IntroduçãoEditar

A Psicologia cognitiva é a investigação científica da cognição, isto é, a investigação de todas as habilidades mentais: percepção, atenção, aprendizagem, memória, processamento da fala e da linguagem escrita, pensamento, raciocínio e formação de crença (COLTHEART, 2002). Isso assume que a cognição pode, pelo menos a princípio, ser totalmente revelada por um método científico, ou seja, componentes individuais dos processos mentais podem ser identificados e compreendidos. Estes componentes individuais da mente são módulos mentais, e assim, a psicologia cognitiva contemporânea assume frequentemente a modularidade da mente (FODOR, 1983)

Sendo assim, qualquer teoria sobre qualquer domínio da cognição será uma teoria sobre (a) o que são os módulos do sistema pela qual a performance é realizada em determinado domínio, e (b) quais são os caminhos de comunicação entre esses módulos do sistema, ou seja, uma teoria sobre a arquitetura funcional do sistema. A maioria dos psicólogos cognitivos procuram desenvolver e testar essas teorias através de experimentos com pessoas que dominam o domínio cognitivo, mas também é possível aprender sobre os sistemas cognitivos estudando como podem ser danificados após um dano cerebral: abordagem conhecida como neuropsicologia cognitiva. A neuropsicologia cognitiva é um subcampo da psicologia cognitiva distinguida por estudar pessoas com desordem de percepção, atenção, aprendizagem, memória, processamento da fala e da linguagem escrita, pensamento, raciocínio e formação de crença, com o objetivo de aprender mais sobre as arquiteturas funcionais normais dos sistemas de processamento cognitivo usados para a realização dessas atividades.

Por isso, por mais que seja normal para neuropsicólogos cognitivos estudarem pessoas com dano cerebral, eles não estudam os mecanismos cerebrais associados aos processos cognitivos: esse estudo é da neurociência cognitiva. Neuropsicólogos cognitivos estudam a mente ao invés do cérebro (e é por isso que a neuropsicologia cognitiva é um subcampo da psicologia cognitiva, assim como a neurociência cognitiva - que estuda o cérebro - é um subcampo da neurociência).

Esta nítida distinção entre estudar a mente (cognição) e estudar o cérebro, é incitada por vários filósofos da mente e psicólogos cognitivos, incluindo Block (1995), Fodor (1999), Marshall (veja, por exemplo, Marshall e Gurd, 1996), Morton (1984), Page (2006), Pylyshyn (1980), e Van Orden e Paap (1997), os quais todos eles defendem que fatos sobre o cérebro não restringem a construção de teorias da cognição que são expressadas em termos funcionais ou em processamento de informação, mesmo que essas teorias tenham sido construídas através do estudo da performance de pessoas com deficiências cognitivas devido a um dano cerebral (que é o que neuropsicólogos fazem por definição).

Claramente, cientistas que estudam a cognição querem fazer mais do que construir teorias sobre mecanismos expressados em termos funcionais e de processamento de informação. Eles também devem querer descobrir sobre as bases neurais desses mecanismos de processamento de informação da cognição (que é o que neurocientistas cognitivos fazem, pela minha definição). Pois, assim como os autores citados acima defendem, é possível fazer neuropsicologia cognitiva com sucesso sem precisar estudar as bases neurais da cognição. A distinção entre neuropsicologia cognitiva e neurociência cognitiva é valiosa, mesmo que muitos pesquisadores interessados nesses problemas façam ambos os trabalhos. A importância dessa distinção é reforçada pelo fato de que entre aqueles que acreditam que o conhecimento sobre o cérebro não se restringe a teorização do processamento de informação sobre a cognição são um dos mais renomados praticantes da neuropsicologia cognitiva - John Marshall e John Morton, por exemplo.

A distinção que estou delineando aqui entre neuropsicologia cognitiva e neurociência cognitiva é muito bem expressada por Scachter (1992, p. 56). Referente a neuropsicologia cognitiva, ele diz: “O termo neuropsicologia cognitiva frequentemente conota uma abordagem puramente funcional para pacientes com déficits cognitivos que não fazem uso de, ou incentivam o interesse em, evidências e ideias sobre sistemas e processos cerebrais”. Mas por Schacter ser um neurocientista cognitivo e também um neuropsicólogo cognitivo, ele continua: “porque acredito que restrições neurais podem ser importantes para a teorização da cognição, eu uso o termo neurociência cognitiva ao invés de neuropsicologia cognitiva”.

É claro que, se restrições neurais podem ou não serem importantes para a teorização da cognição, é uma questão de grande controvérsia: para alguns recentes pontos de vista dessa questão, o leitor pode se encaminhar para um simpósio na revista Cortex (veja Coltheart, 2006a, e os comentários nesse artigo alvo).

Quando uma pessoa atinge completamente a habilidade em determinado domínio cognitivo mas depois perde alguma parte ou toda essa habilidade devido a um dano cerebral, é chamado de desordem cognitiva adquirida. Algumas pessoas, entretanto, podem nunca ter conseguido atingir completamente essa habilidade em determinado domínio cognitivo: isso é chamado de desordem do desenvolvimento cognitivo. Neuropsicólogos do desenvolvimento cognitivo são aqueles que investigam desordens do desenvolvimento cognitivo com o objetivo de tentar entender mais sobre como habilidades particulares da cognição são normalmente adquiridas através do estudo de pessoas em que essa aquisição não procede normalmente.

Por volta de 15 anos atrás, os domínios da cognição que neuropsicólogos cognitivos tinham conhecimento eram aspectos da cognição básicos, bem entendidos e aprofundadamente investigados como a percepção, atenção, aprendizagem, memória e processamento de fala e linguagem escrita. Porém, a psicologia cognitiva também tem se interessado por aspectos mais complexos da cognição (e menos entendidos), como o pensamento, raciocínio e formação de crença, e pessoas que sofrem de desordens cognitivas adquiridas ou do desenvolvimento nos  domínios cognitivos superiores. Por que não, então, usar os estudos sobre essas pessoas para tentar aprender mais sobre esses processos cognitivos de nível  superior? Alguns podem estudar mais sobre como crenças são normalmente adquiridas através do estudos de pessoas com desilusões, outros podem estudar mais sobre sustentar empatia através do estudo de pessoas que parecem faltar de uma Teoria da Mente. Como desordens nesses processos cognitivos de nível superior são tipicamente rotulados como desordens psiquiátricas, esse novo tipo de neuropsicologia cognitiva é conhecida como neuropsiquiatria cognitiva (ELLIS, 1998; COLTHEART, 2007). Mas é crucial ressaltar que assim como neuropsicologia cognitiva, embora tenha esse nome, não é um tipo de neuropsicologia mas sim um subcampo da psicologia cognitiva, é importante ressaltar que neuropsiquiatria cognitiva, embora esse nome, não é um tipo de psiquiatria mas sim um subcampo da psicologia cognitiva.

Um recente avanço na neuropsicologia cognitiva é a neuropsicologia cognitiva computacional (veja por exemplo Coltheart, 2006b), área baseada em modelagem computacional da cognição. Um modelo computacional da cognição é um programa de computador capaz de realizar atividades particulares da cognição como ler em voz alta ou ditar palavras ou reconhecer objetos E que o faz através dos mesmos processos, de acordo com algumas teorias cognitiva-psicológicas, que a cognição humana usa ao performar essas atividades cognitivas. Portanto, o programa é uma representação da teoria, com a alegação de que uma descrição formal de como o programa realiza o trabalho (por exemplo, uma descrição em notação de fluxo de caixa ou notação de sistemas de produção) é também a descrição formal correta de como a mente realiza o trabalho. A neuropsicologia cognitiva computacional envolve danificar o programa de várias formas e estudar se existe alguma informação similar entre o desempenho do programa danificado e o desempenho danificado da pessoa com desordem adquirida no domínio relevante da cognição. Esta é uma maneira rigorosa de testar a teoria cognitiva original. Para obter uma evidência relevante para a teoria, primeiro deve-se implementar explicitamente a teoria num programa de computador, depois, é preciso determinar se os sintomas vistos em vários pacientes com desordem cognitiva relevante podem também ser expressadas no comportamento do programa quando ele for danificado. Uma demonstração de sucesso desse caso é evidência para a teoria, a incapacidade de imitar os sintomas de um paciente ao danificar o programa é uma evidência contra a teoria.

Características da neuropsicologia cognitivaEditar

A modelagem modular e a suposição da subtratividadeEditar

A neuropsicologia cognitiva divide com o resto da psicologia cognitiva o objetivo de descobrir o que são os processos modulares de alguns sistemas cognitivos e quais caminhos de comunicação existem entre eles. Isso requer que a neuropsicologia cognitiva faça a suposição da subtratividade: a suposição de que um dano cerebral pode subtrair módulos, ou caminhos de comunicação entre módulos, do sistema normal, mas não pode adicionar novos módulos e nem novos caminhos. A menos que a suposição da subtratividade se mantenha, não se pode fazer inferências sobre a arquitetura funcional do sistema normal a partir de evidências referentes à arquitetura funcional de um sistema danificado. Para mais discussões sobre suposição da subtratividade, veja Caramazza (1984), Ellis & Young (p. 16-19, 1996) e Coltheart (p. 9-11, 2001).

Inferências sobre dupla dissociaçãoEditar

Um motivo para pesquisas sobre neuropsicologia cognitiva serem perenemente animadoras é porque continua a revelar desordens de seletividade e especificidade marcadas. O paciente KT (McCARTHY; WARRINGTON, 1986) era normal na leitura em voz alta de palavras não pronunciáveis (mesmo que ele nunca as tenha visto antes), mas prejudicado na leitura em voz alta de palavras reais que ele nunca tinha visto antes nos casos em que essas palavras desobedeciam às regras ortográficas do inglês (palavras irregulares ou de exceção). O paciente MH (HUMPHREYS; RUIMIATI, 1998) podia reconhecer visualmente rostos apresentados e palavras impressas, mas não objetos. Paciente AC (COLTHEART. INGLIS et al., 1998) podia dar qualquer informação sobre objetos em que o nome era dito para ele ao ser perguntado, exceto informações visuais, ou seja, ele poderia dizer que ostras são comíveis, habitam no mar, fedem e são silenciosas, mas não pode dar nenhuma informação sobre se elas têm pernas ou não, qual é sua forma geral ou que cor elas têm. Certamente esses resultados nos permite inferir de maneira justificada coisas importantes sobre arquiteturas funcionais dos sistemas cognitivos envolvidos na leitura, reconhecimento de objetos e compreensão?

Sim, desde que certas precauções metodológicas sejam observadas.

Suponha, por exemplo, que nos deparamos com um paciente com derrame, em que o reconhecimento de estímulos em todas as modalidades sensoriais do campo de visão estavam intactos, além disso, ele não estava cego pois descrevia bem propriedades visuais de qualquer estímulo que ele estivesse olhando, porém não reconhecia objetos, faces ou palavras impressas. Não importava quão familiar o estímulo era, tudo parecia desconhecido para ele. Nós poderíamos inferir dessa associação de três estímulos que há um módulo de reconhecimento visual que é usado para reconhecer objetos, faces e palavras impressas, sendo os danos a este módulo a causa dos sintomas do paciente. No entanto, há uma alternativa e uma inferência totalmente lógica: que há três módulos de reconhecimento visual separados, um para cada classe desses estímulos, e que eles são localizados próximos no cérebro, numa região com um único suprimento de sangue onde o derrame afetou. Isso ilustra porque a neuropsicologia cognitiva não considera a observação de uma associação entre deficiências como uma base segura para fazer inferências sobre arquitetura funcional.

Suponha agora, contudo, que nos deparamos com um segundo paciente com derrame em que o reconhecimento de estímulos em todas as modalidades sensoriais do campo de visão estavam intactos, ademais, ele não estava cego pois podia descrever bem as propriedades visuais de qualquer estímulo que ele estivesse vendo, mas não reconhecia objetos mesmo que reconhecesse faces e palavras impressas. Aqui temos, não uma associação, mas uma dissociação de déficits: deficiência no reconhecimento de objetos com o reconhecimento de face e palavras. Não poderíamos inferir dessa dissociação que a arquitetura funcional do sistema de reconhecimento visual inclui um módulo especializado apenas para reconhecer objetos e não utilizado para reconhecer faces ou palavras impressas?

No entanto, essas inferências sobre dissociações também estão abertas a uma objeção direta. Talvez haja um módulo apenas para reconhecimento visual que é usado para reconhecer objetos, faces e palavras impressas, mas objetos são mais difíceis de reconhecer do que faces e palavras impressas. Se assim fosse, e o módulo fosse parcialmente danificado pelo dano cerebral, o módulo ainda poderia ser capaz de realizar tarefas mais fáceis (reconhecimento de face e palavras) enquanto produz um desempenho imperfeito nas tarefas mais difíceis (reconhecimento de objeto). Esse argumento faz com que os dados desse paciente sejam compatíveis com duas propostas diferentes sobre a arquitetura funcional do reconhecimento visual.

Claramente, nenhum neuropsicólogo cognitivo diria que este é um caso indubitável, a partir desta observação da dissociação dupla, e que deve ter módulos de reconhecimento de objetos distintos e de face. Não há métodos na ciência que permitam inferir da teoria dos dados sem que haja dúvidas (ciência, incluindo a neuropsicologia cognitiva, não é assim). Entretanto, inferências sobre dupla dissociação tem a virtude de não terem fraquezas intrínsecas consistentes (menos inferências sobre associações ou uma dissociação), portanto, são inferências perfeitamente razoáveis de se fazer. Além disso, se alguém deseja disputar a arquitetura funcional sobre alguma dupla dissociação inferida por algum teórico, ele precisa propor uma alternativa que também seja compatível com os dados observados da dupla dissociação. Mais discussões sobre método de dupla dissociação podem ser vistos em Shallice (c. 10, 1988),  Jones (1983), Plaut (1995) e a resposta para isso de Bullinaria & Chater (1995), McCloskey (2001), e uma edição especial da revista Cortex (edição 1, volume 39, 2003) voltada para este tópico.

Rejeição da síndrome como um tema da investigação científicaEditar

A figura 1 retrata um modelo bastante básico da arquitetura funcional do sistema de leitura (COLTHEART et al., 2001). Pelo menos no que se refere à leitura de apenas uma palavra, este é um modelo de como reconhecemos escritas e como lemos em voz alta. Cada uma das caixas e flechas no modelo é motivado, no sentido de que se qualquer um deles fosse deletado do sistema, haveria alguma tarefa de leitura em que quem sabe ler conseguiria realizar, mas o sistema não. Então segue-se que, se um dano cerebral afeta algum módulo ou algum caminho no sistema, isso resultaria em alguma forma de desordem de leitura — algum tipo de dislexia adquirida. Qual seria o padrão real do desempenho de leitura intacto e prejudicado variaria em função de quais módulos ou caminhos se mantiveram intactos e qual foi prejudicado. Por o sistema ter 15 componentes (7 módulos e 8 caminhos de comunicação), o número de possíveis síndromes distintintas de dislexia adquirida que poderia resultar de danos a um ou mais componentes deste sistema bastante simples é 215−1=32767 síndromes distintas. É devido a isso que neuropsicólogos cognitivos não estudam síndromes como “apraxia”, “agnosia” ou “afasia”, e nem mesmo sub síndromes como  “apraxia ideomotora”, “agnosia aperceptiva” ou “afasia de Broca”. Em dois pacientes, é provável que um deles veja no decorrer da sua vida exatamente o mesmo padrão de componentes de processamento intactos e prejudicados no seu sistema cognitivo relevante, portanto, não faz sentido agrupar pacientes sob rótulos de síndrome, e estudar síndromes.

Ênfase no estudo de casos individuaisEditar

Cada paciente que a neuropsicologia cognitiva vê provavelmente será diferente um do outro, e é por isso que a neuropsicologia cognitiva é o estudo de casos individuais e não de dados médios de um grupo de pacientes. Sendo assim, como a generalização, elemento indispensável da ciência, pode ser atingida? Ela é atingida porque se assume que todos os pacientes performam alguma versão de dano do mesmo sistema cognitivo. Então, por exemplo, a avaliação neuropsicológica cognitiva do modelo de leitura na figura 1 investiga se esse modelo pode explicar todos os sintomas de leitura observados em cada paciente com dislexia adquirida que aparece. Se um paciente lê de alguma maneira que nunca poderia ser visto no desempenho de qualquer versão danificada do sistema de figura, então os dados desse paciente são evidências contra o modelo.  

Uma breve história da neuropsicologia cognitivaEditar

A neuropsicologia cognitiva começou a florescer na segunda metade do século XIX, inicialmente em relação a desordens na compreensão e produção da linguagem falada (afasia). Neurologistas continentais como Broca (1861), Litchtheim (1873) e Wernicke (1874) estudaram pacientes com afasia e inferiram modelos de processamento de informação do sistema normal do processamento da linguagem a partir dos padrões de desempenhos intactos e prejudicados que eles viram em seus pacientes. Eles até expressaram esses modelos através de fluxogramas de fluxo de caixa de processamento de informação, que é a notação universal na neuropsicologia cognitiva moderna (como na Figura 1). Essa abordagem da neuropsicologia cognitiva também foi aplicada para entender desordens da linguagem escrita, tanto na leitura como na ortografia (BASTIAN, 1869; DEJERINE, 1891), e logo se espalhou para outros domínios cognitivos como o reconhecimento de objetos (LISSAUER, 1890), cálculo (LEWANDOWSKY; STADELMANN, 1908) e muitos outros.

A Neuropsicologia cognitiva ainda florescia no começo do século XX, mas rapidamente perdeu o favor. Isso aconteceu por duas razões, uma tem a ver com a psicologia e a outra com a neurologia.

Referente a psicologia: toda a ideia de que é possível estudar a estrutura e a natureza dos sistemas de processamento de informação da mente — ou seja, a ideia de que é possível uma psicologia cognitiva, foi totalmente atacada por John B Watson em 1913: “a hora parece ter chegado”, ele escreveu, “quando a psicologia não precisa mais se iludir… em pensar que está fazendo dos estados mentais o objeto de observação. Ficamos tão envolvidos em questões especulativas relativas aos elementos da mente… que eu, como um estudante experimental, sinto que alguma coisa está errada com nossas premissas e os tipos de problemas que se desenvolvem a partir deles”. Watson argumentou que os processos mentais não eram diretamente observáveis e, portanto, não poderiam ser estudados cientificamente. Tudo o que deveria ser estudado por psicólogos deveria ser observado objetivamente: estímulo e um organismo respondendo a ele. Essa doutrina é conhecida como behaviorismo e se tornou bem forte na psicologia na primeira metade do século XX, e por ser completamente incompatível com o interesse de desenvolver modelos de sistemas de processamento mental, gerou um clima hostil para a psicologia cognitiva, e também, para a neuropsicologia cognitiva.

Referente a neurologia: os neuropsicólogos cognitivos do século XIX também eram neurologistas, e por isso, não estavam satisfeitos em apenas desenvolver modelos modulares dos processos cognitivos: eles também queriam localizar esses módulos no cérebro. Esta foi uma tentativa desesperada e prematura que estava fadada ao fracasso, e quando falhou, os deixou altamente vulneráveis a críticas. A tentativa foi prematura por dois motivos. Primeiramente, a única maneira que eles tinham de adquirir informações sobre a localização de onde estaria a lesão cerebral do paciente era extremamente rude: por autópsia após a morte do paciente. Em segundo lugar, mesmo que a informação sobre o local da lesão fosse obtido de maneira menos cruel, os modelos por si só não eram suficientemente detalhados para questões fundamentadas sobre onde os módulos estão localizados no cérebro. E isso provavelmente continua sendo verdade hoje em dia, mas os neurocientistas cognitivos não acreditam que seja assim. No começo do século XX, um número de neurologistas anti-modular e anti-localizacionista atacaram o trabalho de Broca, Wernicke e outros, e os ataques tiveram grande eficácia da credibilidade das tentativas dos neuropsicólogos cognitivos do século XIX de demonstrar relações entre locais de lesão particular e deficiências cognitivas particulares. Particularmente efeito foi o ataque contra Broca feito por Pierre Marie em 1926, e especialmente, o ataque em todo o campo da neuropsicologia cognitiva por Henry Head em 1926, que se expressou com os termos mais brutais: “Wernicke falhou ao reconhecer a natureza ampla da dificuldade devido aos preconceitos com as quais ela foi abordada:  na discussão solene que se segue nesse relatório, nós podemos apenas nos maravilhar com sua obtuseness clínica e falta de visão clínica… Estamos espantados com o dogmatismo sereno em que os escritores assumem um conhecimento do funcionamento da mente e sua dependência em grupos hipotéticos de células e fibras… A maioria dos observadores mencionados neste capítulo falharam ao não contribuir com uma solução de valor permanente para o problema.”

A “Revolução Cognitiva”, o abandono do behaviorismo e do reconhecimento de que há maneiras cientificamente aceitáveis de investigar a estrutura e natureza do sistema de processamento de informação da mente mesmo que não sejam diretamente observáveis como neutrons e eletrons, aconteceu na Grã-Bretanha e na América do Norte no meio dos anos 50. Novos e mais detalhados modelos modulares de vários formas do processamento cognitivo, inicialmente linguagem e também atenção seletiva, foram desenvolvidos e aplicados para a explicação dos dados coletados de experimentos sobre assuntos normais.

Em seguida, desenvolveram certas colaborações de pesquisas entre psicólogos cognitivos que estavam fazendo esse tipo de trabalho e neuropsicólogos clínicos que viram na clínica vários tipos de colapsos causados por danos cerebrais. Os clínicos estavam interessados em entender esses colapsos mais detalhadamente. Os psicólogos cognitivos estavam interessados em aprender mais sobre sistemas normais estudando como eles poderiam colapsar. Os anos 60 viram dois desses seminários colaborativos, os quais marcaram o renascimento da neuropsicologia cognitiva: Marshall e Newcombe (1966) em leitura e Warrington e Shallice (1969) em memória. Uma década depois, a neuropsicologia cognitiva estava totalmente restabelecida, de acordo com Selnes (2001), que observa em 1977 “um encontro para discutir profundamente a dislexia foi convocado em Oxford, e isso é considerado para muitos como um bom marcador para o início precoce da neuropsicologia cognitiva (E. Saffran, comunicação pessoal, 2000). O livro Deep Dyslexia (COLTHEART; PATTERSON; MARSHALL, 1980), que resultou de uma conferência, é considerado por muitos como o primeiro grande livro que trata da abordagem cognitiva da neuropsicologia. A revista Cognitive Neuropsychology foi primeiramente publicada em 1984.” (SELNES, p. 38, 2001). Não muito tempo depois, em 1988, o primeiro livro didático do campo, Human Cognitive Neuropsychology, foi publicado (ELLIS; YOUNG, 1988), e foi o primeiro livro a rever criticamente o campo (SHALLICE, 1988).

AplicaçõesEditar

A neuropsicologia cognitiva tem dois grandes domínios de aplicação: avaliação e reabilitação.

A avaliação neuropsicológica-cognitiva é uma avaliação baseada em um modelo de processamento de informação modular explícito do domínio cognitivo relevante. A existência do modelo permite a construção de testes específicos para os módulos individuais do modelo, então uma análise abrangente pode ser feita de quais desses módulos cognitivos estão operando normalmente e qual foi prejudicado pelo dano cerebral (em caso de desordem cognitiva adquirida), ou qual não foi adquirido a níveis adequados à idade (no caso de desordem cognitiva do desenvolvimento. As melhores baterias de avaliação neuropsicológicas-cognitiva desenvolvidas para a avaliação de desordens da linguagem falada e escrita são a PALPA (KAY; LESSER; COLTHEART, 1992) e a bateria BORB, para a avaliação de desordens da percepção visual e reconhecimento de objeto visual (RIDDOCH; HUMPHREYS, 1993).

A reabilitação neuropsicológica-cognitiva (COLTHEART; BRUNSDON; NICKELS, 2005) é similarmente baseada em modelos: é um tratamento que é especificamente direcionado para melhorar o funcionamento de módulos cognitivos específicos ou caminhos que foram identificados, através de métodos de avaliação neuropsicológica-cognitiva, como especificamente prejudicados. Outras abordagens da reabilitação neuropsicológica se diferem desta por serem geralmente voltadas para todo o domínio cognitivo, dentro do qual o paciente apresenta alguns ou outros sintomas. Numerosos exemplos da abordagem neuropsicológica-cognitiva para a reabilitação podem ser encontradas em Humphreys e Riddoch (1994) e Whitworth, Webster e Howard (2005).

RealizaçõesEditar

O volume de Coltheart e Caramazza (2006) é uma recente revisão do campo que contém relatos de última geração de contribuições da neuropsicologia cognitiva para o nosso entendimento de uma variedade de domínios da cognição, mostrando em particular o que aprendemos até agora com a neuropsicologia cognitiva sobre representação conceitual, produção da fala, compreensão de sentença, leitura e ortografia, memória de curto prazo, reconhecimento visual de objeto, atenção espacial e ações que envolvem um alto nível de habilidade.

ReferênciasEditar

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  43. Whitworth, A., Webster, J. & Howard, D. A Cognitive Neuropsychological Approach to Assessment and Intervention in Aphasia. Hove: Psychology Press, 2005.

Sobre este verbeteEditar

Este verbete é tradução do verbete “Cognitive neuropsychology” da Stanford Encyclopedia of Philosophy - publicado pela primeira vez na quinta-feira, 2 de Abril de 2008. A tradução foi autorizada pela instituição detentora dos direitos. A tradução foi feita por Leticia Pereira dos Santos como exigência parcial para a disciplina de Psicologia do Desenvolvimento Cognitivo da UFF de Rio das Ostras em 2021.1. Por se tratar de uma tradução de verbete de outra enciclopédia, este verbete ficará fechado para edições por um período de 1 ano, até o dia 14/05/2022. A versão atual do verbete original pode ser encontrada aqui