(Inserção e revisão completa do verbete na WikiHP)
(Sem diferença)

Edição das 13h38min de 4 de novembro de 2024

O Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Clarice Lispector é uma unidade de saúde mental localizada no Rio de Janeiro. Ele oferece serviços de atenção e atendimento psicossocial (psicológico e psiquiátrico, por exemplo) para pessoas em sofrimento psíquico grave e possui caráter territorial. A trajetória do CAPS Clarice Lispector remete à Zona Norte do Rio de Janeiro, mais especificamente ao bairro do Engenho de Dentro, onde o referido CAPS atualmente se localiza. Nesse mesmo local, anteriormente havia o Centro Psiquiátrico Pedro II, o qual foi um dos maiores e mais antigos hospitais psiquiátricos do Brasil. Esse, por sua vez, remonta ao Hospício Pedro II, que foi a primeira instituição psiquiátrica do Brasil — localizada no atual campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro na Praia Vermelha — para o  tratamento de pessoas avaliadas como doentes mentais, na época tidos como alienados. Ou seja, a história do CAPS Clarice Lispector remonta à história da mais antiga instituição de tratamento de saúde mental no Brasil.

História

História entre 1830 e 1930

Essa história teve início a partir da década de 1830, quando médicos do então Distrito Federal do Brasil, atual Rio de Janeiro, começaram a debater a necessidade de criar um manicômio para tratar pacientes com doenças mentais, visto que, com a ausência de um espaço específico para essa demanda, esses pacientes eram presos ou enviados para a Santa Casa de Misericórdia. A Santa Casa, assim, desempenhou um papel chave na institucionalização e implantação dos aparatos psiquiátricos, além da mobilização para a construção do Hospício Pedro II.

Nada obstante esses debates iniciais, foi somente em 1838 que a primeira iniciativa  surgiu de forma clara e objetiva visando a criação de um espaço próprio para o manejo da loucura no Brasil. Tal proposta encontra-se em um relatório da Comissão de Salubridade da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro. Porém, apenas em 18 de julho de 1841, dia da Sagração de Dom Pedro II como imperador, foi decretada a construção de um hospital próprio para os ditos alienados, a saber, o chamado Hospício Pedro II. Esse começou como um anexo da Santa Casa de Misericórdia até ser concluída sua construção, em 1852, na então Praia da Saudade, atual  Urca/ Praia Vermelha, na zona sul da cidade.  

Após a proclamação da República, em 1889, ele foi renomeado como Hospício Nacional de Alienados e, posteriormente, Hospital Nacional de Alienados (HNA). Esse processo de modificação na nomenclatura se deu a partir do decreto Nº 142-A de 11 de janeiro de 1890, decreto esse que foi também responsável pela retirada da Santa Casa da Misericórdia da direção do hospital, transferindo-a para a classe médica. Segundo o decreto:

“(...) após considerar a criação de uma assistência para alienados e constatar o fim dos motivos para manter o Hospício Pedro II sob controle da Santa Casa da Misericórdia, resolve (...) desanexá-lo daquele hospital [A Santa Casa] e constituí-lo estabelecimento público independente, com a denominação de Hospício Nacional de Alienados, que se regerá por instruções que serão oportunamente expedidas (...)”.

Ao longo dos anos, houve diversas mudanças administrativas e na direção do HNA, com figuras consideradas proeminentes da psiquiatria brasileira ocupando seus cargos de direção. Dentre eles, pode-se citar João Carlos Teixeira Brandão, de 1887 até 1901, tendo sido responsável pela criação do Pavilhão de Observação, que, articulado à cadeira de Clínica Psiquiátrica, promoveu a associação entre a formação acadêmica da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e a formação prática do HNA. Além desse, pode ser citado Juliano Moreira, que permaneceu no cargo de 1903 até 1930 e empenhou-se para adequar a estrutura do estabelecimento às tendências científicas da época.

Estabelecimentos anexos/criação das colônias

Com o intuito de lidar com a superpopulação do hospital (HNA), foram estabelecidos anexos, como as Colônias da Ilha do Governador, de São Bento e da Barão de Mesquita, instituídos a partir do decreto N⁰206-A, de 15 de fevereiro de 1890, todas dentro de um regime de internação. Em 1923, essas colônias foram substituídas pela Colônia Agrícola de Jacarepaguá, onde hoje há o Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira.

A principal diferença entre os pacientes que se dirigiam ao HNA e dos que iam para as Colônias fica explicitada no terceiro artigo do supramencionado decreto: enquanto o HNA, estabelecimento central da Assistência aos Alienados, é destinado aos doentes pensionistas curáveis ou incuráveis cuja estadia é custeada pelo Estado ou por familiares; as Colônias, por sua vez, são “[...] exclusivamente reservadas para os alienados indigentes, capazes de se entregarem à exploração agrícola e às industrias [...]”.

Sendo assim, o que era para ser uma alternativa ao modelo asilar o Hospício se tornou uma extensão pouco auspiciosa do mesmo para onde eram remetidos os indivíduos identificados como casos crônicos e pouco alvissareiros. (MACHADO; GOMES; FERREIRA, 2023, p. 4)

Desta feita, fica evidente que os doentes nas Colônias são aqueles que podem – e devem – trabalhar. Uma série de outros decretos reforçam a diferença entre os pacientes que circulavam pelo HNA e os que circulavam pelas Colônias. No Decreto N° 8.834 de 11 de julho de 1911, o qual cria a Colônia de Alienadas do Engenho de Dentro, em seu artigo 74 é claro ao afirmar que: “As colônias serão reservadas a alienados indigentes, transferidos do Hospital Nacional e capazes de entregar-se à exploração agrícola e outras pequenas indústrias.”

Nesse cenário, em 1911, foi aberta, destinada às mulheres, a Colônia de Engenho de Dentro, essa é de suma importância na história do que, anos mais tarde, viria a se localizar o CAPS Clarice. A referida colônia, entre os anos de 1923 e 1937 passou a ser denominada Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro, posteriormente, modificou a sua nomenclatura de Colônia Gustavo Riedel e, já em 1938, passou a denominar-se Centro Psiquiátrico Nacional. Inicialmente, a criação dessa colônia também se deu para atender à demanda de superlotação do Hospital Nacional de Alienados, tendo como diretor Simplício de Lemos Braule Pinto, de 1911 a 1918 e, em seguida, Gustavo Kholer Riedel entre 1918 e 1932.

Em outro verbete da WikiHP, intitulado "Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas de Engenho de Dentro", há a seguinte descrição:

"A colônia se destina a pacientes do HNA mulheres, indigentes e aptas a trabalhar, uma vez que o trabalho era tido como estratégia terapêutica. Além disso, pretendia-se também estender ao subúrbio serviços de prevenção e higiene mental, o que, mais tarde, acarretou na oferta gratuita de assistência médica para a comunidade no entorno devido a surtos de doenças no período".

Saída da Praia Vermelha para o bairro do Engenho de Dentro

Portanto, a essa altura da história tem-se o Hospital Nacional dos Alienados, na Praia Vermelha, e a Colônia de Alienados do Engenho de Dentro, que após diversas alterações de nomes, em 1938, chamava-se Centro Psiquiátrico Nacional. Foi em 1938 que o Dr. Adauto Botelho propôs a criação do Serviço Nacional de Doenças Mentais, resultando na transferência dos pacientes do HNA, que a essa altura já estava muito sobrecarregado, para o Centro Psiquiátrico Nacional (CPN) em 1943. Segundo o site do Centro Cultural do Ministério da Saúde:

Em 1938, o Dr. Adauto Botelho ao assumir a direção da Assistência aos Alienados transferiu os doentes do Hospício Nacional de Alienados para o Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro, antiga Colônia de Alienadas. A Urca, bairro onde se localizava o antigo hospício havia tornado-se bairro residencial, portanto, não sendo mais conveniente a presença do hospício no local. (mostra virtual "Hospício de Pedro II: da construção à desconstrução)

O verbete “ Hospital Nacional de Psicopatas 1927-1943”, de  Cristiana Facchinetti, presente no Dicionário Histórico de Instituições de Psicologia no Brasil, explica que:

a transferência efetivou-se em 1943 com a desativação das instalações do antigo Hospício Nacional de Alienados e sua incorporação pela Universidade do Brasil. O fim do Hospital Nacional de Alienados foi resultado da reestruturação do Ministério de Educação e Saúde (1937), que envolveu a criação do Serviço Nacional de Doenças Mentais, em 1941. Na Praia Vermelha ficaram, sob a responsabilidade da Universidade do Brasil, o Pavilhão de Observação e Diagnósticos (nomeado de Instituto de Psicopatologia) e o Instituto de Neurossífilis, que se tornaram, respectivamente, o Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto Municipal de Assistência à Saúde Philipe Pinel, inclusive o Pavilhão de Observação e Diagnóstico, que passou a se denominar Instituto de Psicopatologia, onde atualmente é o Instituto de Psiquiatria da UFRJ. (FACCHINETTI, 2011 p. 252)

Em 1965, o Marechal Castello Branco, através do Decreto-lei 55.474, criou nova denominação para o Centro Psiquiátrico Nacional, que passou a ser intitulado Centro Psiquiátrico Pedro II (CPPII). Em dezembro de 1999, o CPPII foi municipalizado e, a partir de 5 de setembro de 2000, através do Decreto 18.917, passou à denominação de Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira (IMASNS).

História a partir da década de 1990

Na década de 1990, reuniram-se na enfermaria feminina do hospital, os grupos de profissionais responsáveis por atender usuários com internações recorrentes. Os pacientes atendidos, em grande parte, provinham de enfermarias na Baixada Fluminense e passaram a ter assistência garantida no CPPII, através do chamado “Grupo de Egressos”. O referido grupo tinha como objetivo buscar outras alternativas além das internações e, para atingir esse fim, os atendimentos semanais poderiam se desdobrar em visitas domiciliares e acompanhamentos às crises. A partir de 1998, com aumento da necessidade de cuidados, abre-se um espaço no terraço do prédio de enfermarias para a realização de grupos e oficinas, integrando não só o Grupo de Egressos, mas também contando com a participação dos internos, especificamente daqueles que são pacientes de longa internação. Nesse mesmo momento, está ocorrendo a Municipalização do Centro Psiquiátrico Pedro II, assim, a instituição, em 1999, passa a se chamar (IMASNS), enquanto o prédio de enfermarias é renomeado de “Unidade Hospitalar Professor Adauto Botelho” para “Casa do Sol”.

Não obstante essas modificações, esse espaço para a realização de grupos e oficinas ainda era mantido informalmente, o que trazia problemáticas, havia a necessidade de conhecer os novos integrantes e suas histórias, que se expandiam para além dos limites do Grupo de Egressos, levando a equipe a buscar a consolidação de um lugar institucional. Diante dessa necessidade de formalização, em 2000, são formadas as bases do serviço que continuaria funcionando dentro do IMASNS por mais 5 anos - o então nomeado Centro de Convivência. Esse se estabelece com o objetivo de ultrapassar o lugar de um espaço de convivência para se implicar formalmente no tratamento de cada um dos usuários. No meio desse processo, há a chegada de novos profissionais concursados, que se fez possível diante da municipalização do CPPII, e com a presença de um supervisor de equipe passa a haver uma implementação de institucionalidade e de discussão permanente das estratégias de cuidado com os usuários.

O novo serviço foi instituído sob a gerência de Edmar Oliveira, e a Subgerência de Atenção Psicossocial ficou a cargo de Marcos José Martins. Dessa forma, os antigos serviços de atenção diária passaram a se alinhar ao trabalho da direção do futuro CAPS Clarice Lispector. Foi então decidido, a partir das características prévias dos 3 serviços de atenção diária que funcionavam no instituto - Casa D’Engenho, Espaço Aberto ao Tempo e Centro de Convivência -,  que o Centro de Convivência seria responsável pelos pacientes (ou usuários, numa linguagem mais atual, mas usaremos o termo pacientes devido à época) institucionalizados do Nise e pelos pacientes externos, o que consolidou a permanência de seu espaço dentro do próprio instituto, uma vez que consideravam que os pacientes não frequentariam o serviço se não fosse dentro do próprio Nise. Seguindo essa lógica, o Centro de Convivência ficou responsável pelo próprio bairro do Engenho de Dentro e por bairros vizinhos, como Água Santa, Encantado e Liberdade. No entanto, os desafios de se operar no espaço o andar térreo de onde viviam muitos dos residentes do hospital logo apareceram. Sendo um ambiente sem portas e um espaço onde muitos dos pacientes já costumavam frequentar, colocou-se a necessidade de estabelecer fronteiras entre esse novo espaço e as enfermarias. Também foram discutidas formas de trabalho conjunto dada a percepção de uma diferença de relação entre os pacientes institucionalizados e os externos, o que, até a inauguração do CAPS, implicou em várias ações e desenhos de trabalho conjunto, resultando em um arranjo particular para este CAPS.

Da efetiva inauguração do CAPS Clarice Lispector

Em 2004,  há a possibilidade de mudança do espaço físico desse serviço com o intuito de se desvencilhar do hospital. Esse processo se fez a partir de uma articulação entre diversas instâncias gestoras, a saber: a Coordenação do CAPS, a Direção do Instituto Nise da Silveira, a Assessoria de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES/RJ) e a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, culminando assim na criação de uma instituição nos moldes dos demais CAPS do Rio de Janeiro.

A inauguração do CAPS Clarice Lispector, realizada no dia 23 de maio de 2005, no bairro do Encantado, trouxe as marcas difusas de um espaço refeito e construído a partir da articulação entre o Programa de Moradia do Instituto Nise da Silveira (cuja orientação era marcada pelo viés da desinstitucionalização dos usuários) e a coordenação do CAPS.  A partir dessa implementação, o CAPS passa por processos semelhantes a de outros centros de atenção no que tange às variações nas políticas municipais de saúde e a discussões de caráter nacional, que dizem respeito aos próprios destinos da reforma. No entanto, é importante destacar que a localização dentro do próprio complexo do instituto Nise da Silveira auxilia em alguns processos referentes à tomada de decisão e mesmo o suprimento do corpo técnico para as equipes multidisciplinares. Vale também destacar a mudança para CAPS III durante a pandemia de Covid-19.

Referências

  1. As Colônias - Hospício de Pedro II. Acesso em: 8 out. 2024.
  2. DECRETO No 142-A, DE 11 DE JANEIRO DE 1890. Disponível em: Acesso em: 23 set. 2024.
  3. FACCHINETTI, CRISTIANA. Hospital Nacional de Psicopatas 1927-1943. In. JACÓ-VILELA, A. M (Org,). Dicionário histórico de instituições de psicologia no Brasil. Rio de Janeiro: Imago Editora Conselho Federal de Psicologia, 2011. Acesso em: 23 set. 2024.
  4. MACHADO, F.; GOMES, D. Lima Barreto e Bispo do Rosário: narrativas de resistência em meio a confinamentos. Revista Scientiarum Historia, v. 1, p. 8, 6 set. 2021. Acesso em: 23 set 2024
  5. MACHADO, F.; GOMES, D.; FERREIRA, A. O trabalho como gesto criativo :discutindo a ressocialização através do trabalho a partir da história das Colônias Agrícolas para Alienados no Brasil. Revista Scientiarum Historia, v. 1, p. e423–e423, 31 dez. 2023.
  6. MACEDO, Marta; RECHTAND, Mauro; e MIRA, Karina. Pensando o cuidado dentro e fora – a criação do CAPS Clarice Lispector In: Archivos Contemporâneos do Engenho de Dentro. Rio de Janeiro. Editora MS. 2007. P. 71 - 81
  7. Nise da Silveira - WikiHP. Acesso em: 24 set. 2024.
  8. SILVA, C. Colônia de Alienados de Engenho de Dentro (1911-1932). XXIX Simpósio de História Nacional. Anais... Em: COLÔNIA DE ALIENADOS DE ENGENHO DE DENTRO (1911-1932). Brasília, DF: 2017. Acesso em: 21 set. 2024.