Manoel José do Bomfim, natural de Sergipe, nasceu em 8 de agosto de 1868 e foi um médico, psicólogo, educador e importante intelectual brasileiro. Considerado um pioneiro na construção de um pensamento verdadeiramente brasileiro, Bomfim destacou-se em sua contemporaneidade com seus livros e teorias acerca da formação socioeconômica brasileira de caráter decolonial latino-americano e por sua defesa de uma educação libertária, pois esses ideais iam totalmente contra as ideias dominantes da época. No ano de 1932, se encerra sua carreira aos 63 anos, com seu falecimento, na cidade do Rio de Janeiro. Apesar de suas análises à frente de seu tempo que permanecem atuais, Bomfim caiu lentamente no esquecimento do debate educacional brasileiro e suas obras perderam relevância no país.

BiografiaEditar

Primeiros anos e início da carreiraEditar

Manoel José do Bomfim nasceu no dia 8 de agosto de 1868, no município de Aracaju, em Sergipe. Foi o sexto dentre os treze filhos do casal Maria Joaquina do Bomfim e Paulino José do Bomfim. Sua mãe era filha de comerciantes portugueses. Já seu pai era um vaqueiro que, posteriormente, se tornou sucedido no ramo comercial e foi dono de um engenho de açúcar.

Em 1886 Manoel ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia. Neste período, tornou-se amigo de Alcindo Guanabara (1865-1918), uma figura importante para o jornalismo carioca. Em 1888, migrou para o Rio de Janeiro, onde concluiu os estudos de medicina dois anos depois. Logo após obter o diploma, tornou-se médico da Secretaria de Polícia do Rio de Janeiro, o que possibilitou o acompanhamento na expedição ao Rio Doce à procura de remanescentes dos índios botocudos e foi designado a tenente-cirurgião da Brigada Policial. Além disso, casou-se com uma jovem portuguesa, Natividade Aurora de Oliveira (1874), a qual foi criada por Hermenegildo de Barros, um jurista brasileiro. O casal teve dois filhos, Maria e Aníbal.

Em 1893 mudou-se para o interior de São Paulo, na cidade de Mococa, onde vivia um de seus irmãos, José. O motivo para a mudança foi a perseguição política ocorrida na época no Rio de Janeiro. Bomfim possuía posições políticas antimilitaristas e ia contra a permanência do presidente da República Floriano Peixoto (1839-1895) no poder.

CarreiraEditar

Em 1894, aos 1 ano e 10 meses de idade, Maria, filha de Bomfim, morreu durante a epidemia de tifo. Além disso, o pai de Bomfim também faleceu no mesmo ano. Retornou ao Rio de Janeiro e decidiu abandonar a medicina, abalado após a morte da filha. Foi demitido da Secretaria de Polícia e resolveu se dedicar ao ramo do jornalismo. Publicou artigos nos jornais Correio do Povo e O Republicano. Além disso, participava da Roda boêmia de Coelho Neto (1864-1934), um espaço formado por intelectuais das letras e do jornalismo.

Foi nomeado diretor do Pedagogium, uma instituição que administrava as questões pedagógicas brasileiras e que buscava reformas na educação pública. Permaneceu no cargo de 1896 a 1905 e de 1911 a 1919. Foi durante essa época que Bomfim fortaleceu o seu pensamento em relação a relevância da luta a favor das melhorias para a educação do Brasil e a democratização educacional no país. Em 1898, começou a lecionar Moral e Cívica, Pedagogia e Português na Escola Normal.

Em 1902 Bomfim foi para a França, em Paris, estudar Psicologia. Durante os estudos, foi aluno de Alfred Binet e Georges Dumas. Sua experiência na Europa contribuiu para que ele instalasse o primeiro laboratório de Psicologia Experimental do Brasil, aos moldes de Binet.

Bomfim se envolveu nos aspectos políticos de Sergipe, de forma que se tornou deputado federal. Com o alcance político e intelectual, ele conseguiu expor ideias relativas à educação e produção de material didático para o ensino infantil. Além disso, começou a lecionar Psicologia Aplicada e Educação na Escola Normal e contribuiu para a implantação de testes de inteligência no ensino primário. Em geral, durante toda a sua trajetória, Bomfim dedicou-se à produção de escritos direcionados a medicina, psicologia, sociologia, zoologia, educação, história do Brasil e da América Latina.

Fim da vidaEditar

Em 1932, no dia 19 de abril, Bomfim faleceu, acometido por um câncer na próstata enquanto residia no Rio de Janeiro.

CuriosidadesEditar

Em 1904, auxiliou na fundação da Universidade Popular de Ensino Livre (Upel), juntamente de Elysio de Carvalho, José Veríssimo, Rocha Pombo e outros pensadores da época. A instituição visava oferecer além do curso superior, outros meios públicos de acesso à instrução para os trabalhadores, como museu e biblioteca sociais. Entretanto, teve efêmera duração, sendo fechada no mesmo ano que foi aberta, devido a dificuldades financeiras.

O intelectual participou da Liga Brasileira de Higiene Mental, fundada no Rio de Janeiro no ano de 1920. A liga tinha como objetivo integrar a problemática da saúde mental no sistema educacional, utilizando-o como meio para difundir caminhos que permitissem sanar corpo e mente simultaneamente.

A LBHM propôs como alternativas de cuidado à saúde mental a educação física, educação sanitária que incentiva hábitos higiênicos nos meios de convivência, tais quais a rua, o lar, a escola e o trabalho. Enfatizava também a necessidade de serviços de saúde pública.

Suas participações marcantes na Liga foram nos anos de 1925, no qual Bomfim participou da Seção de Deficiência Mental, organizada pela Liga, e em 1925, dessa vez participando da Seção de Psicologia Aplicada e Psychanalyse.

ContribuiçõesEditar

Com influência de seus estudos na Europa com Alfred Binet, um dos criadores da pedagogia experimental, Bomfim fundou o Laboratório de Psicologia Experimental no Pedagogium, em 1906.

Sua criação está inserida num contexto de fortalecimento do cientificismo no início século XX que causou a difusão da pedagogia experimental por todo o mundo. Essa buscava solucionar com suas pesquisas problemas do ensino, seguindo as leis das ciências naturais, de modo que a escola se tornasse um ponto de partida para a organização social. Logo, a função do laboratório era realizar estudos que pudessem ser aplicáveis à pedagogia, elaborando métodos práticos que fossem capazes de avaliar objetivamente fatores como aprendizagem, inteligência, aptidões, entre outros.

O pensador frustra-se com resultados obtidos no laboratório, e recusa as práticas e visões que enxergavam o funcionamento da sociedade, como mecânico, semelhante a outros organismos biológicos. Em seu livro Pensar e Dizer, Bomfim constata que há uma crise da “psicologia de laboratório” entre seus adeptos da época. Tem-se registros do intelectual atuando no laboratório por 12 anos.

O laboratório caracterizou-se como um marco por ter sido o primeiro no Brasil e ter ajudado a impulsionar a profissionalização da Psicologia no país.

TeoriasEditar

PsicologiaEditar

A abordagem psicológica de Bomfim não foi muito difundida e não é extensa, além de que os conceitos propostos pelo autor não foram concretos, não havendo uma especificidade do seu campo estudado.

Manoel Bomfim analisa dois aspectos das relações humanas: o pensamento e a linguagem. Segundo ele, a criação de símbolos, ou seja, conceitos minimizados, serve para representar ideias comuns no meio social. Esses símbolos passam pelos processos de apreensão do que seria o objeto a que se refere e pelo processo de generalização, que parte da capacidade de incluir a noção do objeto a qualquer situação precisa. Bomfim retrata que os símbolos proporcionam um encontro entre consciências, de forma que mesmo que a linguagem seja internalizada individualmente, ela é efetuada durante a comunicação social. Nesse sentido, Bomfim define a psicologia humana como resultado do viver em sociedade, por intermédio das experiências individuais.

Diante disso, Bomfim divulgou uma reflexão da psicologia sobre os moldes sociais, diferente de seus contemporâneos, que retrataram discussões individualistas.

Identidade nacional e antirracismoEditar

Bomfim revela um discurso antirracista contra o pensamento dominante da época. Ele explica os problemas da América Latina pautados no regime exploratório de metrópoles e colônias. Dessa forma, ele critica o processo de colonização dos europeus sobre os sul-americanos colonizados e enfatiza sua oposição diante das teorias que afirmavam sobre inferioridade biológica de raça dos povos dominados. Ele trata a hierarquia de raças como uma ideia em voga para justificar o domínio dos fortes sobre os mais fracos. O autor combate veemente o racismo, o positivismo e o evolucionismo. Além disso, Manoel Bomfim foi contra a posição imperialista dos Estados Unidos.

Educação libertáriaEditar

O intelectual foi um pensador social, logo, isso influenciou sua abordagem nas questões educacionais e pedagógicas do país, dando extrema importância para a educação pública em seus ideais. Como um ponto principal de sua visão era a defesa do decolonialismo do pensamento brasileiro, ele acreditava que os métodos educacionais deveriam buscar se desvencilhar da episteme eurocêntrica, visto que a ação de uma população instruída seria um meio reformador fundamental das falhas nas estruturas sociais geradas por, em suas palavras, “parasitismo” das metrópoles.

Para ele, essa instrução em massa é necessária, pois o avanço intelectual e científico fundamentado na visão decolonial, entendendo a construção social da nação, permitiria um claro entendimento dos problemas estruturais da sociedade e com isso, seu povo conseguiria encontrar soluções originais e mais adequadas para os mesmos. Bomfim defende que não seria possível um povo ignorante construir por si só um conhecimento sofisticado que levaria ao progresso, porque o meio só pode ser elevado quando todas as suas partes, ou seja, os indivíduos, forem melhoradas.

Portanto, em sua visão, a educação deve exercer um papel principal para a libertação dos povos dominados, de forma que a instrução popular seria o caminho para a mudança social. Ele aborda um desconforto diante da falta de interesse das autoridades estatais brasileiras em priorizar a educação para toda a população, principalmente o desconhecimento sobre a instrução primária nas escolas.

CríticasEditar

Em 1905, Bomfim publicou um ensaio chamado “A América Latina: males de origem”, o qual apresentava explicações acerca do subdesenvolvimento brasileiro, e também dos outros países pertencentes à América Latina. De acordo com o autor, ao atraso socioeconômico das nações latinas deriva, em suas palavras, do parasitismo da metrópole sob as colônias. Esta visão contida na obra culminou uma reação colérica do autor sergipano Sílvio Romero, pois este acreditava que as falhas no desenvolvimento do Brasil provinham do fato de que o país era miscigenado e que apenas o “embranquecimento” da população permitiria o progresso. Tendo em vista a total discordância entre as teorias, o conterrâneo fez duras críticas à visão de Bomfim, alegando principalmente que o pensador não realizava estudos imparciais. Este embate resultou em 25 artigos publicados nos jornais da época.

Devido às repercussões, esse livro é considerado o mais polêmico da carreira de Manoel.

Cronologia biográficaEditar

1868 – Nascimento de Manoel José do Bomfim, em 8 de Agosto, em Aracaju, Sergipe.

1886 – Bomfim inicia os estudos na Faculdade de Medicina da Bahia.

1888 – Viaja para o Rio de Janeiro, onde transfere os estudos para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

1890 – Conclui a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

1891 – Torna-se médico da Secretaria de Polícia do Rio de Janeiro.

1892 – Os primeiros artigos de Bomfim são publicados na imprensa. É designado tenente-cirurgião da Brigada Policial.

1894 – Falecimento de Maria, filha de Bomfim.

1897 – Assume o cargo de diretor do Pedagogium. Começa a lecionar na Escola Normal.

1902 – Estuda psicologia na França.

1905 – Publica o livro “A América Latina, males de origem”.

1906 – Implementa no Pedagogium o primeiro laboratório de Psicologia Experimental do Brasil.

1907 – Entra para o cargo de deputado federal de Sergipe.

1911 – Retorna ao cargo de diretor do Pedagogium.

1916 – Leciona psicologia aplicada e educação na Escola Normal. O livro “Noções de psychologia” é publicado.

1924 – Contribui para a instituição dos testes de inteligência nos anos iniciais de ensino.

1926 – Publica o livro “O Método dos Testes”.

1932 – Morre no dia 19 de abril

Quem influenciouEditar

As ideias de Bomfim que pautam da análise sobre o Brasil e os prejuízos da colonização contribuíram para as obras de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Darcy Ribeiro, Caio Prado Junior, Nelson Werneck Sodré, Raymundo Faoro, Josué de Castro, Roberto Simonsen e Florestan Fernandes. Além disso, o escritor José Antonio Azevedo Amaral é considerado o principal autor influenciado por Bomfim, de forma que o pensamento de Manoel é analisado em diferentes temas apresentados por Amaral.

ObrasEditar

BOMFIM, Manoel. Compêndio de zoologia geral. Rio de Janeiro/Paris: Garnier, 1902.

BOMFIM, Manoel. O fato psíquico. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1904. BOMFIM, Manoel. América Latina: males de origem. Rio de Janeiro/Paris: Garnier, 1905

BOMFIM, Manoel. Lições de Pedagogia: teoria e prática da educação. Rio de Janeiro: Livro escolar, 1915.

BOMFIM, Manoel. Noções de Psicologia. Rio de Janeiro: Sociedade de Publicações e Livros Escolares, 1916.

BOMFIM, Manoel. Crianças e Homens. Rio de Janeiro: Casa Electros, 1922. BOMFIM, Manoel. Lições e Leituras: livro do mestre. Rio de Janeiro: Casa Electros, 1922.

BOMFIM, Manoel. Lições e Leituras para o primeiro ano. Rio de Janeiro: Casa Electros, 1922.

BOMFIM, Manoel. Pensar e dizer: estudo do símbolo no pensamento e na

linguagem. Rio de Janeiro: Casa Electros, 1923.

BOMFIM, Manoel. O Brasil na América: caracterização da formação brasileira. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1929.

BOMFIM, Manoel. O Brasil na História. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1930.

BOMFIM, Manoel. O Brasil Nação. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1931. BOMFIM, Manoel. Cultura e Educação do povo brasileiro. Rio de Janeiro: Pongetti, 1932.

Produções ColetivasEditar

BOMFIM, Manoel; BILAC, Olavo. Livro de composição para o curso complementar das escolas primárias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1899.

BOMFIM, Manoel; BILAC, Olavo. Livro de leitura para o curso complementar das escolas primárias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1901.

BOMFIM, Manoel; BILAC, Olavo. Através do Brasil. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1910.

BOMFIM, Manoel; FONTES, Ofélia; FONTES, Narbal. O método dos testes. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1926.

Relações com outros personagensEditar

Manoel José do Bomfim foi aluno de Alfred Binet e Georges Dumas ao estudar psicologia na França. Durante esse período, Bomfim também teve contato com Piaget.

O uruguaio José Enrique Rodó e o cubano José Martí foram escritores que também tiveram relação com Bomfim por abordarem na mesma época as problemáticas da América Latina e da colonização.

Além disso, Silvio Romero aparece como contestador das obras de Bomfim, atribuindo diversas críticas a sua obra.

Por fim, Olavo Bilac e Manoel Bomfim desenvolveram uma relação de amizade e produziram materiais relevantes dos campos da pedagogia e da literatura juntos.

Boletim do Portal História da PsicologiaEditar

Este verbete está publicado também no Boletim do Portal História da Psicologia 2, e pode ser acessado aqui

ReferênciasEditar

COSTA, Breno Augusto da; MARTINS Adriano Euripedes Medeiros. Manoel Bomfim: autêntico pensador latino-americano. Revista Brasileira de Educação [online], v. 24, 2019.

GONTIJO, Rebeca. Manoel Bomfim. 1. ed. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.

MACHADO, C. J. dos S.; BARBOSA, D. de S. O pensamento educacional de Manoel Bomfim a partir da obra América Latina: males de origem (1905). Educação e Formação, [S. l.], v. 1, n. 1, p. 159–171, 2016.

NEGROMONTE, Fátima Bezerra; SOBRAL, Maria Neide. Uma breve arqueologia sobre o sergipano Manoel Bomfim. Revista do IHGSE, Aracaju, v. 1, n. 49, p. 23-40, set./2019.

OLIVEIRA, Lucia Lippi. Manuel Bomfim: Autor esquecido ou fora do tempo?.

Sociologia & Antropologia [online], v. 5, n. 3, pp. 771-797, 2015.

PAIVA, J. Um remédio para a América Latina: notas sobre a educação no pensamento de Manuel Bomfim. Revista Inter-Legere, [S. l.], n. 4, 2013.

PORTUGAL, Francisco Teixeira. Psicologia e história no pensamento social de Manoel Bomfim. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, n. 2, p.596-612, 2010.

SILVA, A. L. D. Por outra universidade: um projeto de educação popular na perspectiva de Rocha Pombo. Revista Teias, Rio de Janeiro, v. 15, n. 35, p. 163-172, 2014.

AutoriaEditar

Verbete criado inicialmente por Isadora Melquiades Santos Costa e Júlia Fernandes da Silva como exigência parcial para a disciplina de História da Psicologia da UFF de Rio das Ostras. Criado em 2022.1, publicado em 2022.1