconcelos, Ana Cecília, Ariel Mendes e Milena de Sousa, como exigência parcial para a disciplina de História da Psicologia. Criado em 2021.2, publicado em 2021.2.